Saul Leblon, na Carta Maior
Minas tornou-se a pedra no meio da língua de Aécio. Quanto mais ele
ataca Dilma e o PT, mais complicado fica explicar a derrota no seu estado.
Aécio Neves festejou a virada sobre Marina Silva, cujo encolhimento
franqueou ao tucano a vaga de adversário de Dilma Rousseff no 2º turno da
eleição presidencial deste ano.
A virada sobre a
candidata do PSB, de fato expressiva (pesquisas de véspera davam a Aécio 21%
das intenções de voto e ele chegou a 33,5%), precisa ser qualificada para não
ser subestimada, nem mistificada. Aécio cresceu menos por seus méritos, mais
pela polaridade estabelecida entre Marina e Dilma, que praticamente
monopolizaram o primeiro turno. Se o embate entre as duas deixou a candidatura
tucana no limbo por um período, contribuiu também para preservá-la de um
escrutínio mais duro de propostas e dissecação histórica.
À medida em que
Marina perdeu o magnetismo inicial, setores que a apoiavam migraram em
debandada de volta a Aécio, que arrebanhou, ademais, os votos temerosos de uma
vitória de Dilma no primeiro turno. Isso ficou nítido na votação significativa
do tucano no quartel-general do conservadorismo brasileiro: no estado de São
Paulo ele obteve mais de 10 milhões de votos, contra 5,9 milhões de Dilma.
Mesmo assim, a vantagem que Dilma leva agora para o 2º turno (41,5% x
33,5%, oito pontos), embora inferior a de 2010 quando fez 47% contra
32,6% de Serra, representa oito milhões de votos de dianteira. Em 2010
foram 14 milhões de votos (*).
Se é óbvio que
desfrutará do apoio uníssono do jornalismo isento, o tucano não disporá mais do
abrigo de ostracismo agora que personifica o polo antagônico do projeto de
construção de uma democracia social no Brasil.
Não só. Será difícil
para quem se propõe a ‘consertar o país’, explicar por que os eleitores do seu
estado natal, que vivenciaram essa habilidade ao longo de dois mandatos
sucessivos do candidato, rechaçaram solenemente a sua continuidade neste
domingo.
Aécio foi duplamente
derrotado em Minas Gerais. Não qualquer dupla derrota. O candidato do
ex-governador foi derrotado logo no primeiro turno da disputa estadual; não por
uma margem estreita, mas por 52% contra 43%. E não por qualquer adversário:
pelo PT. O mesmo partido que ele acusa de haver demolido o Brasil e assaltado a
Petrobrás.
Minas tornou-se a pedra
no meio da língua de Aécio. Quanto mais ele ataca o PT, mais complicado fica
explicar a sua derrota em Minas. Como um partido tão ruim foi capaz de derrotar
um ciclo tão bom de administrações comandadas por ele?
E para que não haja
qualquer tentativa de confundir a derrota emblemática com questões locais,
Minas enviou um segundo torpedo ao Brasil. Embrulhado no ditado ‘só quem não
conhece que te compra’, deu a Dilma 43,46% dos votos, contra 39,77% para Aécio
Neves.
Nada disso deve ser
confundido com otimismo ingênuo diante da virulenta batalha do 2º turno que
começa nesta 2ª feira. Mas é preciso qualificar o adversário que o
conservadorismo tentará vender nos próximos dias com o mesmo celofane da
‘unanimidade mudancista’, com que revestiu Marina Silva, quando ela chegou a
ostentar 10 pontos de vantagem no 2º turno sobre Dilma (50% a 40%).
Despida a mística do
proficiente governador chega-se ao núcleo duro da disputa, aquilo que realmente
importa e está em jogo. Serão três semanas de confronto duro entre dois
projetos de país e duas estratégias de enfrentamento da crise mundial, que está
longe de acabar.
Uma, preconiza desarmar
a sociedade e amesquinhar o Estado. Liberado o campo –de que faz parte
derrotar o PT-- entrega-se a economia à lógica do arrocho, esfarelando
direitos, empregos, renda e soberania, para dessa forma canalizar riqueza aos
mercados encarregados de reordenar o país, a economia e os pilares do
crescimento. É a mesma lógica da ‘contração expansiva’ (contração dos de baixo
para abrir caminho à expansão dos do alto) aplicada na Europa há quatro anos,
com os resultados sabidos.
A outra estratégia
envolve uma obstinada negociação política das linhas de passagem para um novo
ciclo de desenvolvimento. Ancora-se em quatro patas: avanço da igualdade, salto
na infraestrutura, impulso industrializantes do pré-sal e reforma política com
democracia participativa.
Nessa repactuação
de metas, prazos, concessões, sacrifícios, ganhos e salvaguardas, a voz dos
mercados não poderá se impor, nem abafar a da sociedade, que para isso
requisita canais adicionais que a vocalizem.
Esse é o jogo, cujo
segundo tempo começa agora. Como diz Lula, não é o tipo do jogo que se ganha em
gabinetes. Mãos à obra. E pés nas ruas.
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