A importância do Pré-Sal na geopolítica do petróleo
Diogo Santos, no portal da
Fundação Maurício Grabois
O Brasil vive um período de
repactuação entre o capital público e as frações capital privado em relação aos
seus diferentes papéis no próximo ciclo de crescimento da economia brasileira.
Garantir a indispensável participação do capital público é tarefa que deve
unificar todos os setores avançados da nação. A unidade se torna imprescindível
quando do outro lado estão interesses sensíveis do Imperialismo, como é o caso
do petróleo na camada pré-sal.
Ignácio Rangel,
ilustre pensador brasileiro e certamente o mais original entre nossos grandes
economistas, escreveu que o setor público e o setor privado devem repactuar
suas respectivas participações na economia sempre que as oportunidades de
investimentos de um ciclo econômico estão se esgotando[1]. Nas superiores
palavras de Rangel:
“Quer isso
dizer que a lua-de-mel entre o setor privado e o setor público da economia dura
enquanto, por um lado, o empresariado capitalista considera suficientes as
oportunidades de investimentos que lhe são abertas e enquanto as
responsabilidades deixadas ao Estado não exigem dele que tente aumentar
demasiado sua participação no dividendo nacional. Periodicamente, esse
equilíbrio se rompe, tornando necessária uma redistribuição de funções, e essa
ruptura de equilíbrio se manifesta por uma série de perturbações – notadamente,
ao longo do processo de industrialização, o recrudescimento do processo
inflacionário, o qual supõe (...) precisamente o esgotamento das oportunidades
de investimento para o empresariado capitalista.”(RANGEL, 1978, p. 665).
No Brasil,
vivemos este período nos anos recentes. A campanha eleitoral catalisou a
disputa em torno da decisão de quem dará as cartas na próxima rodada de
crescimento econômico. Após o segundo turno, a definição da equipe econômica do
próximo governo Dilma foi o capítulo mais aguardado, pois sua composição
sinalizaria qual pacto o governo pretende fazer com as frações financeira e
produtiva do capital.
A realização
dos contratos de investimentos no setor de logística foi um momento importante
desta repactuação entre o capital público e o privado. A adoção do modelo de
concessão reforça a presença de um Estado menos subserviente às imposições do
capital privado. Do outro lado da corda, as empresas pressionaram para aumentar
o retorno mínimo dos contratos. O tempo gasto além do esperado para
destravá-los releva certamente as inescapáveis rodadas de pressão de ambos os
lados.
O capítulo
mais importante, entretanto, da definição de papéis entre o público e o privado
se deu em torno do modelo exploração do pré-sal. O regime de partilha é uma
grande conquista para uma nação cuja soberania ainda está em construção. Não
por acaso, ainda hoje encontramos os porta-vozes locais de interesses
estrangeiros defendendo o retorno ao modelo anterior, no fundo, por discordarem
do pacto proposto pelo Estado brasileiro.
Poucos temas
estão tão imbricados com os interesses das potências hegemônicas do Capitalismo
como o controle sobre a produção mundial do petróleo. A relevância do pré-sal
para as petroleiras tradicionais deriva de sua magnitude, mas é reforçado pelos
movimentos realizados no setor de energia, desde o inicio dos anos 2000, por
dois grandes países em desenvolvimento: Rússia e China.
A Rússia viveu
durante a década de 1990 a formação de uma plutocracia durante governo
anti-nacional de Yeltin, patrocinada pelo Estado, que levou a graves prejuízos
para a indústria do petróleo russa. O conluio entre governo e banqueiros fatiou
e distribuiu as recém-criadas empresas para privatização. Um dos mecanismos
utilizados foram os empréstimos tomados pelo governo que tinham como garantias
as ações das empresas ainda não privatizadas. Caso o governo não pagasse o
empréstimo o banco colocava as ações em leilão. O governo não pagava, os
leilões eram de fachada e os bancos se tornavam proprietários das ações. A
empresa Yukos, por exemplo, foi adquirida por US$ 390 milhões, avaliada em
seguida com o valor de US$ 15 bilhões. Uma das consequências deste verdadeiro
saque ao patrimônio do povo russo foi que em 1996, a produção de petróleo foi
de apenas 60% do valor recorde do ano de 1987[2].
A partir do
primeiro governo Putin, a Rússia percorreu um caminho de retomada do controle
público sobre o estratégico setor de petróleo e gás como parte da retomada de
um projeto de desenvolvimento nacional. O governo alterou o regime de
tributação e conseguiu aumentar as receitas oriundas do setor; o BC russo
adotou mecanismos para que grande parte das receitas das empresas permanecesse
na Rússia; e a estatal do petróleo, a Rosneft, e a estatal do gás, a Gazprom,
passaram adquirir participação acionária e ativos das empresas vistas como
estratégicas ou desconectadas dos interesses nacionais. Em poucos anos, a
produção de petróleo voltou a crescer vigorosamente.
