O discreto charme de Marina Silva
Sérgio Saraiva, no GGN
Marina
Silva personifica uma contradição sedutora, sorri para a modernidade enquanto
se apresenta confiável ao conservadorismo. Depois de Collor de Mello e FHC, é o
novo ilusionismo da direita.
Marina e o
olhar as nuvens.
Marina é um
caso de radicalismo improvável de ser posto em prática. Alimenta
simultaneamente esperanças nos extremos do nosso espectro político. A extrema
esquerda e a direita se unem para apoia-la. “Terceira via” paradoxal, Marina
faz oposição ao centro.
Um governo
Marina é a garantia da traição a um dos lados que hoje a apoiam.
No entanto,
messiânica, parece trazer em si a certeza das ações necessárias para a
consecução de cada uma dessas esperanças. Marina não tem a solução dos
problemas, Marina é a solução. Mas uma solução que não se dá à maçada de
apresentar propostas concretas.
Marina encarna
um discurso de crítica ao sistema. Mas é algo pensado para ser vago, fugidio. É
como olhar as nuvens. Cada um vê nelas o que quer ver, as nuvens em momento
algum se responsabilizam por nossos sonhos, apenas os inspiram.
Marina tem um
que de modernidade que se expressa em um falar protofilosófico que parece ser
compreensível apenas aos iniciados, mas, sem dúvida, transmite confiança no que
fala. E, assim, afasta o contraditório. Para fazer o contraditório é necessário
entender os argumentos do interlocutor. Se o que se ouve não passar de um jogo
de palavras pretensamente modernoso, como contraditá-lo?
Marina pode
ser tudo, mas tola ela não é, vai adiar o quanto puder o debate sobre suas
contradições.
Marina Silva é
um poço de contradições.
Marina tem
origem no movimento ecológico, mas há muito isso deixou de ser seu campo de
militância. Alguém se lembra da última causa na qual Marina esteve à frente,
dando a cara à tapa?
Vinda das
classes populares, de pequenos agricultores e extrativistas da floresta
amazônica, Marina tornou-se ícone da classe média urbana do sudeste e sul. Já
há tempo que o Acre deixou de ser seu referencial.
Na Folha de
São Paulo, a colunista Eliane Cantanhêde, dias atrás, saudava uma das
características de Marina que deve ajudá-la em muito na conquista de votos – é
evangélica. Mas Marina não encarna a “nova política”, aquela na qual não se
trata eleitores como se fossem parte do “curral eleitoral” do candidato?
Questionar
Marina sobre sua posição em relação à descriminação do aborto é ocioso. Mas
ninguém ainda perguntou à Marina a sua posição sobre o ensino religioso nas
escolas públicas. Ou sobre o currículo escolar das aulas de ciências no ensino
fundamental ou de biologia no ensino médio. Musa dos “verdes”, é criacionista.
Sua posição sobre esses assuntos seria muito relevante para seus eleitores.
Apesar de ser
lembrada pela causa ecológica, Marina é apoiada por banqueiros e industriais. A
Natura e o Itaú são quase parte do seu partido. Se é que não são o seu
"partido", já que o Rede ainda habita o campo das possibilidades.
Alguém já
ouviu uma palavra de Marina sobre a manutenção das conquistas sociais dos
últimos 12 anos? O Bolsa Família, o PROUNI, o PRONATEC, o “Mais Médicos” e a
recomposição do valor do salário mínimo, por exemplo?
O que sabemos
de Marina a respeito da política econômica? Que Marina defende a ortodoxia
neoliberal expressa no tripé – metas de inflação, superávit primário e câmbio
flutuante.
Música para os
ouvidos da especulação financeira.
Metas de
inflação são alcançadas, no mais das vezes, com juros altos e trazendo a
inevitável redução da atividade econômica, mas altos ganhos ao setor
financeiro. O superávit primário vai garantir os recursos necessários para
pagar os tais juros, mas, com a redução da atividade econômica, a solução é o
corte dos gastos sociais. E o câmbio flutuante garante os ganhos de capital
pela simples intermediação financeira praticada por fundos de investimentos
internacionais ou sediados em "paraisos fiscais" e nos coloca
vulneráveis a ataques especulativos que realimentam o processo de
especulação. Por fim, com a livre circulação de capitais, base da idéia de
câmbio flutuante, está assegurada a expatriação integral dos lucros dos
“investidores internacionais” e dos investidores internacionais.
Algum
jornalista já questionou Marina sobre isso e se isso não seria uma retomada do
modelo do governo FHC?
E quanto ao
papel do Banco Central na condução da política econômica? Bom, em relação a
isso, Marina já se posicionou. E claro, ela é favorável à autonomia do Banco
Central – não autonomia formal, mas autonomia de facto.
“Nós não
defendemos a formalização da autonomia do Banco Central. Na realidade, a
autonomia já faz parte das leis que pertencem a esse ramo do direito. Mesmo que
(a autonomia) não seja formalizada ela se estabelece a partir do consenso
social, político cultural. (Se isso fosse para o debate do Congresso), criaria
um risco de colocar em discussão uma questão como essa. Se um grupo decidir que
não terá autonomia, nós estaríamos diante de uma fragilização dos instrumentos
de política-macro econômica que não é desejada. Não há necessidade de
institucionalização”. Aqui.
Um exemplo da
prolixidade a serviço da dissimulação de intenções.
E pensar que
Aécio apanhou um bocado por ter se comprometido com as tais “medidas
impopulares”.
Há ainda
outras questões em aberto em relação a um hipotético governo de Marina Silva.
Marina é uma
adversária do agronegócio – os tais “latifundiários”. Ocorre que o
agronegócio não é mais, no Brasil, apenas a agricultura e a pecuária
tradicionais. O conceito correto para nós é o da agroindústria. Trata se da
nossa área de maior desenvolvimento tecnológico, um dos nossos maiores
empregadores, inclusive com empregos de nível superior, e a principal fonte de
exportações brasileiras e uma das nossas garantias contra a inflação.
Qual será a fonte de receitas que Marina irá buscar para substituí-lo?
Turismo ecológico?
É bom que se
pergunte isso a Marina. Como também sobre qual a sua opinião em relação área da
mineração, da exploração do pré-sal e da geração de energia elétrica.
E sobre a
privatização e o papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico.
Precisamos
conversar sobre Marina.
Aécio não
conseguiu formar empatia com o eleitor, patina na casa dos 20% de intenções de
voto há meses. Só cresce agregando “in
extremis” o voto de ódio antipetista. Mas nem assim as pesquisas
apontam uma vitória, sequer um segundo turno é garantido. Tem, além disso, todo
o passivo dos seus governos e correligionários em Minas.
Marina não. Pode-se
molda-la às expectativas dos sonhadores, dos indecisos e dos insatisfeitos. E,
com ela, é possível odiar o PT sem ter de baixar ao nível do calão, de mandar a
presidente da República tomar no cu.
Garante a
volta do conservadorismo ao poder, mas com a leveza de uma “sacerdotisa dos
povos da floresta”.
Um símbolo
charmoso e dissimulado como o foram os ares de modernidade e dinamismo com
Collor de Mello e de intelectualidade com Fernando Henrique Cardoso. E esses
governos foram o que foram.
Por tudo isso,
aqueles que defendem a posição da esquerda, da social democracia, precisam
muito falar sobre Marina, apontar mais uma tentativa de engodo.
Depois de
Collor de Mello e FHC, Marina é o novo ilusionismo da direita.
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