Por Miguel do Rosário, no Blog o
Cafezinho
Quanto à nova equipe econômica, Rabelo lembrou que é uma equipe, não um
nome, e que é plural. A presidenta, explicou, precisa construir pactos ainda
mais difíceis do aqueles fechados por Lula, até porque os avanços que serão
buscados também são mais difíceis e mais complexos.
Nesta
sexta-feira, estive na sede estadual do Partido Comunista do Brasil, para uma
entrevista com o presidente do partido, Renato Rabelo.
Rabelo é um
homem sereno, de 72 anos, com leve sotaque nordestino (é baiano).
Na entrevista,
ele falou da conjuntura política em que vivemos.
Advertiu
simultaneamente o governo e a base social: é preciso construir uma relação de
confiança mútua.
Rabelo admitiu
que a presidente e seu governo foram colocados na defensiva, logo após as
eleições. É preciso, disse ele, fazer a contra-ofensiva, e para isso Dilma tem
de contar com a sua base social, que a elegeu.
A operação
Lava Jato, por exemplo, segundo Rabelo, foi convertida numa ação política
contra o governo, na medida em que vazamentos ilegais são permitidos, sempre
para prejudicar a base aliada.
Riu quando lhe
falei do editorial do Globo: “Dilma está no caminho certo”, elogiando a nova
equipe econômica, e apontou isso como exemplo da tática da mídia, de confundir
e criar atritos no seio da base.
É o que a
mídia sempre fez, disse.
Quanto à nova
equipe econômica, Rabelo lembrou que é uma equipe, não um nome, e que é plural.
A presidenta, explicou, precisa construir pactos ainda mais difíceis do aqueles
fechados por Lula, até porque os avanços que serão buscados também são mais
difíceis e mais complexos.
Advertiu que a
presidenta precisa, de fato, falar mais, aproveitando os eventos de que
participa para transmitir seus recados políticos.
Lembrou ainda
que o principal mensagem política da presidenta deverá ser dada em seu discurso
no Congresso Nacional, a ser feito após a sua posse, em janeiro.
O comunista
observou que não se pode subestimar a força do mercado, num país e num mundo
capitalistas. As experiências políticas avançadas sempre esbarram nessa dificuldade,
a economia, que precisa crescer e ter a confiança dos agentes econômicos. É
neste sentido que Rabelo entende a escolha da presidenta. Ela precisa
estabelecer pactos, inclusive com o mercado, para poder governar.
Os rumos de
governo e as prioridades serão dados por Dilma, não pelo ministro da Fazenda,
lembra Rabelo, ou pelo menos ainda não há motivo para duvidar disso.
Rabelo deixou
claro que a presidenta conta com a sua confiança, até porque, segundo ele,
seria estupidez não apoiá-la antes que ela desse os primeiros passos.
É preciso ver
o que vai acontecer, a vida vai dizer, explicou Rabelo.
Ele defendeu
as experiências bolivarianas na América Latina como um processo de
aprofundamento democrático, nascido após as crises sociais provocadas pelo
neoliberalismo que dominou o continente nos anos 90.
Mas enfatizou
que a realidade econômica e política do Brasil é muito diferente de qualquer
outro país latino-americano, sobretudo da Venezuela. É mentira e estupidez
achar que as fórmulas aplicadas aqui copiarão o modelo venezuelano.
Rabelo lembrou
que o aparato do Estado brasileiro ainda é fortemente conservador, no
Judiciário, no Ministério Público e na própria Polícia Federal.
Também
conversamos sobre a democratização da mídia.
Rabelo disse
que espera que Dilma mantenha o compromisso, assumido na campanha, de propor
uma regulação econômica do setor, dominado por monopólios e oligopólios.
Confira os
principais trechos da entrevista abaixo.
*
Entrevista
exclusiva com Renato Rabelo, presidente do PCdoB.
