15 fevereiro 2015

Mídia manipula informação desavergonhadamente

Jornais usam não-notícia para colocar Cardozo para correr

Luis Nassif, no GGN

Dois bons  exemplos sobre como os grupos de mídia  se valem da desinformação dos seus leitores para criar uma agenda negativa.
 
A primeira enorme tolice foi o “escândalo da Wikipedia”, a descoberta, um ano depois, de que o perfil de Mirian Leitão tinha sido alterado por um computador do Palácio. Eram alterações com críticas civilizadas,  sem um pingo das alterações agressivas com quem são contemplados jornalistas fora do circuito global. Um mero problema corporativo, comum a qualquer empresa com grande rede de computadores, foi transformado em escândalo, a ponto de uma presidente desinformada apresentar pedido público de desculpas – convalidando o factoide.
 
Agora, periodicamente cria-se essa polêmica de malucos: os jornais descobrindo outras alterações com IP do Palácio e o Palácio se esfalfando para dizer que não.
 
O jogo agora consiste em “como botar o Ministro da Justiça para correr”.
 
O problema
 
Até hoje o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo vinha sendo mantido totalmente sob controle, fugindo de qualquer responsabilidade do cargo para não se expor aos ataques da imprensa.
 
Nos últimos dias saiu da concha, de forma cautelosa, cheia de dedos, mas saiu. Esta semana ousou criticar a parcialidade da Polícia Federal, sugerindo que ela estaria poupando a oposição.
 
O desafio consiste em criar um fato qualquer para calá-lo, botá-lo para correr de volta para sua concha habitual. Aparentemente não havia nenhum à vista. Montou-se então a seguinte mistureba.
 
As formas de atuar
 
Há várias maneiras de manipular uma informação. 
 
Uma delas é através da denúncia verdadeira porém seletiva, publicada ou não. Reter uma denúncia é uma forma de chantagear o outro lado.
 
Por exemplo, meses atrás correu a informação de que Veja soltaria um de seus factoides contra um assessor  pessoal de Dilma. Na mesma época, o Ministério da Educação fechou um contrato de alguns milhões com a Editora Abril. Por alguma razão, a denúncia jamais foi publicada. Pode ter sido coincidência, mesmo porque os fatos levantados – segundo circulou na época – eram ridículos.
 
Outro estratagema é a divulgação de uma informação decididamente falsa. 
 
Uma das mais usuais é a escandalização de fatos banais. Ou seja, publica-se uma reportagem juntando fatos verdadeiros que não remetem a nenhum escândalo. Mas o tom da reportagem – isto é, a maneira como o jornal “lê” os fatos para seus leitores é escandaloso.
 
Raio X da matéria
 
A edição de ontem da Folha é um bom laboratório para se entender esses dois recursos: a escandalização de fatos banais e o aviso para intimidar autoridades
 
É atividade corriqueira do Ministro da Justiça – seja quem for ele – receber advogados, movimentos sociais, juízes, delegados.
 
Lendo o título, observa-se uma suspeição grave: “Ministro da Justiça teve 3 encontros com advogados dos réus da Lava Jato”. Suspeição porque a normalidade não vira manchete.
 
O título, a soma de fatos alinhavados na reportagem visam passar para o leitor a percepção de que o Ministro José Eduardo Cardozo estaria propenso a montar esquemas com advogados de empresas da Lava Jato.
 
A reportagem mereceu chamada de primeira página – ou seja, foi considerada uma das mais relevantes da edição.
 
Vamos aos principais trechos da matéria:
 
Informação 1 
 
Ministro da Justiça teve 3 encontros com advogados de réus da Lava Jato
Defensores de empreiteiras buscavam ajuda do governo para soltar executivos que estão presos
 
Nada de relevante no fato de um Ministro da Justiça receber advogados.
 
Informação 2
 
Os defensores das empreiteiras buscavam algum tipo de ajuda do governo para soltar os 11 executivos que estão presos há meses. Tiveram, no entanto, como resposta palavras vagas, do tipo "fiquem tranquilos, o Supremo vai acabar soltando eles", segundo a Folha ouviu de um dos advogados que esteve com o ministro.
 
Ou seja, Cardozo tirou o corpo.
 
Informação 3
 
Um advogado que participou de outro encontro disse que Cardozo foi mais assertivo. Ele relata que o ministro disse que governo usaria seu poder para ajudar as empresas no STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (no Superior Tribunal de Justiça) e na Procuradoria Geral da República.
 
A própria presidente da República já declarou que pessoas físicas devem ser punidas, depois de comprovada a sua culpa, mas as empresas precisam ser poupadas. Aliás, se algum erro há nisso é na demora do governo em agir para preservar as empresas. Ou seja, Cardozo apenas explicitou uma política clara de governo.
 
Informação 4
 
Um dos encontros do ministro, com o advogado Sergio Renault, que defende a UTC na esfera civil, ocorreu no dia seguinte à decisão do STF, conforme a revista "Veja".
 
Sérgio Renault era o principal nome do Ministério da Justiça no período Márcio Thomas Bastos. Faz parte do time de advogados com participação histórica no partido, ao lado próprio Cardozo. Ser recebido por Cardozo seria uma atitude perfeitamente natural. Supor que Cardozo tenha qualquer influência sobre o STF é atropelar tudo o que se sabe sobre as relações entre o Palácio e o Supremo. O único poder que pauta o Supremo é a mídia. 
 
A “coincidência” tem o mesmo valor do que afirmar que no dia da decisão do STF Cardozo foi ao WC e demorou mais do que o costume. Ou seja, nenhum!
 
O Globo de hoje informa que Cardozo recebeu advogados de outra empreiteira. Como o jornal soube da informação: leu na agenda pública do Ministro.
 
Informação 5
 
A revista relata que Cardoso prometeu a Renault que a situação dos presos pela Lava Jato "mudaria de rumo radicalmente" porque oposicionistas também seriam envolvidos na apuração. A Folha não obteve confirmação da versão divulgada pela "Veja"
 
O que Cardozo coloca é que, aparecendo os oposicionistas, se arrefeceria a campanha da mídia e dos delegados da Lava Jato. Ou seja, admite que a investigação é enviesada é pautada pelos delegados e pela mídia  e, como é do seu estilo, tira o corpo de qualquer intervenção, deixando nas mãos do destino – e do aparecimento de oposicionistas entre os suspeitos - o arrefecimento das investigações. 
 
Ou seja, é o Cardozo de sempre , abrindo mão de qualquer responsabilidade.
 
O padrão Veja de jornalismo consegue transformar uma declaração de não-ação em suspeita de ação e – pasme-se! – a Folha vai atrás para obter confirmação ou não. E não encontra confirmação!!!
 
Tempos sombrios do jornalismo.

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