O pedigree direitista de Aécio Neves
José Carlos Ruy, no portal da
Fundação Maurício Grabois
Frente a um
partido – ou melhor, uma coligação de partidos – progressista, democrático e de
esquerda cujo fortalecimento parece ameaçador para os privilégios conservadores
da direita, Aécio Neves repete o mesmo script antidemocrático e discricionário
dos conservadores há cerca de 70 anos quando criaram as regras para jogar o
Partido Comunista do Brasil na ilegalidade em 7 de maio de 1947. Aquela
violência política foi o auge de uma farsa iniciada meses antes. O pretexto foi
uma entrevista ao diário comunista Tribuna Popular em 16 de março de 1946, na qual
o dirigente e senador constituinte Luiz Carlos Prestes declarou que, em caso de
guerra imperialista contra a União Soviética, ele apoiaria a nação socialista.
Os
conservadores fizeram um carnaval em torno daquela declaração, que aproveitaram
para atacar o Partido que estreou na eleição de dezembro de 1945 com força
inesperada para eles: teve 9% dos votos na eleição para presidente da República
e elegeu um senador (o próprio Prestes) e 14 deputados para a Constituinte que
se reuniria em fevereiro de 1946.
No dia 23 de
março, uma semana após a publicação, dois notórios conservadores – o
constituinte Barreto Pinto (PTB-DF) e o advogado Himalaia Virgulino, que havia
sido procurador do anti-comunista Tribunal de Segurança Nacional (criado em
1935) entraram no TSE com o pedido do cassação registro legal do partido.
Paralelamente
o governo do general Eurico Gaspar Dutra (um admirador do nazismo durante a
Segunda Grande Guerra) cuidou de lançar a base legal que permitiu aquela
violência política. Carlos Luz, o direitista ministro da Justiça, anunciou, no
início de maio, que o governo estudava “um programa de ação” contra a expansão
do comunismo. Naquele mês o governo publicou um decreto-lei baseado na
constituição fascista de 1937 (rejeitada pelos democratas e patriotas naquele
momento em que a Constituinte estava reunida para elaborar a Carta Magna de
1946). Era o decreto-lei nº 9.258 que tratava da organização partidária e
determinava a cassação do registro de partido acusado de receber ligação com
potências estrtangeiras ou que tivesse atuação que fosse considerada contra “os
princípios democráticos, ou os direitos fundamentais do homem, definidos na
Constituição.”
Aquele foi um
texto feito para aplacar o medo que os comunistas causavam naquela classe
dominante assombrada pela democracia. Ele só foi aplicado uma vez e cumpriu o
objetivo para o qual foi elaborado: proibir a existência legal do Partido
Comunista do Brasil. Farsa concluída em 10 de janeiro de 1948 com a cassação
dos mandatos dos parlamentares comunistas.
O pedigree
conservador de Aécio Neves o coloca na linhagem direitista de Himalaia
Virgulino e Barreto Pinto. Deputado medíocre (puxa-saco de Getúlio Vargas,
durante a Constituinte de 1946 era chamado de “palhaço queremista”), ele foi
cassado em 1949 por ferir o decoro parlamentar: pousou apenas de paletó e cueca
para a revista O Cruzeiro, a mais importante de então.
Hoje, Aécio
Neves quer cassar o registro legal de partidos acusados de receber propinas de
empresas privadas.
Seu alvo é o
PT e os partidos de esquerda, da mesma maneira como, em 1946, o alvo fora o
PCB.
Sua
iniciativa, e do deputado tucano paulista Carlos Sampaio, líder do PSDB na
Câmara dos Deputados, coincide com o esforço da mídia conservadora (em
particular do Jornal Nacional) em rotular como “propina” as doações feitas
dentro da lei ao Partido dos Trabalhadores e regularmente declaradas à justiça
eleitoral. Classificação que não aplicam às doações recebidas pelos demais
partidos da elite. Os recursos que recebe são classificados como “doações” e
ficam portanto fora do alcance da pretendida lei discriminatória.
Estes
movimentos da direita precisam ser acompanhados atentamente pelos democratas,
progressistas e patriotas principalmente neste momento em que a intensa
discussão do financiamento público de campanha pode reescrever as regras do
jogo político tornando-as mais democráticas.
São as regras
do acesso ao poder político. A proibição do financiamento de campanhas por
empresas ou pessoas jurídicas e a fixação de limites máximos para as doações
feitas por pessoas físicas poderá igualar as condições da disputa eleitoral
entre candidatos e partidos da elite e candidatos e partidos do povo e dos
trabalhadores.
Este é um
futuro que não interessa a Aécio Neves, à direita ou aos conservadores. Da
mesma maneira como fizeram com o Partido Comunista do Brasil há quase 70 anos,
agora querem colocar à margem da lei a força popular que ameaça os privilégios
e prerrogativas de que não querem abrir mão.
Isso não
ocorrerá. Todos são igualmente sujeitos à lei; numa democracia de verdade o
princípio um homem=um voto não pode ser questionado nem comprometido.
Hoje, no
Brasil, vale aquilo que o ministro Marco Aurélio Mello disse certa vez: "O
dinheiro faz as vezes do eleitor".
Ele indica,
com razão, que esta é a porteira da corrupção. Uma situação desigual e
antidemocrática que exige a mobilização de todos para tornar a democracia
brasileira forte e real. Aécio Neves e os que pensam como ele agem em sentido
oposto e sonham em manter a desigualdade e os privilégios. No passaran, como
diziam os comunistas espanhóis.
José Carlos
Ruy é jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB.
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