Rabelo: A
oposição, ela continuou achando que se deveria prosseguir a eleição num
terceiro turno. Porque a diferença foi pouca, no resultado eleitoral. Eles
cresceram. Então eles se apoiam nisso. Como se diz: a derrota subiu à cabeça.
Eles
continuaram achando que seriam os vencedores. O Fernando Henrique disse, dois
dias atrás: “há um sentimento – mas este é um sentimento dele, da oposição – de
que a Dilma é uma presidenta eleita, que não tem legitimidade. Imagina! Ela
ganhou as eleições mas não tem legitimidade?
Você vê a
atitude hostil e arrogante que eles têm. Então eles começaram a trabalhar,
primeiro, para impedir que a presidenta comece a montar o seu governo, e
governe, tentar criar uma série de obstáculos. Judicializar tudo. Qualquer
medida do governo, eles começam a judicializar. Criando um ambiente favorável
de até exigir o impeachment dela. Utilizando meios puramente golpistas,
ostensivamente golpistas.
E tem um outro
fator, que é essa operação Lava Jato. Ninguém sabe qual será o resultado disso.
Aliás, o que sai até agora é sempre contra a nossa base. Contra a presidenta da
república. Tudo de interesse deles. Portanto, é um “parti pris” terrível,
porque você tem um tipo de processo que requer sigilo, e este sigilo não é
respeitado. E vem à tôna apenas aquilo que é de interesse deles.
Este é um
aspecto, portanto, que é importante a gente considerar, porque eles querem
botar a presidenta, e todos aqueles que a apoiaram, na defensiva. Então é
preciso, na fase atual, a gente retomar a ofensiva. Precisa de uma
contra-ofensiva.
Se conseguimos
uma ofensiva no segundo turno, porque juntamos um máximo de forças, é preciso
retomar essa contra-ofensiva, senão ficaremos sempre na defensiva.
Só que, para
esta contra-ofensiva, é necessário haver um relacionamento e uma confiança
mútua, entre a presidenta da república e essa base social que a apoiou. E a
base social também ter confiança na presidenta da república!
Não é
possível, num começo do governo, em que a presidenta da república sofre uma
grande investida, um ataque raivoso da oposição, que a gente não procure criar
essa relação de confiança entre a base política e social que apoiou a
presidenta e ela em relação a essa base. Isso é fundamental para que a gente
retomar a ofensiva. Esse é um problema que nós consideramos importante hoje.
Qual é mesmo a
grande questão para a presidenta da república? Ela tem dois desafios imediatos.
Todo mundo diz isso. Já há um senso comum. Quais são? Primeiro, recompor a sua
base política. Eu quero saber qual é o presidente que governa sem ter uma base
política mínima, que possa apoiá-la. E uma base política que dê maioria a ela.
Senão ela fica paralisada.
E a segunda
questão, que está relacionado a isso, apesar de ter sua dinâmica própria, é
como enfrentar o problema no terreno econômico. Porque nós temos dificuldades
econômicas. São reais as dificuldades econômicas, reflexo de uma situação
mundial. Há uma crise sistêmica, não saímos dela ainda. Estamos caminhando aí
para oito anos de crise. Isso se reflete no mundo todo. E ainda temos os
problemas próprios do Brasil. Então você tem uma realidade econômica, que
precisa o que, qual o centro da questão? Retomar o crescimento do país.
Retomar o
crescimento do país é fundamental, senão nós vamos entrar numa semi-paralisia,
ou numa semi-estagnação da economia. Este é o segundo grande desafio, que ela
tem de enfrentar, como presidenta da república. Para todos os brasileiros.
Porque ela governa para todos, não é para uma facção, não é para um setor.
Esses dois
desafios requerem aquilo que eu falei dessa relação mútua de confiança. Na
questão da economia, onde é preciso dar alguma resposta imediata, o que
acontece? Não só a oposição está em cima, procurando exatamente impedir,
constranger, dificultar, etc, etc, como a nossa base começa a ver divisões.
Então aí, em
vez de você criar as condições para uma contra-ofensiva, você a dificulta.
