Política no comando!
(notas sobre a conjuntura)
Aloisio Barroso, no portal da Fundação Maurício Grabois
Abalada pela crise capitalista global, a economia mundial continua a se
degradar, em direção contrária à ideia de “recuperação” difundida pelo
establishment americano e repetida por seus papagaios mundo afora.
Mas são evidentes as implicações da resposta norte-americana à grande
crise e seu declínio da condição de potência hegemônica. Repassá-la à periferia
do capitalismo para que nações e trabalhadores paguem a conta é seu objetivo.
Em matéria geoeconômica, os EUA continuam a se beneficiar do dólar, cuja
valorização ou não, depende da política monetária e cambial, onde sua própria
taxa de juros também pode determinar o comando deste país sobre a política
cambial nos países que não possuem moeda conversível – caso do Brasil e da
imensa maioria dos países do globo. Ou seja: a chamada hierarquia (das moedas)
do sistema monetário internacional restringe (ao máximo, mas não impede) a
capacidade de outros países praticarem uma política econômica independente!
China luta contra deflação [1]
Ademais, um novo fenômeno sublinha a continuidade da gravidade da crise,
além das próprias estimativas (sombrias) do FMI e da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), feitas em novembro, para 2015, que, como
sabemos, sempre estão a serviço dos banqueiros e ricaços. Trata-se da marcha de
uma deflação nas principais economias do planeta.
O prestigiado reitor da Escola Nacional de Desenvolvimento e diretor do
Centro para a Reforma Econômica da China (Universidade de Pequim), Yai Yang, já
assinalara que o mundo inteiro se encontra assolado por forças deflacionárias
(“A China consegue evitar a deflação?”, Valor Econômico, 27/01/2015). Na
análise percuciente (e pioneira) de Yang, se a China entrar no turbilhão, não
haveria como, “desta vez”, seus parceiros comerciais socorrê-la. O problema
crucial para o governo da China, portanto, é se ela poderá safar-se da deflação
“por conta própria”, diz ele.
Yang argumenta ainda que, apesar da atual desaceleração da economia
chinesa ter sido induzida por políticas econômicas nacionais, nos dois últimos
anos, o governo chinês “promoveu um aperto da política monetária e da política
fiscal na esperança de neutralizar os efeitos adversos do grande pacote de
estímulos econômicos lançado como resposta à crise financeira mundial de 2008”.
Ora, no último dia 28 de fevereiro, o BC chinês anunciou novo corte, de
0,25% na taxa de juros, exatamente para evitar desaceleração maior de sua
economia (e a deflação), ainda que ano passado a poderosa economia chinesa
registrasse crescimento de 7,4% e projetasse cerca de 7% do PIB (Produto
Interno Bruto) para este ano.
Deflação nos EUA?
Isso mesmo! Na mesma direção vão os EUA: a inflação norte-americana soma
mais de trinta meses abaixo de 2%, o objetivo do Federal Reserve (Fed, Banco
Central dos EUA). Até agora, não existem indícios de um aumento do nível dos
preços. Ao contrário, a deflação (queda de preços) se transformou em uma ameaça
real na economia, que ainda é considerada a de maior tamanho: os preços do
consumo ficaram em apenas 0,4% em dezembro de 2014, sua maior queda desde o
final de 2008. Em termos anuais, a inflação diminuiu 0,8% ao se colocar em 1,3%
em novembro passado. [2]
Para Rodríguez, a chamada “recuperação norte-americana” está mais no
aumento dos principais índices da bolsa de valores de Nova York e menos na
melhoria substantiva das condições de vida da população, que vive sob intensa
precarização do trabalho, do desemprego, e da queda dos salários. “Inclusive,
na esfera financeira – afirma ele -, surgiram novas barreiras para a acumulação
de capital. Se é certo que o índice Standard & Poors (que cotiza as ações
das 500 maiores empresas dos EUA) continua registrando aumentos, a acumulação
de lucros por ação e dividendos é cada vez menor”.