O controle
soberano da Rússia sobre a economia do petróleo e gás retira a capacidade das
tradicionais petroleiras ocidentais, ancoradas nos respectivos Estados, de
dominarem uma das maiores reservas do mundo. As reservas de outros países, consequentemente,
se tornam ainda mais relevantes. Ao mesmo tempo, a determinada política russa
de ampliação da produção e exportação de petróleo amplia a concorrência pelos
mercados consumidores.
A Rússia,
todavia, ainda não se libertou da enorme dependência que sua economia possui do
setor do petróleo, o que a torna vulnerável às pressões externas. E aqui é
preciso fazer alguns comentários sobre a atual crise no preço do petróleo e
seus impactos sobre a Rússia, mesmo que temporariamente nos afastemos do intento
principal deste texto.
De junho até
dezembro deste ano o preço do barril do petróleo caiu 45%, chegando a estar
abaixo dos US$60, menor valor desde 2009. A persistente crise economia mundial
ainda vivida em todas as partes do mundo e a extração do petróleo de xisto dos
EUA contribuíram para a oferta de petróleo exceder a demanda e assim derrubar o
preço. Entretanto, a decisão da OPEP, que comercializa cerca de 40% do petróleo
vendido no mundo, de manter o volume de produção em um nível sabidamente muito
acima da capacidade de consumo mundial foi o fator mais desestabilizador do
preço da commodity.
Ao que parece,
esta postura da OPEP – da Arábia Saudita em especial, pois outros membros como
a Venezuela propuseram a redução da oferta para evitar o derretimento do preço
– é uma tática de concorrência por meio de preço predatório.A Arábia Saudita é
responsável por mais de 30% do total produzido pela OPEP e possui o menor custo
de produção de petróleo do mundo, o que lhe dá um grande poder de suportar
preços baixos. Com o preço do barril acima de 70 dólares, muitos projetos de
exploração de alto custo passariam a ser viáveis, o que ampliaria a
concorrência. O banco Goldman Sachs avalia que muitos campos que estão na
iminência de serem explorados se tornam inviáveis com os níveis atuais do preço
do petróleo. As consequências serão atrasos de investimentos, necessidade de
redução de custos, vendas de ativos e desvalorização das empresas que operam em
campos que possuem custos elevados. A disposição da OPEP de não intervir na
queda do preço e deixar entender que permitirá uma queda ainda maior, manifesta
esta tática de concorrência predatória[3].
A Rússia que
até então vinha enfrentando razoavelmente o impacto das sanções econômicas
impostas pelos EUA e UE, tomou um grande golpe com a queda do preço do petróleo
nos últimos meses. A fuga de capitais decorrente das sanções se intensificaram
com a queda do preço. Em novembro o BC, que já vinha aumentando a taxa básica
de juros, passou adotar o regime de câmbio flutuante. Somente no dia 15 de
dezembro, a moeda russa perdeu 10% de valor frente ao dólar. No dia 16, o BC
decidiu elevar a taxa de juros de 10,5% para 17%, em uma forte medida de tentar
estancar o processo de desvalorização do rublo.
A
desvalorização da moeda na intensidade que ocorreu pressionará para cima a taxa
de inflação, diminuirá em grande medida a arrecadação do Estado com as receitas
do setor do petróleo provocando um inevitável corte de gastos, desvalorizará as
empresas com grande volume de dívidas denominadas em dólar, o que poderá levar
a mais fuga de capitais e mais pressão sobre a taxa de câmbio. O aumento da
taxa de juros, por sua vez, reforça um horizonte de recessão no próximo ano. No
momento em que a Rússia enfrenta seu maior embate geopolítico em anos, o
governo russo terá que lidar com repercussões negativas da grande
desvalorização do rublo. Impossível não pensar na provável articulação entre
Arábia Saudita e as potências ocidentais para derrubar o preço do petróleo e
estrangular a Rússia.
Voltando ao
curso principal do texto, falemos do segundo país que também tem desempenhado
um importante papel na última década com repercussões sobre a geopolítica do
petróleo.
A China vem
adotando uma política decidida de construir sua segurança energética e ter a
garantia de que seu processo de desenvolvimento não será bloqueado por escassez
de petróleo. O país asiático já é o maior consumidor de energia do mundo,
respondendo por 19% da demanda mundial e estudos tem apontado que se tornará o
maior importador de petróleo nos próximos anos. Atualmente a China importa 59%
de sua demanda de petróleo e derivados.