Qual é a
posição que nós defendemos? Que numa hora como essa nós temos que apoiar a presidenta
Dilma. Partindo da ideia que nós confiamos nos compromissos que ela expôs à
nação, durante a campanha. Ela foi eleita, em grande parte, em função desses
compromissos. Nós confiamos que ela vai manter os compromissos, e vai
desenvolver e aplicar esses compromissos. Partimos dessa visão. Porque se não
for assim, eu já desacredito da presidenta no primeiro momento! No primeiro
passo que ela dá eu tô desconfiando dela?
Essa é a
compreensão nossa, do PC do B, evidentemente. A gente entende que esse primeiro
passo é importante para ir adiante, e conseguir fazer com que esses
compromissos sejam aplicados nesse novo governo. E alcançar questões como as
reformas estruturais, etc, etc, que é o que defendemos, e o que ela defende
também. Resumidamente, ela (a presidenta) dizia o seguinte: é preciso mudanças
e reforma. A síntese dela era essa. Então você tem que chegar a isso e abrir
esse caminho. É assim que nós vemos, em geral. Esse é o problema chave hoje da
conjuntura.
Cafezinho:
Renato, eu concordo com você. Agora, você não acha que essa questão da
presidenta conquistar a confiança da sua base social, ela passa pela
comunicação. Você está falando, explicando uma conjuntura, nem todo mundo tem a
oportunidade de ouvir uma explicação assim, de um quadro. O que gostaríamos de
saber é porque a presidenta, e talvez você tenha alguma informação… qual o
receio dela em relação a sua base social. Agora, por exemplo, o Globo está
fazendo uma campanha muito forte contra a base social, contra a militância,
dizendo que a base é radical, que é contra o ministro da economia, é contra a
Katia Abreu. O editorial do Globo é assim: Dilma no caminho certo. A gente que
está no “chão da fábrica”, para usar uma metáfora, acompanhando, a gente
observa que uma base social muito forte, que ela tinha conquistado no segundo
turno, quando a polarização forte fez com que alguns campos meio perdidos da
própria esquerda, que andavam afastados, se agregaram com muita força em prol
do projeto. A gente vinha falando que seria uma oportunidade grande para a
presidenta manter essas forças agregadas, para fazer a base dela, a gente vê
essas forças se dispersando novamente, e a presidenta se isolando. E não há um
processo para conquistá-las politicamente. Porque você pode explicar às
pessoas, essas coisas. Eu queria saber a sua opinião: porque o governo se cala?
Qual o medo dele?
Renato: Bom,
primeiro o seguinte. A presidenta tem insistido que ela vai manter o diálogo.
Isso ontem, num encontro do qual ela participou, de economia solidária, etc,
ela insistiu nisso. Manter o diálogo, um diálogo construtivo e contínuo.
Cafezinho: Bom
sinal…
Renato: Foi
exatamente a posição dela. A presidenta da república tem de, nesses eventos,
começar a falar. É assim que o Lula fazia. Aproveitava eventos, manifestações, e
dava o recado. É isso que ela tem de começar a fazer. Por exemplo, antes desse
encontro com essas pessoas, para tratar da questão da economia solidária, ela
encontrou com uma parte grande daqueles que a apoiaram no segundo turno.
Estavam presentes Leonardo Boff, Frei Beto, e outros.
Ela explicou
para eles. Aliás os chamou para isso. Acho que até o Lula estava presente.
Várias outras pessoas também. Grupos vinculados a eles. Eles deram entrevista
depois: “ela se comprometeu e os compromissos serão aplicados”. Isso o Boff,
falando, como porta voz. Olha aí: ela já começa a agir.
A presidenta
ainda nem deu seus primeiros passos. Talvez ela esteja esperando o momento de,
quando assumir o governo, aí sim, assumir as sua diretrizes, seus pontos de
vista. Geralmente há aquele pronunciamento no Congresso Nacional. É o momento
da mensagem política dela para o segundo governo.
