José Bertotti*[foto]
A estarrecedora sessão de
domingo, 17 de abril, da Câmara dos Deputados trouxe a tona um Brasil
desconhecido para muitos. Alguns deles incautos, talvez, mas agora nenhum
brasileiro pode ignorar a qualidade da maioria dos Deputados e Deputadas
eleitos para essa legislatura de nosso Congresso Nacional, apontado pelo DIAP
(Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), desde o dia 7/10/2014,
como um dos mais conservadores já eleitos desde a constituição de 1988.
Existiram, na história do
Brasil, fatos como a Independência e a Proclamação da República oriundos,
principalmente, de acordos da elite dirigente. Esses acordos substituíram a
ordem vigente para adotar uma nova configuração institucional, significativos
para o avanço de
nosso projeto civilizacional. Também conhecemos grandes
movimentos populares que se rebelaram contra a ordem vigente que oprimia o povo
e impulsionaram transformações e tomadas de posição de nossa nação como a
abolição da escravatura, a posição adotada pelo Brasil contra o fascismo na
segunda guerra mundial e a longa luta contra a ditadura militar de 1964.
A novidade é que depois da
ditadura instaurada em 1964, que mergulhou o país num longo período de recuo
social e cerceamento de debate, inclusive com a eliminação física dos seus
opositores, emergiu uma sólida resistência democrática e social que culminou
com um Congresso Constituinte e eleições diretas para coroar esse processo,
elaborando uma constituição democrática com garantias coletivas e individuais
que, agora sim, dariam continuidade, sob uma nova forma de governo, à
construção dos avanços civilizacionais aspirados por milhões de brasileiros que
condenam as imensas desigualdades que ainda dividem nossa sociedade e freiam
nosso desenvolvimento.
O que se viu no último domingo
foi a quebra de preceitos constitucionais. Um deles prevê harmonia e
independência entre os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. No caso, o
Poder Legislativo extrapolou o poder constitucional a ele conferido, qual seja
o de admitir processo somente por crime de responsabilidade da pessoa que ocupa
a Presidência da República. Indo além do estabelecido na Constituição Federal,
decidiu naquela votação que falta de popularidade ou qualquer outro argumento
estranho às previsões constitucionais poderiam se ruma alternativa para
substituir as eleições presidenciais de 2014,conferindo a si mesmo,na prática,
poderes de colégio eleitoral ilegítimo para constituir um novo presidente da
República não eleito pelo povo.
Além disso, esse processo toma
ares de “Teatro do Absurdo”, para usar expressão cunhada por Wagner Moura,
quando acontece sob o comando de Eduardo Cunha. Ele, contrariado com a negativa
da Presidenta Dilma Rousseff de participar de um acordo para barrar a cassação
de seu mandato, instaurou, por ato discricionário seu, o processo de
impeachment da Presidenta. Esse processo, se consumado, levará à Presidência da
República o atual vice-presidente Michel Temer do PMDB, que ato contínuo na
linha sucessória brasileira elevará a categoria de vice do Brasil nada menos do
que o próprio Eduardo Cunha, também do PMDB. Eduardo Cunha,para quem não sabe,
possui longa ficha corrida, com ocorrências nacionais e internacionais ainda
não julgadas, nem pela Comissão de Ética da Câmara, manobrada por ele mesmo,
nem pelo órgão guardião da constituição, o Supremo Tribunal Federal, que há 127
dias analisa pedido feito pela Procuradoria Geral da República de afastamento
de Eduardo Cunha.
O sentimento de dèjá vu vem das
razões alegadas por muitos com quem conversei sobre a ilegalidade do processo
contra a Presidenta. Aqueles que apoiam sua saída afirmam que mesmo que ela não
tenha cometido os crimes previstos para sua deposição existe a “necessidade de
controlar a inflação e recolocar o país nos trilhos” justificativa parecida,
senão idêntica,à usada pelos militares golpistas de 1964 para perpetrarem um
golpe com conivência do Congresso Nacional da época, a fim de depor o
Presidente João Goulart.
O fato é que uma quebra das
regras estabelecidas por nossa jovem, talvez adolescente, democracia, para
solucionar os novos e os velhos problemas de nossa sociedade, nos levará a um
caminho já conhecido e que nos causou profundos traumas num passado recente.
Milhares de brasileiros hoje se manifestam contra a Presidenta Dilma e outros a
favor. Isso é normal. Nas eleições de 2014 ela sagrou-se vencedora por pequena
diferença.
Nesse momento o que está em
jogo não é somente o mandato da Presidenta Dilma, nossa democracia está
ameaçada e por isso outros setores de nossa sociedade, inclusive aqueles que
não votaram nela, levantam-se para defendê-la, em nome da democracia.
Espero que Karl Marx esteja
certo quando diz que a história se repete primeiro como tragédia e pela segunda
vez como farsa, por que se 1964 foi uma farsa, não quero ver a tragédia que nos
espera.
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