Ciente de que
não pode se tornar dependente dos países produtores de petróleo do Oriente
Médio, devido à instabilidade interna destes países e sintonia com a política
norte-americana, a China realiza grandes investimentos em várias partes do
mundo. Turcomenistão, Cazaquistão, Uzbequistão, Egito, Equador, Venezuela,
Canadá, Quênia e Uganda são países que possuem participação chinesa na
exploração de petróleo de alguma maneira, seja via estatais chinesas,
joinventures ou participações em empresas locais ou estrangeiras.
Entre todos
estes investimentos, destacam-se os feitos na África. A China tem feito
investimentos em diversos setores naquele continente como em infraestrutura
logística, construção de hospitais e escolas. Tem firmado parcerias de
intercâmbio entre universidades chinesas e africanas, fornecido equipamentos
militares e realizado perdão de dívidas de governos. Desde 2009, a China é o
principal parceiro comercial da África.
Esta forte e
crescente presença da China na África já despertou o receio das grandes
potencias ocidentais que acusam a China de pretender colonizar a África. Na
realidade, a China tem disponibilizado os recursos aos países africanos que
sempre foram negados pelas instituições controladas pelos EUA como o Banco
Mundial e o FMI. Ademais, a China não impõe aos países africanos as exigências
que acompanham os pacotes de empréstimos destes órgãos. Sem desconsiderar as
precauções que os países africanos devem tomar para aproveitar a presença
chinesa para seu desenvolvimento, a desfaçatez desta crítica feita pelo
ocidente à China através da Imprensa alinhada, Secretários de Relações
Exteriores dos diversos países e representantes na África, desnuda a situação
de uma civilização que tem ficado com cada vez menos alternativas para
enfrentar o potente modelo econômico construído na China desde a Revolução
liderada pelo Partido Comunista[4]. Todas estas décadas de benevolência do
Ocidente com a África, só lhe rendeu mazelas sociais e fotografias de alguma
estrela de Hollywood com suas crianças.
No setor do
petróleo, a presença chinesa na África é solidamente crescente. O Sudão é
atualmente o terceiro maior produtor de petróleo da África devido ao volume de
investimentos feitos pela China através das estatais CNPC e Sinopec. O país
produzia em 2000, 174 mil barris de petróleo por dia e passou a produzir em
2010, 486 mil. A China é a maior fonte de investimento direto externo do país
[5]. Na Nigéria e Angola, o primeiro e o segundo maiores produtores de petróleo
da África respectivamente, a hegemonia das petroleiras Shell, ExxonMobil,
ChevronTexaco, Total e BP foi quebrada pela gigante chinesa, CNOOC. Para se ter
dimensão da presença da China na Angola, basta dizer que este país disputa com
a Arábia Saudita a posição de principal origem das importações chinesas de
petróleo. A CNOOC também atua na Guiné Equatorial que saltou sua produção de 91
mil para 274 mil b/d entre 2000 e 2010[6].
O poder das estatais
do petróleo chinesas é reforçado por estarem inseridas na estratégia nacional
de desenvolvimento de seu país. Por um lado, podem ter um comportamento mais
ousado, uma vez que não necessitam ser lucrativas isoladamente, o que lhes dá
grande vantagem sobre as concorrentes privadas. Por outro lado, o governo
chinês quando necessário reforça as ofertas feitas pelas empresas nas
licitações de licenças de exploração petróleo por meio da disponibilização de
empréstimos nos bancos de desenvolvimento chineses aos países possuidores das
reservas petrolíferas.
No Brasil a
presença chinesa não se restringe na participação da CNPC e da CNOOC no
consórcio que venceu o leilão do campo de libra. Em 2005, a Sinopec participou
da construção de um gasoduto entre o sudeste e nordeste brasileiros. Em 2009,
assinou um importante contrato com a Petrobras, possibilitando que esta
obtivesse um empréstimo de 10 bilhões de dólares no Banco de desenvolvimento da
China. Em 2010, após a descoberta do pré-sal, a Sinopec e a Sinochem passaram a
adquirir ativos de outras empresas estrangeiras que atuam no Brasil [7].
O cenário da
ação chinesa no setor de petróleo traz a inescapável consequência de ampliar a
concorrência e impor novos condicionantes à política adotada pelas petroleiras
ocidentais tradicionais, além derestringir a participação destas empresas no
maior mercado consumidor de petróleo do próximo período. Para as petroleiras
ocidentais é imperativo que disputem com a China o direito de exploração das
novas áreas. No Pré-sal, os chineses saíram na frente.