Eu tô
colocando isso para mostrar que é assim que as coisas são feitas.
Quanto à
grande mídia, é sempre oposição a ela. A grande mídia não está aí para ajudar,
e sim para criar contradições entre nós. Começa a dizer: “mudou a política
econômica! Está num bom caminho!” [Risos] É a forma deles darem a interpretação
deles, para ver se cria um atrito do lado de cá, na base da presidenta, etc.
E cada um faz
a sua interpretação. Mas ela também vai falar sobre isso. Essa é a grande mídia
que temos. Agora, nesse terreno, que é um compromisso dela, e o que nem Lula
tinha feito, que é exatamente um compromisso relativo à democratização dos
meios de comunicação.
Qual é a
questão que ela fala? O problema não é o conteúdo. Eu não vou censurar nada,
etc. Não tô de acordo com isso. Mas é preciso uma regulação econômica, porque o
centro da mídia brasileira é feito na base de monopólio e oligopólio. Essa é a
questão central. Aliás, na Argentina, para mudar exatamente o sistema
monopolista da mídia de lá, isso levou oito anos, e a questão central era essa!
Oito anos! Recorreram ao tribunal superior deles lá, etc. Então Dilma já deu
esse passo, e algumas medidas anteriores, que não precisa passar pelo congresso
nem nada. Que é uma questão que depende só dela, está na mão dela, que são os
recursos de propaganda que, em grande parte, vão para a grande mídia.
Veja e Época,
ela já suspendeu, ou não renovou nenhum contrato para essas duas revistas. Já é
uma medida concreta. Na questão dos jornais, eles também tem um recurso
polpudo. Mas hoje, se você for ver, a internet tem um acesso maior que o acesso
aos jornais. Ela pode se apoiar nisso e diminuir esses recursos para os jornais,
e aumentar os recursos para a mídia alternativa e a internet, de maneira geral.
Tudo isso pode
ser feito sem passar pelo congresso, e ela parece disposta a fazer isso.
O centro da
questão seria a regulação econômica desse sistema midiático brasileiro, que é
baseado em monopólio.
Então isso é
um processo. Ela se comprometeu. Em resumo, o que você levanta, é
fundamental.Se não temos um grande grupo de mídia, que pelo menos seja
independente, é muito difícil você chegar, nessas horas, ao povo, e haver uma
manifestação favorável ao que a presidenta está fazendo. Então cria essa
defasagem que você fala. E não é um problema apenas de um setor, mas de muitos
setores, que ficam com dúvida. Que se apegam muito a um nome. Parece que o
problema é o nome que foi indicado. No caso aqui dois. No caso da agricultura,
com Katia Abreu, ainda é conjectura. Na economia, já foi definido, que é o
Levy. Ora, é em torno desse nome que se discorre toda uma conclusão. É uma
equipe que ela escolheu! Primeiro não é um nome. É uma equipe. Na equipe, há
pluralidade. Para governar o Brasil, em nossas condições, tem de haver um
ministério plural, na minha opinião. Ela vai governar para os brasileiros. Não
é para uma facção. Não é para um setor determinado. Então tem que ser um ministério
plural!
Esse setor da
economia, é plural. Os três não representam tendências iguais. O que ela quer
com isso. Evidentemente ela quer levar em conta as diversas tendências que
existem e se refletem hoje na sociedade. Além do mais, a representatividade que
essas pessoas teriam para o chamado mercado. A realidade do mercado existe. O
que prevalece no Brasil é o capitalismo. Aliás, não é o que prevalece. É o
capitalismo. O que é que a gente tem de fazer, se a gente quer avançar, ter um
projeto avançado, que a gente consiga objetivos que, nos marcos do próprio
capitalismo, são difíceis. O que você tem de fazer? Pactos. Não fizemos uma
revolução. Então temos que fazer pactos. Esses pactos é que fazem com que a
gente avance. O que aconteceu nesses 12 anos? Houve pactos. Consciente ou
inconscientemente, de maneira formal ou implícita, ou tácita, houve pactos,
senão como chegaríamos onde chegamos? Daqui para a frente, se requer pactos
mais difíceis, porque temos de avançar mais. Para essas reformas, por exemplo.
