Democracia e Direitos Humanos: uma gramática universal
Por Manoel
Moraes*
A
democracia na perspectiva dos direitos humanos é uma construção histórica,
cultural, social, econômica e política. As gentes e suas múltiplas culturas
abordaram o problema do poder considerando dois fatores decisivos: sua origem
[de onde surge?] e sua filosofia. A resposta invariavelmente dirá respeito à
busca do controle político e social.
O
Estado-nação, enquanto projeto político, surge exatamente para consolidar uma
visão de poder em que o Estado controla os anseios e desejos do povo. E
estabelece mediação entre o coletivo e o indivíduo: surgem os direitos civis e políticos, consolidando princípios como
o do público e do privado; a garantia da ampla defesa e do contraditório, e um
sistema jurídico profissional e independente.
Dois
pilares desse Estado mediador: a legitimidade e o contrato social. Passam a
estruturar o grande edifício da democracia moderna. A ideia de leis aprovadas
por um parlamento eleito pelo voto (secreto e sem imposições) é garantidor da
qualidade com que uma sociedade consolida seu sistema de justiça.
É nesse
processo que as relações político-jurídicos vão se adensando e produzem uma
trama de interesses bastante complexa e utilitarista. Como destaca Höffe (2005,
p.42), “O utilitarismo é compreendido como a ética do bem-estar coletivo de
efeito mais vigoroso”.
O sistema
político utilitarista promove uma racionalidade focada na intrínseca
contradição entre a liberdade e o controle. É desse processo que surge a
metáfora do contrato social onde os indivíduos abrem mão de suas vontades
soberanas para assimilar a auto-obrigação voluntária.
Na prática,
estamos saindo de uma leitura moral do poder para consolidarmos um equivalente
a racionalidades deliberativas, seja direta ou indireta. E para consolidar
estes mecanismos de legitimação é fundamental a institucionalização do poder do
Estado. Que, para se firmar diante dos seus cidadãos, vai aumentar a sua
capacidade de atuação e consequentemente estabelecer uma maior valorização do
seu papel jurídico e político.
O que temos
de novo quando falamos de direitos humanos é a ideia de um contrato duplo, onde
os direitos pactuados em nossa Constituição também podem ser assimilados do
Direito Internacional dos Direitos Humanos. A inversão é no reconhecimento que
o pacto de origem pode ter sido unilateral, e com isso imposto.
A
consolidação de um direito internacional amplia a responsabilidade dos
dirigentes públicos e catalisa uma gramática de referências do dever ser do
Estado diante dos seus cidadãos. Logo, o papel das organizações públicas
transcende, significativamente, o seu papel de regular comportamentos. Em
compensação, é confrontado com limites de sua atuação na esfera pública e
privada.
O processo
civilizatório dos povos e o aprofundamento das experiências políticas
permitirão consolidar um modelo de alteridade, onde o outro é reconhecido em
sua dimensão singular ou coletiva, racial ou de gênero. A máxima moral do
Estado clássico e totalitário passa a dar lugar à “minima moralia” onde os grupos e minorias devem ser
respeitados em sua dignidade e costumes.
A consolidação
de uma agenda de direitos humanos está relacionada à real capacidade de
diagnosticar as lacunas em nossos processos democráticos. São essas
interrupções ou territórios cinza[s] de ausência de direitos que permitem
proliferar todo tipo de violências. Então, diante dessa afirmação, não podemos
tratar da defesa da vida se não reconhecermos que a vida social, política ou
ambiental esteja ameaçada.
O fator
determinante para o desenvolvimento do Estado de Direitos é naturalmente a
capacidade de ocupar os sentidos de uma pluralidade política de atores sociais
que passam agora a exercer o controle do Estado e de suas ações. É nesta
mudança estrutural que surgem as ações afirmativas e uma gama de outros
mecanismos de direitos humanos capazes de democratizar o Estado e o poder
político.
Os
Conselhos e suas atribuições legais de controle, fiscalização e formulação de
políticas públicas são lugares privilegiados para conseguir convergir
divergências, críticas e, por outro lado, mediar processos. Consolidar os
direitos humanos é assumir os compromissos internacionais e, ao mesmo tempo, no
âmbito interno, consolidar vários sistemas de garantias de direitos econômicos,
sociais e culturais.
* Sociólogo, cientista político e bacharel
em Direito. Membro da Comissão Estadual da Verdade Dom Helder
Câmara e da Comissão de Anistia do Ministério da
Justiça.
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