25 setembro 2014

Candidatura camaleônica

5 falácias e 2 incertezas da candidatura de Marina Silva
A candidata Marina Silva posa de vítima e brada: parem de querer me destruir. Mas é Marina quem começou o processo da sua auto-destruição.
Flávio Aguiar, na Carta Maior

Falácia 1: Marina posa de vítima e brada: “parem de querer me destruir”. Mas é Marina quem começou o processo da sua auto-destruição. Em primeiro lugar, ela mesma liquidou com a Marina que conhecíamos, do passado. E ela mesma se liquida diariamente, incinerando-se a cada dia que passa para ressurgir “outra” no dia seguinte. Foi assim no episódio do casamento gay, por exemplo, o primeiro destas recentes incinderações programadas. Isto nos leva a...

Falácia 2: Um bordão da candidatura de Marina, trombeteado inclusive internacionalmente, é que ela seria a primeira “mandatária verde” eleita no mundo. Isto poderia ser verdade para a Marina de antes de 2010. A de 2014 tem ligação umbilical com o capital financeiro, que sustentou suas conferências ao longo do tempo, e cujos representantes herdados da candidatura de Eduardo Campos redigiram seu programa econômico. Esta ligação, e não alguma pretérita ligação com os “povos da floresta” ou com a própria “floresta”, será o eixo de sua governança, se eleita. O que nos traz à mente a...

Falácia 3: Marina apregoa que vai governar “para além das alianças”, com “os bons” de todos os partidos. Este bordão lembra aquele “Serra é do bem” de campanha passada. Mas além disto, este propósito é impossível para qualquer candidato, a menos que queira fechar o Congesso Nacional. Como o PT, no caso de vitória de Marina, não estará para alianças, o PSB terá uma bancada pequena, a Rede ainda não existe, e o PMDB ficaria dividido, ela terá mesmo de se apoiar nos remanescentes do PSDB e do DEM, partidos em declínio eleitoral mas capazes ainda de grande articulação com o capital financeiro. Este passo coloca na pauta a...

Falácia 4: Em suas transformações mirabolantes, Marina afirma que manterá – talvez ampliará – os programas sociais. Isto não tem base de sustentação diante de sua equipe econômica e da que terá por aliados depois de uma vitória nas eleições, todos absolutamente contrários a tais políticas. Aqui se inclui, como política social, a de valorização do salário mínimo, que afundará junto com as outras, além do compromisso para a aplicação prioritária dos recursos do pré-sal em educação e saúde, a política externa soberana e de perspectiva multilateral e multipolar. Para sobrenadar ou sobrevoar estas contradições, que prenunciam graves crises no país, Marina quer se afirmar como uma liderança messiânica, do tipo Jânio ou Collor, que vence no grito a corrida de obstáculos que é governar. Porém até mesmo esta disposição é falaciosa pois aí vem a...

Falácia 5: Ao invés de uma liderança carismática forte, as transformações de Marina (que lembram uma peça do dramaturgo gaúcho Qorpo-Santo, “Hoje sou um e amanhã outro”) vão aproximando seu perfil mais e mais de um FHC descorado pelo tempo. Já não se trata mais do “esqueçam o que que escrevi”, mas de “esqueçam o eu eu disse ontem” – com algumas exceções, é claro, onde despontam a falácia do tal “Banco Central Independente” e a política de livre flutuação cambial, além do reatrelamento do Brasil às políticas desastrosas dos Estados Unidos e da União Europeia.

Mas além de falácias, a candidatura de Marina vem chamando à tona algumas incertezas. Por exemplo: 

Incerteza 1: Apregoa-se que tudo vai mudar no segundo turno, com tempo igual de exposição na propaganda obrigatória para ambas as candidaturas. Isto é incerto. Antes Marina estava no limbo da vice-presidência de uma candidatura que na verdade construía uma ponte para 2018. Esta também era a sua perspectiva, a de Marina, com sua Rede em gestação. A tragédia trouxe a candidata para as luzes da ribalta. Já com seus quase dois minutos e exposição na mídia, a candidata teve que começar a se definir melhor – e os resultados desta definição não têm sido bons para ela. Os quase dois minutos limitam – mas ao mesmo tempo protegem – a sua candidatura. Com mais tempo, haverá a necessidade de mais definições, e mais claras. O resultado pode não ser bom.

Incerteza 2: Somando e diminuindo os fatores antes enumerados,a “rede eleitoral” (não o seu projeto de partido) lançada pela candidata, na esteira de seus votos em 2010 e da herança do candidato tragicamente desaparecido, alcançou fundamentalmente o aprisco de Aécio Neves para crescer, desossando a candidatura deste. Esta rede, com seus elementos muito díspares segundo as análises disponíveis – evangélicos, ambientalistas vidrados pela Marina anterior (a que desapareceu nas dobras da atual), jovens de classe média unilateralmente insatisfeitos com a política, velha classe média que pensa que direitos são privilégios, pessedebistas descrentes na própria candidatura, et alii – vai se concentrando cada vez mais na colheita do antipetismo latente ou manifesto em todas as frentes. Assim num segundo turno eventual, Marina começará sendo a candidatura deste tempero: o antipetismo. Será isto suficente para vencer? Duvido. Será ele o suficiente para governar, caso vença? Certamente não. Marina terá de demonstrar que pode governar, para além das falácias acima expostas. Vai ter que se definir em torno do seu programa anunciado, não apenas como uma “metamorfose ambulante”. E aí a cobra vai fumar.

De tudo fica uma única certeza. Ao fazer bico e pose de vítima, Marina se esqueceu da máxima do saudoso Vicente Mateus: “quem sai na chuva é pra se queimar”.
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