Para entender o braço da FIFA no Brasil
Luis Nassif, no Jornal GGN
Nos anos 70 a TV a cabo começou a ganhar força, assim como as
transmissões esportivas internacionais. As redes de TVs tornam-se globais. E os
eventos esportivos ganharam dimensão internacional. Ao mesmo tempo, a inclusão
da África e da Ásia no negócio futebol ampliaram de forma inédita seu alcance.
É nesse novo quadro tecnológico que o futebol se torna um negócio
bilionário. Na hora certa, no lugar certo, o cartola brasileiro João Havelange
ajudou a dar forma final à FIFA. Desde os anos 20 o esporte já se constituía
nos eventos de maior audiência do rádio. Com os avanços tecnológicos, os
grandes espetáculos esportivos passaram a dispor de uma audiência global. E,
dentre todos os esportes, nenhum chegou perto da popularidade e abrangência do
futebol.
Em pouco tempo monta-se a rede global, com os seguintes personagens:
1. A FIFA.
2. As confederações
3. Os clubes
4. Os grupos de mídia hegemônicos em cada país
filiado.
A parte econômico-financeira é composta do patrocínio aos torneios
globais, torneios regionais e campeonatos nacionais. E os eventos os
financeiros ocorrem na compra de direitos de transmissão para cada um dos
eventos e nos patrocínios, e no mercado de jogadores.
A partir desses elementos teceram-se as relações de influência que acabaram
resultando na organização criminosa desbaratada pelo FBI.
A base do poder na FIFA são as confederações nacionais.
Para garantir a perpetuidade do poder, há uma aliança simbiótica entre
os dirigentes da FIFA, os grupos de mídia nacionais e os dirigentes das
Confederações.
Em parceria com a FIFA os grupos de mídia conseguiram a exclusividade
para os grandes eventos, que garantem os grandes patrocínios. E conseguiram os
patrocínios para os eventos regionais e nacionais. O dinheiro captado serviu
para irrigar os clubes e garantir a perpetuidade política dos grupos que
controlam as confederações.
Por seu lado, a parceria sempre se dá com os grupos de mídia
politicamente mais influentes. E garante a blindagem dos dirigentes das
confederações – não apenas perante os governos nacionais como perante os
sistemas de investigação locais.
Esse modelo criou tal blindagem político-policial que acabou
transbordando para outras formas de ação de crime organizado, como a lavagem de
dinheiro através do superfaturamento dos contratos e do comércio de jogadores.
Segundo dados da OCDE, o mercado de jogadores movimenta US$ 4
bilhões/ano, dos quais US$ 1 bilhão proveniente de lavagem de dinheiro. Parte
relevante do dinheiro lavado vem dos subornos pagos por emissoras de televisão
e patrocinadores aos dirigentes esportivos.
A internacionalização do futebol
- A ampliação da globalização
acabou introduzindo novos elementos nessa equação.
O primeiro, o da criação da cooperação internacional para o combate ao
crime organizado, que ganhou ênfase após os atentados das torres gêmeas.
Como as organizações criminosas atuavam em nível global, havia a
necessidade de uma cooperação em nível internacional. E aí sobressaiu a maior
competência dos órgãos de investigação norte-americanos, especialmente devido à
integração entre o FBI e as forças de segurança, conforme anotou Jamil Chade,
correspondente do Estadão em Genebra, em entrevista ao GGN, sobre o seu livro
“Política, propina e futebol: Como o PADRÃO FIFA ameaça o esporte mais popular
do planeta”.
E aí entraram em cena os interesses geopolíticos norte-americanos, a
noção histórica de interesse nacional amarrado aos interesses dos grandes
grupos que se internacionalizam.
Um dos últimos mercados nacionais protegidos era o das comunicações. E,
nesse mercado fechado, as transmissões de partidas de futebol sempre foram um
fator crítico para a hegemonia das emissoras. Basta conferir a imensa luta da
Record para tentar romper com o monopólio das transmissões da Globo.
A entrada do FBI nas investigações coincide com a ofensiva
internacionalizante dos grandes grupos de mídia norte-americanos e, também –
segundo Chade – com as manifestações de junho de 2013 no Brasil, que passaram a
percepção de que a opinião pública nacional não mais aceitaria passivamente a
corrupção dos dirigentes esportivos.
Quando o FBI entrou na parada, o jogo passou a virar. A imensa
organização criminosa começou a ruir. E, no rastro desse desmonte, teve início
a invasão final dos grupos de mídia norte-americanos sobre os superprotegidos
mercados nacionais de mídia.
Segundo Chade, empresas como a Time Warner, Disney, ESPN montaram
estratégias inicialmente fechando contratos com países e clubes menores, de
maneira a cercar os esquemas dos clubes maiores, que dominavam as
confederações.
Para se ter uma ideia do impacto do fim do monopólio das transmissões
esportivas, analise-se o mercado britânico. Com a pulverização dos canais
pagos, o único evento que consegue chegar em 15 pontos de audiência são as
transmissões de partidas de futebol. O restante não passa de 5 pontos.
O papel da Globo na corrupção da
FIFA - O imenso
poder político desses grupos garantirá algum tempo a mais de blindagem, antes
que a longa mão do FBI chegue até aqui. Em alguns casos, o que garante é a
aliança com os governos nacionais.
