Parcialmente incomunicável
Luciano Siqueira
Eis que de repente percebo que o meu iPhone pifou. Irremediavelmente, me parece - a mim que nada entendo dessas geringonças, mas ouvi falar que o dito aparelho não aceita consertos, há de ser substituído por outro igual ou de nova geração (arre!) quando algum defeito acusa.
E agora? - me pergunto nesta manhã de domingo em que, como de costume, muitas mensagens receberei e, não as respondendo, serei tomado por indiferente por tantos amigos e amigas! Nada a fazer, apenas permitir que o dia siga como antigamente, muito antigamente mesmo, em que a gente recorria à escrita e aos Correios para uma palavra de alento, queixa, esperança, solidariedade, afeto...
E se o prefeito me ligar, e se um secretário me ligar, e se um assessor me ligar, e se alguém necessitado de ajuda me ligar?... Melhor imaginar que todos se dedicam aos preparativos dos festejos natalinos, envolvidos com a escolha de presentes e quetais. Ninguém precisará de mim, que também sou filho de Deus e tenho cá minhas obrigações familiares e pessoais, em clima de fim de ano...
Mas o fato inesperado - o telefone pifou - me deixa meio que perdido nesse mundo conectado ciberneticamente. Terei pelos menos quarenta e oito horas, suponho, para restabelecer minha comunicação com os viventes que comigo compartilham essa gigantesca terapia de grupo que é a troca diária e ininterrupta de mensagens diversas, de viva voz ou pela linguagem simples das palavras escritas, ou melhor, digitadas.
Também me sinto privado do exercício quase compulsivo de fotografar o que vejo: gente, rua, coisas, animais, contrastes, leveza, espanto, alumbramento, crueza, simplicidade... tudo o que vida nos mostra a todos os que se fazem minimamente sensíveis à realidade (ou à fantasia) que nos cerca cotidianamente.
Não, gente amiga, não estou aqui a derramar lágrimas de dependente irrecuperável do uso constante do celular. Não é bem isso. Uso-o, sim, mas com a mesma naturalidade que passei a usar, com a agradável sensação de beneficiário da inovação tecnológica, a máquina de escrever elétrica, em seguida o computador de mesa, depois o laptop, o tablet... Desde que o homem descobriu o fogo, a Humanidade caminha sob o impacto da inovação e assim sempre será. A relação do Homem com a Natureza tem produzido, para o bem e para o mal (a depender das intenções e do uso) meios de facilitar a vida - inclusive tornando mais ágil a comunicação entre as pessoas, a locomoção e assim por diante. Nenhum preconceito me dificulta os passos, igualmente nenhum apego vicioso me faz escravo: acolho tudo o que me permite encurtar o tempo e ampliar o conhecimento e a exploração do mundo ao redor com entusiasmo. Mas sem dependência.
O fato é que enfim, tendo registrado aqui para meus certamente poucos leitores semanais a agrura de quem se priva de um mil vez vezes útil iPhone, cá vou cuidar das coisas boas do domingo experimentando o gosto quase esquecido da relativa incomunicabilidade eletrônica. Que assim seja.
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