Por que? A
economia é capitalista. Os cordeis dessa economia, ainda não os temos nas mãos.
Pelo contrário. Hoje o sistema financeiro é globalizado. Qual o grande problema
das experiências avançadas, no mundo inteiro? É a economia. Porque é
capitalista. Veja o problema da Venezuela. Uma revolução democrática, a passos
gigantescos. O que é exatamente o grande obstáculo hoje na Venezuela. Sem falar
de outros problemas, mas o principal? A economia!
E é por aí que
eles voltam!
Cafezinho: Que
a direita volta…
Então por aí
você tem que ver que tipo de pacto você vai fazer. Senão não avança. Por isso é
necessário uma equipe plural, só que ela [a presidenta] tem que ter a condução
disso. E qual é a condução dela? Levando em conta essa equipe. Tem que
enquadrar a equipe em função do rumo que ela pretende. E da prioridade que ela
quer de governo. Aí sim!
A prioridade
do governo quem vai decidir é Levy? Seria uma estupidez pensar dessa maneira!
Aliás, a
própria Dilma já mostrou na prática, que ela tem uma grande personalidade de
convicção.
Até isso ela
já mostrou. Por isso que a minha relação é de confiança. Então, entrando nessa
questão, o rumo é o seguinte: retomar o crescimento da economia, e continuar a
redistribuição de renda e a inclusão social. É isso que os pactos têm de
garantir, senão a gente não avança. Senão vai ser a mesma coisa: resgata o
capital financeiro, eles sempre ganham primeiro. E a maioria, sempre fica de
fora, que é como acontece hoje na Europa, que é o exemplo mais destacado. A tal
austeridade é resgatar primeiro o capital financeiro e, se der, mais adiante, o
povo. Por isso tem muito desemprego, perda de direitos, etc.
Aqui não! Ela
[a presidenta] está tentando combinar que se mantenha o emprego e a renda do
trabalho. E mantém essa continuidade da redistribuição de renda. O investimento
per capital social, etc.
Essa é a
mensagem do governo. A retomada do crescimento econômico para continuar
investindo no social. É isso em resumo.
Se é esse o
rumo dela, a equipe vai trabalhar em função desse rumo. A não ser que ela abra
a mão do rumo e diga: ah, não, são vocês que vão agora definir o rumo do
governo. É uma insensatez pensar dessa maneira. E a vida vai dizer, é claro. De
nossa parte, nós temos que, exatamente, manter essa relação de confiança e,
sendo necessário, se a presidenta, mais adiante, ou se ela não conseguir dar
conta do compromisso assumido, aí evidentemente temos que entrar em ação. Isso
é um processo. Isso não acontece da noite para o dia. Você vai vendo. A vida
vai demonstrar isso.
Cafezinho: Só
mais uma questão, sobre o debate ideológico propriamente dito, que também ficou
muito marcado nessa eleição. Foi uma eleição bastante marcada pelos conceitos
de esquerda e direita, e você teve uma certa gritaria, uma acusação de que a
Dilma seria bolivariana, e que o governo brasileiro seria bolivariano. O que
você tem a dizer, aos leitores conservadores, que tem medo que o Brasil se
torne uma “república bolivariana”?
Renato:
Primeiro, o seguinte. A América Latina, em geral, sobretudo a América do Sul,
de quinze anos para cá, vive uma nova situação política. Aliás, uma situação
que nunca ela viveu. Ou seja, são países que, em resposta ao neoliberalismo da
década de 90, passou a responder a isso com eleição de presidentes, eleitos por
forças progressistas, democráticas, e até anti-imperialistas. Governos com
soberania, independência, que puderam realizar uma revolução democrática nesses
países. O exemplo maior disso, que foi o primeiro, que já vai uns 15 anos, é a
Venezuela. Todo o projeto ficou conhecido como o projeto bolivariano, porque é
um resgate histórico de Bolívar, que foi um grande patrono da independência da
América Latina. Ora, o que se quer dizer com isso. Que bolivarismo ficou como
sinônimo de esquerda. Na época anterior seria comunismo, hoje é bolivarianismo.