O contexto de
maior competição mundial na indústria do petróleo faz do pré-sal uma reserva
muito valiosa. O acirramento da concorrência intercapitalista impõe aos
capitais individuais a necessidade de intensificarem a acumulação, o que torna
as áreas abertas para valorização do capital cada vez mais disputadas.
A campanha
contra a Petrobras levada à frente pelo bloco conservador brasileiro é, neste
contexto, absolutamente funcional aos interesses das petroleiras ocidentais
estrangeiras. Mais do que enfraquecer a Petrobras, esta campanha objetiva
retirar do Brasil o controle sobre seu próprio futuro, como várias vezes vimos
acontecer na história da estatal e na história do país.
Uma página a
parte da ofensiva conservadora é a ação contra a Petrobras em curso na justiça
dos EUA, que pode custar centenas de milhões de dólares à estatal brasileira,
movida por um escritório de advocacia especializado na rapinagem. Esses
escritórios se aproveitam de momentos de dificuldades das empresas, buscam
alguma regra do mercado de capitais norte-americano que elas possam ter
infringido, convocam os acionistas para abrirem o processo judicial e lucram
milhões de dólares com a causa[8].
O editorial do
jornal O Globo que defende abertamente a revisão do modelo de partilha e a
entrada das petroleiras ocidentais na exploração do pré-sal[9] não fez mais do
que explicitar a razão da campanha orquestrada contra a Petrobras: dilapidar a
autoridade do PT, de Dilma e de Lula e desvalorizar a Petrobras a fim de
inviabilizar a participação diferenciada da estatal na exploração do pré-sal.
É da soberania
brasileira que se trata o tema da exploração do pré-sal, portanto interessa a
toda a nação. Diante do panorama de exacerbação da concorrência no mercado
mundial de petróleo, a tentativa de enfraquecer a Petrobras e, portanto, a
participação do capital público no Pré-sal exige um grau de unidade dos setores
nacionalistas e democráticos em um patamar elevado. Algumas iniciativas têm
contribuído para gestar um programa político que lance as bases para esta
unidade necessária. As frentes de defesa da Reforma Política Democrática como a
Coalizão Democrática, o Encontro do Fórum Nacional de Democratização da Mídia
marcado para os primeiros meses de 2015, a criação do Fórum21 e as plenárias
conjuntas de partidos de Esquerda, organizações sociais e centrais sindicais
são exemplos destas iniciativas.
O próximo ano
vai se desenhando para os setores avançados da sociedade brasileira como o
momento de exercitar e transformar em ação política mobilizadora as iniciativas
citadas anteriormente. A defesa da exploração soberana do Pré-sal será um bom
teste.
*Diogo Santos é Graduando em Economia pela UFMG,
membro da Sessão Mineira da Fundação Maurício Grabois e Membro da Comissão
Política do PCdoB em Minas.
Notas
[1] RANGEL,
Ignácio. Posfácio à quinta edição de A Inflação Brasileira. In: Cesar Benjamin
(Org.).Ignácio Rangel: obras reunidas. Contraponto. Rio de Janeiro, 2005.
[2]SCHUTTE,
Giorgio Romano. A economia política do petróleo e gás: a experiência russa.
IPEA Texto para discussão,no 1474. Brasília, fev, 2010.
[3]ADAMS,
Christopher.Queda do petróleo ameaça US$ 1 tri em investimentos.Financial
Times. Londres. Reproduzida no jornal Valor Econômico em 16 dez, 2014.
[4] NAPOLENI,
Loretta. Maonomics: Por que os comunistas chineses se saem melhores
capitalistas do que nós. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2014.
[5]ALVES,André
Gustavo Miranda Pineli. Os interesses econômicos da China na África. Deint,
Boletim de Economia e Política Internacional. Jan, 2010.
[6] MONIÉ,
Frédéric.Petróleo, desenvolvimento e dinâmicas espaciais na Áfricasubsaariana
In: MONIÉ, Frédéric, BINSZTOK, Jacob (org.) (2012): Geografia e geopolítica
dopetróleo. Rio de Janeiro: Mauad X.
[7]ALMEIDA,
Edmar de e CONSOLI, Helder.A entrada e os próximos passos dos chineses no setor
de petróleo no Brasil.Blog Infopetro. 14 jul, 2014.
[8]VALENTI,
Graziella;TORRES, Fernando eMAIA, Camila.Petrobras é alvo de ação coletiva nos
EUA. Valor Econômico.São Paulo, 9 dez, 2014
[9]Editorial:
Política para o petróleo terá de ser revista. O GLOBO. 14 dez, 2014.
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD
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