A gratidão dos bichos e os riscos da clonagem
Luciano Siqueira
Posso estar dizendo uma grande
bobagem, fruto da minha absoluta ignorância no assunto: - os bichos também
sentem gratidão, assim como podem ser ingratos.
Dia desses, vi na TV um urubu
que seguia o dono por toda parte na pequena cidade do interior de Minas Gerais,
se não me engano, com um jeitão de protetor. No trabalho, no bar da esquina, na
praça – estava ele ali, ora pousado sobre um poste, ora no chão, sempre por
perto.
Conta-se que, recém-nascido, o
urubu foi salvo de um incêndio pelo seu dono. Daí a relação de gratidão eterna
entre a ave e o benfeitor.
Agora fico sabendo que os
chineses clonaram um porco salvo de um terremoto. O animal ganhou notoriedade em 2008 após ter ficado um
mês embaixo de escombros após tremor na província de Sichuan. Talvez após
observação atenta, descobriram nele atributos pouco comuns que lhe dão um
status diferenciado. Daí ter sido escolhido para a clonagem. Zhu Jiangqiang, nome do dito cujo, deu
origem a seis réplicas idênticas produzidas a partir do seu DNA. Ele tem cinco
anos de idade, equivalentes a sessenta anos de um de nós humanos.
Tudo bem. Supondo que o porco chinês, à semelhança do urubu brasileiro,
alimento em seu ser um profundo sentimento de gratidão pelos que o salvaram do
terremoto, surge uma pergunta inevitável: os seis outros “Zhu” dele clonados
herdaram o mesmo sentimento?
Juro que não é falta de assunto. O que me inspira ao abrir tão relevante
debate é a perspectiva do futuro, tendo como base a percepção de que essa coisa
de clonagem vai avançar muito, como têm avançado de modo espetacular os demais
ramos da ciência. Logo, não demorará muito nossos descendentes poderão ser
replicados e numa mesma família – por exemplo -, se o sentimento passar de réplica
a réplica, podemos ter quatro ou cinco jovens absolutamente tomados de amor por
uma mesma namorada, ou réplica, e assim por diante.
Imagine o sujeito que, por uma razão ou outra, tenha que se mudar para
outro continente sem poder levar consigo a namorada, ou vice versa. “– Fique
triste não, meu bem, vou deixar com você um dos meus clones, que tem tudo de
mim e dará conta do recado.”
Ou então o tumulto causado pelo interesse coletivo de clones apaixonados
pela mesma pessoa, razão reconhecida e permitida em lei para a superação da monogamia
por uma espécie de poligamia “natural”, própria da comunidade de clones. “– Um
novo paradigma, senhores, resultado do progresso científico”, dirá um juiz da
Vara da Família.
Donde se pode concluir que, por uma questão de bom senso, é bom ir
devagar com o andor nessa história de clonar humanos. Ou não?
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