Novo governo Dilma: “concessão” não é ”capitulação”
Nesse quadro, rejeitamos a ideia difundida em setores de esquerda, de
que existe um Brasil “pós-neoliberal”, tanto quanto a que acha que "Dilma
capitulou ao mercado financeiro", assim como a que já anuncia uma
"viragem neoliberal" do governo Dilma. A nosso juízo, tais pontos de
vista carregam forte dosagem de economicismo, incompreensão e precipitação
frente aos resultados do quadro real de forças, tais como um Congresso mais
conservador, um crescimento econômico médio pífio, forte polarização eleitoral
presidencial, atual divisão e desorientação claras no comando do PT (importa
recordar que a presidenta Dilma enfrentou eleições presidenciais num cenário em
que dois ex-presidentes de seu partido foram presos, injustamente!). Ao lado do
processo crescente de desindustrialização do país, agora mesmo, vivenciamos
deterioração das transações correntes no balanço de pagamentos (contas
externas), aliada a um cenário internacional que deve ainda considerar (para
além da crise e novas "bolhas financeiras" para todo o lado)
crescimento contínuo do desemprego em escala mundial (OIT); a estimativa de
crescimento econômico negativo na Rússia, este ano; a marcha de
desestabilização na Venezuela etc.
Pertinente relembrar nossa experiência recente: bem ao invés do
"espetáculo de crescimento" prometido pelo ex-presidente Lula no
início de seu governo, a recessão foi clara no primeiro trimestre de 2003
(-1,1%) e no segundo (-0,23%), apesar do resultado anual do PIB ter sido 1,1%.
Conforme ainda o IBGE-Seade, o desemprego naquele ano atingiu por volta de 20%
da PEA (População Economicamente Ativa) na Grande São Paulo. Ora, a
“humanidade” sabe que a média do crescimento dos governos de Lula ultrapassou
os 4%!
Por suposto, sempre estivemos lutando contra os retrocessos, o que
também fizemos (uma espécie de consentimento impositivo), desde a “Carta aos
Brasileiros" até a sua crítica aberta. A análise dita "Dilma
capitulou", não passa de completa ingenuidade em matéria de luta de
classes: das concessões que ela estabelece, seus recuos temporários, das
necessárias e variadas alianças, ou até mesmo de derrotas - para nós sempre
também temporárias.
Certas interpretações se aninham na ideia do "fim da
história", ou a decreta quando mal começaram as batalhas. Assim, mesmo
hoje tendo que enfrentar um cenário externo real bem diferente do de Lula,
então de evolução favorável ao crescimento econômico, parece óbvio repetir que
a história está em aberto, como sempre esteve, por isso também a conduta tática
correta (ou a mais ajustada possível), é no sentido de principalizar a defesa
do governo Dilma e exercer daí (e a partir daí) o comando da crítica a
retrocessos, e da luta de massas e dos trabalhadores – esse o fator decisivo.
Reforçar o ato de 13 de março: abaixo o golpismo!
Portanto, a questão nodal no Brasil hoje é: política no comando para
preservar as principais conquistas do ciclo político iniciado por Lula e Dilma.
Repetindo, lutando contra os retrocessos. Fora disso, uma derrota severa pode
advir. Mas parecem inevitáveis certas concessões neste quadro dado. E como se
sabe "concessão" e "capitulação" são categorias muito
diferentes - particularmente na terminologia da guerra.
A campanha claramente golpista da direita neoliberal brasileira e seus
aliados forâneos é a mais pura manifestação da compreensão deles sobre o que é
luta de classes. Visam com clareza objetivos internacionais, serviçal do
imperialismo (integração latino-americana; BRICS etc.); e notadamente nacional:
interrupção do ciclo que conquistamos, inobstante a pressão furiosa do capital
financeiro internacional e do jogo bruto do imperialismo.
Notas
[1] A definição tradicional da depressão econômica mundial envolve
fundamentalmente: a) uma queda severa do crescimento do produto; b) elevado
desemprego; c) movimentos deflacionários (queda acentuada nos preços). Cada
depressão “submerge” numa outra e singular situação – não se repete, mas as
determinações e características centrais são recorrentes. Ou seja: as crises sistêmicas
do capitalismo e os fenômenos sociais (e também as evoluções políticas) que as
acompanham.
[2] Ver o importante artigo “O fantasma da deflação norte-americana”
(Carta Maior, 10/02/2015), do economista mexicano “Ariel Noyola Rodríguez.
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD
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