Segundo Chade, a primeira reação dos dirigentes teria sido lamentar que
as prisões tivessem ocorrido na Suíça. “Se isso acontecesse na América Latina,
já tínhamos resolvido tudo e estaríamos em casa”, comentou um argentino, membro
da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). “Mas eles não
estavam no Brasil nem em outra república latino-americana. As prisões ocorreram
justamente na Suíça, país que passou a colaborar de forma estreita com os EUA”,
continua Chade.
No caso brasileiro, a Globo estreitou relações com o MPF, tornando-se a
principal âncora da Lava Jato. No seu horizonte estratégico, certamente estavam
os problemas que vinham pela frente.
As principais operações identificadas foram compra de votos para a Copa
de 1998, para a Copa de 2010 e a compra de apoio para a eleição de Blatter em
2011. E, importante, “a realização de acordos para a Taça Libertadores, a Copa
América, a Copa do Brasil e as suspeitas sobre os Mundiais de 2018 e 2022”.
Continua o livro:
“De uma
maneira constante, segundo a Justiça, a propina teria sido paga a Teixeira e
Havelange para que influenciassem a Fifa na decisão de quem ficaria com os
direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006, incluindo o mercado
brasileiro”.
Continua o livro:
“Uma rede de
televisão no Brasil é citada como uma das envolvidas no suborno, ainda que seu
nome tenha sido mantido em sigilo no documento público, uma vez que o processo
não era contra ela. Naqueles Mundiais, os direitos de transmissão eram da Rede
Globo. Para os suíços, o serviço dos dois cartolas teria sido comprado por essa
e outras empresas que queriam manter contratos e relações com a Fifa. O
documento revela uma movimentação milionária nas contas de Teixeira e
Havelange. Ambos receberam subornos no valor total de pelo menos 21 milhões de
francos suíços, depositados em contas abertas em paraísos fiscais. Os
pagamentos ocorreram entre 1992 e 2004, e o tribunal decidiu processar os
brasileiros por “atos criminosos em detrimento da Fifa”.
Prossegue a denúncia que “subornos compravam influência na Fifa e
garantia de contratos no Brasil”.
Esse esquema
começou a operar em 1970, segundo o procurador Thomas Hildbrand, quando
Havelange assumiu o poder. Testemunhas ouvidas por ele sustentaram que “o
dinheiro vinha, em grande parte, de empresas que pagaram pela transmissão das
imagens das Copas de 2002 e 2006. No caso do Brasil, o valor do contrato era de
US$220 milhões. Outros contratos chegavam a US$750 milhões”.
Segundo eles, Teixeira e Havelange agiram com tal impunidade porque, por
conta da “cultura” brasileira, as propinas equivaliam a suplementação de verbas
“Seria essa
a suposta “cultura” dos brasileiros”, constata Chade. “Mais do que um absurdo e
uma ofensa a milhões de pessoas, a estratégia da defesa revela, no fundo, a imagem
que a entidade tem do país e de seus representantes. Essa imagem, de tão
enraizada, foi usada até mesmo diante da Justiça”.
O melhor exemplo da forma como a FIFA agia foi na imposição do estádio
de Brasília.
“Poucos dias
após a final da Copa do Mundo, o estádio mais caro do Brasil e o terceiro mais
caro do mundo recebeu outro momento de decisão: cem casais realizaram suas
festas de bodas no palco que havia servido ao Mundial. O evento chegou a ser
transmitido pela TV Globo, que pagou parte dos direitos da Copa e apagou
qualquer tipo de crítica ao evento. Na reportagem, a emissora insistia que o
casamento coletivo tinha sido uma “grande emoção” e que o estádio havia criado
novas oportunidades. Com apenas dois times e ambos na quarta divisão do futebol
brasileiro Brasiliense e Luziânia , o Distrito Federal passou a ser a imagem do
escândalo da Copa do Mundo e de seu legado inexistente. Meses depois do final
do Mundial, a falta de jogos no estádio Mané Garrincha levou o governo do DF a
transferir parte de sua burocracia para o local e ocupou as salas com suas
diferentes secretarias. Do lado de fora, o estacionamento feito para as
torcidas se transformou em garagem para os ônibus da cidade. Um ano depois da
Copa, o rombo no estádio era de mais de R$ 3,5 milhões”.
Sobre a corrupção cultural - O combate à corrupção exige mudança de padrões
culturais. Não se pode aceitar passivamente conviver com empresas sobre as
quais pairam suspeitas de atividades criminosas.
Afinal, como declarou o procurador Deltan Dallagnol “o nosso parâmetro
para lidar com a corrupção deve ser o crime de homicídio. Quem rouba milhões,
mata milhões”. A declaração foi dada na Globonews.
Segundo ele, o simples combate às pessoas corruptas não vai fazer com
que a corrupção acabe no Brasil. “Nós precisamos mudar o sistema”, declarou no
Programa do Jô.
O mesmo bordão foi brandido pelo procurador Carlos Fernando dos Santos
Lima, para criticar a Lei de Leniência:
“Infelizmente, a despeito de todas as obrigações internacionais
assumidas pelo Brasil, as primeiras e únicas tentativas do Governo após a
publicação da Lei Anticorrupção foram sempre no sentido de contorná-la, de
desrespeitar o mínimo ético imposto por essa legislação”.
Carlos Fernando é vice-secretário de cooperação internacional do MPF,
setor incumbido de buscar apoio nas investigações internacionais e de fornecer
elementos solicitados pelos parceiros. Segundo Chade, o Brasil tem sido o país
latino-americano que menos atendeu aos pedidos do FBI até agora.
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