O argumento da nova política é velho. No que
consiste o novo nos discursos de campanha de Marina Silva? O novo adquire aqui um
caráter puramente ideológico
Luciana
Balestrin, na Carta Maior
Entender
as razões que levam uma pessoa a votar em outra é uma das preocupações mais
clássicas da Ciência Política. Nas democracias
representativas-liberais-ocidentais, entender a cabeça do eleitor(a), decifrar
os seus anseios e jogar com suas intenções de voto orientam as máquinas do
marketing eleitoral e das pesquisas de opinião pública. São várias as
possibilidades da racionalidade do voto e sua conquista pelos partidos
políticos depende de muitos fatores, circunstâncias e contextos.
Em
tempos de campanha eleitoral, mais do que programas de governo, os discursos
políticos têm o objetivo de interpelar fatias do eleitorado potencial e
indeciso, criando uma cadeia de equivalência de significados capaz de mexer com
nossa razão e nossa emoção. A campanha de Marina Silva do PSB tem se esforçado
para equivaler duas noções personificadas pela candidata: a “nova” e a “boa”
política para o país. Esta lógica aposta que a política atual, bipolarizada
pelo PT e PSDB, é “velha”, “ruim”; encurralada, pois, entre duas vias.
O
argumento da nova política é velho. No que consiste exatamente o novo nos
discursos de campanha de Marina Silva? O novo adquire aqui um caráter puramente
ideológico: o velho está na dicotomia ultrapassada entre a esquerda e a
direita, enquanto o novo está na terceira via. Na década 1960, o discurso
terceiro-mundista dos não-alinhados não conseguiu escapar da lógica bipolar da
Guerra Fria – nem comunismo, nem capitalismo. Na década de 1990, o discurso da
“terceira via” veio a reboque do fim da história neoliberal para fortalecer o
próprio neoliberalismo. “Desenvolvimento sustentável” e “capitalismo verde” são
expressões muito típicas dessa conjuntura que passou seu recado: o sistema capitalista
triunfou e sempre triunfará. Nele, porém, podemos preservar a natureza.
O
argumento da boa política é moralista. No que consistiria exatamente o bem e o
bom nos discursos de campanha de Marina Silva? O bom e o ruim, o bem e o mal,
projeta um antagonismo que para o polo da esquerda e da direita estranhamente
não funciona. Então, existem pessoas boas e más no mundo, assim como o bem e o
mal: os partidos políticos aos quais pertencem, bem como suas filiações
ideológicas não importam. O argumento religioso do bem e do mal e o julgamento
do que é bom e do que é ruim paira acima de todas as ideologias. E vejam: é um
discurso que não admite rótulos, mas que paradoxalmente o faz quando se trata
da nova e da boa política. Acima de todos e de todas, acima da história e de
suas histórias.
Para
além da velhice e do moralismo desse tipo de discurso, no contexto atual do
Brasil ele reforça o personalismo apartidário e messiânico, buscando eliminar a
força de toda a disputa política: o conflito. A campanha de Marina tem
procurado estabelecer a equivalência discursiva da novidade e da bondade em
torno do seu nome: tenta matar a política, porque o conflito é coisa velha e
ruim. Nada mais velho e moralista.
A
distância entre esse tipo conhecido de discurso e a prática concreta remete a
experiências que se repetiram primeiro como tragédia e depois como farsa. É por
esta razão que o discurso de Marina Silva flutua e flerta mais para a direita
do que pela esquerda, em uma ambiguidade que até os mais endinheirados e
elitizados pagam para ver. Um discurso muito cauteloso, persuasivo e
estratégico, incapaz de contrariar as premissas do neoliberalismo econômico e
do conservadorismo moral. Um discurso velho com novas palavras, inerte para
apontar até agora caminhos de mudança à “velha” e à “boa” esquerda. Um discurso
incontroverso: quem quer destruir o meio-ambiente? Quem não quer dialogar?
O
neoliberalismo green light de Marina Silva pouco explica hoje seu passado
guerreiro de ontem. Contradições e paradoxos discursivos e práticos não
resistem aos fatos: uma mulher que pouco fala dos direitos das mulheres; uma
ambientalista pró-desenvolvimentismo; uma vaidade individual sugadora do
coletivo partidário. Marina é uma mulher de origem humilde de cercanias
distantes, com passado lutador que merece todo nosso respeito. Mas, o passado
não pode ser a anistia do presente. O presente de Marina Silva corre para um
abraço verde, liberal na economia, contido nos valores. Não é a morte da
política, tampouco da velha e da ruim, porque é sua mais perfeita
perpetuação.
Luciana Ballestrin é cientista política e
coordenadora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de
Pelotas.
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