Um outro olhar sobre a miséria
Nilson Vellazquez, em seu blog
Na longa trajetória de edificação do novo homem que é exigida para superar esta etapa atual de desenvolvimento da sociedade, é urgente que sejam, como dito em outro momento, estabelecidas novas relações entre aqueles que, como vanguarda, estão à frente de seu tempo e a sociedade em que vivem. Em resumo: não podemos olhar a paisagem com o mesmo par de óculos que a média da população. Daí, entre tantos elementos, como os já citados machismo, racismo e homofobia, também precisamos estabelecer um outro olhar sobre a miséria.
A miséria, assim como tantas outras mazelas, são produtos do desenvolvimento desigual do capitalismo, de sua concentração de renda e de sua contradição fundamental: organização social do trabalho e apropriação privada das riquezas. No entanto, como havia dito Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, "as armas de que a burguesia se serviu para derrubar o feudalismo voltaram-se agora contra a própria burguesia. Mas a burguesia não forjou apenas as armas que a levarão à morte; produziu também os homens que empunharão essas armas: os operários modernos, os proletários".
Em oposição a esses que empunharão as armas, a sociedade capitalista cria mecanismos de controle, persuadindo aqueles que se encontram em situação precária em seus trabalhos a assinarem "livremente" o contrato de venda da sua força de trabalho pelo grande receio de não fazer parte do exército industrial de reserva, que diz respeito à parcela populacional que não está empregada pelo capital e lhe está disponível para ser empregada. Daí, quanto maior for o exército industrial de reserva, maior é a facilidade dos capitalistas de rebaixarem os salários dos trabalhadores, aumentando a distância social e econômica que separa os capitalistas dos trabalhadores.
No entanto, ao se tratar da miséria humana, nessa grande massa de cerca de 3,3 bilhões de pobres e miseráveis no mundo, é preciso identificar a existência, nessa massa, dos três grupos de que Marx trata em O Capital: o grupos dos aptos para o trabalho; os candidatos a exército industrial de reserva e os "degradados, maltrapilhos, incapacitados para o trabalho", que são, segundo Marx, "indivíduos que sucumbem devido a sua imobilidade, causada pela divisão do trabalho". Esses três grupos, constituem, nas palavras de Marx, o lumpemproletariado. Ainda de acordo com Marx, "o pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva".
No mundo, hoje, estima-se que 10% da população detenha 85% da riqueza e para 45% da população, sobre 3% da riqueza global. De acordo com o Banco Mundial, pobres são os que recebem entre 1,25 e 2 dólares por dia , enquanto que os extremamente pobres são aqueles que recebem menos de 1,25 dólares. A grande maioria desses se concentra na África, América Latina e Ásia. No Brasil, mesmo com a retirada de 30 milhões de pessoas da linha da extrema pobreza, ainda há um contingente de cerca de 9 milhões de miseráveis e 3,4 milhões de pessoas em situação de subalimentação.
Diante do acima mencionado, uma pergunta não poderá deixar de ser feita: qual é a postura ético-revolucionária para com a miséria do nosso cotidiano?
Che Guevara, heroico revolucionário argentino, um dos líderes da revolução cubana, produziu, talvez, aquela que seja a frase de melhor tradução daquela que deve ser a nossa atitude: "se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros".
Recorro a essas palavras pelo fato de entender que, mesmo sabendo que a miséria não se combate com esmolas e olhares piedosos (apenas), é preciso estabelecer uma relação mais humanizada perante as mazelas sociais que nos cercam, ou, ainda mais, estabelecer relações mais dignas com os trabalhadores como um todo, sejam eles do exército industrial de reserva ou não.
Quantas vezes desumanizamo-nos na não menos importante tentativa de transformar o modelo econômico de sociedade e naturalizamos a miséria que ronda nossa porta? Qual a relação que estabelecemos com os empregados domésticos de nossa casa? Com os garçons que nos servem ou com os que constituem esse bloco de miseráveis pelo mundo?
Perguntas como essas constituem a base de edificação desse novo homem de que falamos. Porque, concordando com as palavras de Paulo Freire, quando diz "eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.", devemos estabelecer novas relações, mais humanas, mais solidárias, menos individualistas. Pois, como, mais uma vez, dissera Che Guevara: "o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor."
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