Delcídio preso: a crise não é só do PT
Rodrigo
Vianna, no Blog do Rovai
É inaceitável, sob qualquer
justificativa, que um líder do governo no Senado Federal trame estratégias de
fuga junto à família de um réu. E que se proponha a interferir nas ações do
Supremo Tribunal Federal. É de uma arrogância e desfaçatez, a indicar o grau de
deterioração da política no Brasil.
Quando um líder do governo ataca a Justiça e a República,
estamos às portas de uma crise institucional.
Mas há mais que isso no caso Delcídio. Ele é filiado ao PT,
e é preciso lembrar que não existe política de esquerda (ou centro-esquerda, vá
lá) quando se perdem todos os princípios de defesa da Justiça. A definição do
velho Norberto Bobbio para “esquerda” é: são aqueles que lutam para reduzir
desigualdades.
Não se reduz desigualdade atentando contra a Justiça. Acho
que não seria preciso lembrar isso. Mas cá estamos num mundo estranho, num
momento estranho…
“Ah, mas os tucanos sempre fizeram igual, e jamais foram
pegos”. Isso é fato. Mas não exime o PT da responsabilidade por aceitar um
personagem desse em seus quadros. Delcídio não queria a fuga de Cerveró para a
Espanha em nome de um projeto político – o que já seria grave. Agia, usando o
cargo de senador e o poder que lhe confere a Constituição, para proteger a si
mesmo.
Delcídio Amaral esteve na Petrobrás sob FHC. Delcídio é
“parceiro” de altos tucanos em empreitadas políticas e negócios mal explicados.
Delcídio é também um símbolo do neopetismo (na mesma linha de André Vargas).
Mas o mais grave: a irresponsabilidade de Delcídio abriu
caminho para que se arrebente com o discurso de defesa das garantias
constitucionais – criadas para preservar, sim, a democracia e as prerrogativas
parlamentares (mas não para proteger bandidos).
Juristas e professores alertam para a interpretação “fora da
curva” adotada pelo STF, para mandar prender Delcídio. Mas alguns desses
advogados são realistas na avaliação do que se passa agora no país: “o despudor dos homens do poder cuidou de legitimar toda e
qualquer exorbitância punitiva. Nem me canso mais de fazer discurso garantista,
porque quando o líder do governo vai pra esse despudor, só resta jogar a
toalha. Parece até encomenda do Moro.”
Com o “presente” oferecido por Delcídio, Nestor Cerveró (em
vez de pegar um avião para a Espanha, como sugeriu o arrogante senador
neopetista) pode fazer o governo, a oposição e boa parte do mundo político
embarcarem numa montanha russa: e, no percurso, muitos podem ser lançados pelos
ares.
A delação de Cerveró deve atingir Renan, Temer e talvez
chegue a Dilma.
E se Delcídio também falar, aí os tucanos podem perder
algumas cabeças coroadas na guilhotina das delações sem prova e do terror
midiático.
Ou seja, já não é apenas de impeachment que se trata; mas de
uma crise institucional sem precedentes, que pode engolfar os 3 maiores
partidos políticos brasileiros: PT, PSDB e PMDB.
O roteiro do juiz Sérgio Moro, traçado lá atrás, previa uma
espécie de “refundação” da política, empreendida por homens que “não são
politicos”. Todos sabemos o perigo desse caminho.
Moro usa camisas pretas em suas aparições fantasmagóricas.
Na Itália, onde me encontro nesse momento, as camisas negras não são de bom
augúrio. Mas avancemos em outras conjecturas…
Pode-se discutir se a prisão de Delcídio não abre um
precedente perigoso, levando a um novo patamar essa espécie de revolução
francesa jurídico-midiática. Abre-se o caminho para a exceção punitiva, o que
assusta o andar de cima brasileiro, sempre acostumado a acomodações.
Já estavam presos (pela Lava-Jato) alguns dos maiores
empreiteiros do país; agora, somam-se à lista um banqueiro (Andre Esteves,
suposto parceiro das estripulias delcidianas) e um senador com trânsito no
neopetismo e no tucanato.
Isso é bom ou ruim? A princípio, pode indicar sim um sinal
de maturidade da democracia. Mas é preciso ver qual o alcance dessa escalada
punitiva.
Sabe-se que, em Brasilia e em suas andanças pelo Brasil,
Aécio Neves costuma dizer aos empresários e à elite que, quando chegasse ao
poder, tudo isso teria fim. Voltaríamos aos velhos tempos em que rico não
pagava por crimes. Empresários que ousaram fazer negócios com petistas estão
enjaulados. A saída seria uma “restauração” tucana.
Essa é a lógica que faz o PSDB sorrir a cada nova prisão –
que põe a economia de joelhos e os empresários em polvorosa. Parte da oposição
pensou nessa escalada apenas como ferramenta para desgastar o PT… Mas há sinais
de que a estratégia pode estar saindo do controle – o que pode levar a um
aprofundamento da democracia, depois de passarmos por uma crise que promete ser
profunda e dolorosa.
A prisão de Delcídio fez o mundo político (e não apenas o
petismo) tremer nas bases. Ninguém mais está a salvo. Esse é o sinal que vem
dessa prisão.
Na revolução francesa, como se sabe, os que começaram
cortando cabeças terminaram perdendo as próprias na guilhotina. A política brasileira
(mal comparando) parece ter entrado num caminho desse tipo, de autofagia e
destruição.
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