Luciano Siqueira, no livro “Cronistas de Pernambuco”, Ed. Carpe Diem
Aconteceu poucas vezes. Inesquecíveis,
todas. Ele nos levava de ônibus da Lagoa Seca, onde morávamos, até Ponta Negra,
que na segunda metade dos anos cinquenta era uma praia distante. Numa parte
íngreme havia um varal com calções e maiôs para aluguel, anunciados numa placa
tosca, e um quadrilátero de palha para que o freguês trocasse a roupa.
O
banho nós - eu e Airton, o irmão mais novo - tomávamos no rasinho, envoltos na
espuma espessa e abundante que nos propocionava fantásticas aventuras
imaginárias em alto mar.
Havia
uma breve pausa para o lanche: pão creoulo torrado com leite de coco, trazido
de casa, e refrigerante. Uma delícia! E ao final da manhã, no retorno para
casa, ele nos levava a um bar da rua Chile, na Ribeira. E era ali, no bar, que
invariavelmente me vinham as imagens de uma visita ao prédio central da
Alfândega, num meio de semana, pela manhã, a que ele me levara. Um prédio
imenso ao meu olhar de menino, gente entrando e saindo, um carneiro bem alvo
preso a uma corda no pátio interno (pertencente a algum funcionário, suponho).
Apertos de mão e abraços efusivos. - Olá, Renato, tudo em ordem? E esse
rapazinho? - Meu filho, é o penúltimo da turma, encostado no caçula. Gosta
muito de estudar.
Lembro
de ter experimentado orgulho do pai respeitado e querido por muita gente, seus
colegas de repartição.
No bar
ele pedia uma cerveja Caracu ? cerveja preta fazia bem à saúde, dizia ? e
guaraná Antarctica para nós dois. Num prato pequeno, queijo de coalho cortado
em cubos, untado em molho inglês.
Não me
recordo se ele conversava com a gente. Nem que coisas de crianças dizíamos um
ao outro. Nem se demorávamos ou não no bar. Sei apenas que me sentia importante
naquele ambiente frequentado por homens, onde eu era um deles, sentado à mesa
redonda de mármore branco e pés de ferro. Um prazer tão imenso que ainda hoje
quando vou a Natal dou um jeito de passar na Chile, no velho bairro da Ribeira,
e já nem sei quantas vezes voltei à Ponta Negra (para afogar os pés na espuma
da praia defronte ao morro do Careca), hoje modernamente urbanizada, muitos
hotéis de luxo, turistas por toda parte.
A
praia de Ponta Negra e a rua Chile me transportam à infância e afloram um quê
de tristeza por tê-lo perdido tão cedo (faleceu precocemente quando eu tinha 11
anos) e por não ter conseguido lhe dizer o quanto me fazia feliz naquelas
esporádicas, mas fascinantes manhãs de domingo. (Publicado originariamente no portal Vermelho)
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