Gabo e um milagre chamado Vietnã
Flávio Aguiar, na Carta Capital
No dia 29 de maio de 1980 a revista Rolling Stone publicou um artigo do
jornalista Gabriel Garcia Marquez, ‘The Vietnam Wars’. O artigo fascinou-me tanto quanto a leitura de Cem
anos de solidão, mais de uma década antes, na impecável tradução de
Eliane Zagury. A leitura deste livro levou-me ao encontro – abrindo o caminho –
para um dos escritores mais ilustres, criativos, generosos e combativos que já
pude ler.
A leitura de Vietnam Wars me despertou para um outro Gabo, tão fascinante
quanto o primeiro. Tratava-se do Gabo jornalista, repórter, no caso, do Vietnã.
No dia 29 de maio de 1980 a revista Rolling Stone publicou um artigo do
jornalista Gabriel Garcia Marquez, ‘The Vietnam Wars’. O artigo fascinou-me tanto quanto a leitura de Cem
anos de solidão, mais de uma década antes, na impecável tradução de
Eliane Zagury. A leitura deste livro levou-me ao encontro – abrindo o caminho –
para um dos escritores mais ilustres, criativos, generosos e combativos que já
pude ler.
Garcia Marquez era de uma estirpe
particular de escritores, os ‘criadores de mundos’. É claro que todo o escritor
cria o seu mundo; mas alguns o fazem criando um mundo particular, fictício e
real, mas só deles, com os quais se identificam e por eles são identificados.
Juan Rulfo e Comala; Joseph Conrad e Costaguana; Erico Verissimo e Santa Fé e
mais Antares; Monteiro Lobato e o sítio do Picapau Amarelo, somente para dar
alguns exemplos.
Foi e é dos escritores
latino-americanos mais expressivos do que veio a se chamar, talvez um tanto
imporprieamente, de ‘realismo mágico’, na esteira do que Alejo Carpentier
batizou de modo mais preciso de ‘real maravilhoso’. Gabo (seu apelido, apócope
de Gabriel) tornou-se um escriotor maravilhado, maravilhoso e maravilhante:
maravilhado pela história de seu continente; maravilhoso pela qualidade e pelo
fôlego; maravilhante porque quase sempre fascina o leitor pelos mundos que cria
e pela riqueza humana de personagens como o Coronel Aureliano Buendía.
Porém a leitura de ‘Vietnam Wars” me
despertou para um outro Gabo, tão fascinante quanto o primeiro. Tratava-se do
Gabo jornalista, repórter, no caso, do Vietnã do pós-guerra, o país que restara
dilacerado entre os escombros do antigo regime de sul, as feridas abertas
deixadas pelo napalm, pelos bombardeios, pela implacável Operação Phoenix sob a
batuta dos Estados Unidos, que dizimara os melhores quadros do sul do país.
O texto de Gabriel é claro, sucinto,
preciso, amplo, captando todas as tragédias humanas e a dolorosa luta pela
sobrevivência e pelo reerguimento do país devastado – mas não dobrado. O ponto
alto e constante do artigo é a constatação do contraste entre os sul, onde se
aglomera uma burguesia que perdeu o poder mas não a riqueza, atrás de uma rota
de fuga irregular, os traficantes que abrem a rota, os piratas no mar do sul da
China que assaltam os navios, e o norte, menos destruído, mas impotente para
alavancar de modo rápido a recuperação daquele sul.
Gabo analisa com maestria o modo como a
mídia do Ocidente criou a falsa imagem que o norte comunista e desalmado estava
literalmente “jogando” as vítimas do sul pelo mar a fora, e chega a conclusão
que os vencedores da guerra militar estavam sendo derrotados – também pela
própria imprevidência – por uma outra guerra, a da informação.
Mas como tudo que Gabo tocava adquiria
a consistência do maravilhoso, também não dava – nem dá agora, na releitura
cheia de saudade – para desprezar o esforço titânico daquele povo,
atacado por todos os lado, ainda se acreditando ameaçado por uma nova guerra
(desta vez seria com a China, ameaça que felizmente não se concretizou),
esforço majestoso para renascer das próprias cinzas, e assim derrotar, mais uma
vez, a Operação Phoenix, fazendo de si mesmo uma Fênix de verdade.
Obrigado, Gabo.
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