As forças conservadoras sempre aproveitam tudo que significa avanço
democrático, avanço soberano, avanço em termos de progresso social, para ela
amarrar. Antes era o comunismo, que tinha esse papel, sobretudo com a divisão
do mundo entre o capitalismo e o socialismo. Toda a fase da guerra fria depois
da II Guerra Mundial. Agora não. A realidade é outra. Na América Latina, com
esses avanços, a marca maior foi Venezuela, e foi uma revolução de fato que foi
feita na Venezuela, que é sinônimo de esquerda, de comunismo, de tudo aquilo
que eles são, ideologicamente, contra. É o que expressa para ele isso. Agora,
isso é outra questão, dizer que a experiência da Venezuela é a mesma
experiência que a Dilma ou o Lula vão aplicar no Brasil, seria outra estupidez.
Tem nada a ver! É outra questão. No sentido de ser esquerda, sim, é por isso
que eles procuram um sinal de igualdade. Agora, enquanto experiência, não tem
nada a ver com Venezuela. Primeiro porque a realidade brasileira é muito mais
complexa do ponto-de-vista econômico. A economia venezuelana é baseada no
petróleo, e não conseguiu resolver ainda, de forma profunda, essa questão.
Então a economia é muito mais simples. A economia do Brasil é uma economia de
porte médio, complexa, com uma indústria que evidentemente terá de ser
retomada, mas uma indústria bastante diversificada. Uma agro-indústria também
bastante diversificada e de alta tecnologia. E serviços, que é outra área
importante, que se desenvolveu muito, compatível com a economia atual mais
moderna. Ora, é uma economia muito mais complicada. Como iríamos seguir o
exemplo da Venezuela, que é muito mais simples? Atrasada, relativamente, bem
mais atrasada.
A gente poderia
fazer uma comparação com a Argentina, em termos de economia mais complexa, mas
a economia da Argentina passa também por muita dificuldade por isso. Porque há
um freio e uma barreira capitalista muito grande, tentando submeter o governo
argentino, que também entrou nessa linha, de maior independência, maior
soberania.
Qual é a
situação hoje na Argentina. É esse esforço para enfrentar essa tentativa de
subjugá-los. Então o bolivarianismo tem essas duas questões. Eles confundem que
vamos copiar a experiência da Venezuela, o que é uma mentira, uma estupidez.
Quanto ao problema de ser uma linha de esquerda, avançada, eles tem razão. Por
isso que eles se intimidam com isso. Porque é uma experiência avançada mesmo. A
Venezuela sempre foi um país dependente, submetido…
Cafezinho:
Pois é, mas eles tentam passar a imagem de que o bolivarianismo implica no
controle do judiciário, da imprensa, do legislativo, das instituições
democráticas em geral, que seriam abolidas, na prática. Como se o governo
bolivariano passasse a dominar tudo.
Renato: É, mas
isso aí, se você for por esse lado, nem a Venezuela é isso. Segundo, aqui no
Brasil, estamos distantes disso. Pelo contrário. O aparato de Estado, aqui no
Brasil, ainda é um aparato extremamente conservador. Ou seja, o que é hoje boa
parte da Justiça? Conservadora. Boa parte do Ministério Público. Conservador.
Boa parte da Polícia Federal. Conservadora. Atende mais os interesses de uma
ideologia conservadora, do que uma ideologia transformadora. Nada disso do que
eles estão dizendo é verdade. Estamos longe disso aqui. Por isso que esse
aparato se volta contra o próprio presidente da república. Onde é que você já
viu isso?
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