Os neurônios dos impichadores emitem certezas dos
maníacos-obsessivos: todos os males se encerram com o fim deste governo.
Por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo,
na Carta Capital
Cosmopolitas desconectados do resto do
mundo, reapresentam as recomendações que comandavam as políticas sociais e
econômicas desde os anos 80 do século XX. Os remédios estão com a validade
vencida e a caducidade ocorreu ainda antes da Grande Recessão de 2008.
A polarização entre o individualismo
xenófobo de Donald Trump e o socialismo democrático de Bernie Sanders e as
manifestações contra a reforma trabalhista que tomaram as ruas na França
atormentam o mundo desenvolvido.
Esses desassossegos juntam-se aos escândalos
dos Panama Papers, outrora acobertados pela alcunha de “planejamento tributário”,
e às dificuldades em desatolar as economias da grana abundante desaguada nos
dutos do quantitative easing. São os acordes finais da sinfonia inspirada nos
arranjos melódicos do início dos anos 80.
A “reestruturação conservadora” preconizava
a redução de impostos para os ricos “poupadores” e a flexibilização dos
mercados de trabalho.
Os “reformistas” acusavam os sistemas de
tributação progressiva de desestimular a poupança e debilitar o impulso privado
ao investimento, enquanto os sindicatos teimavam em “prejudicar” os
trabalhadores ao pretender fixar a taxa de salário fora do preço de equilíbrio.
Nos mercados de bens, a palavra de ordem era
submeter as empresas à concorrência global, eliminando quaisquer políticas
deliberadas de fomento industrial.
A liberalização das contas de capital
permitiu arbitrar geograficamente salários, tributos, câmbio e juros,
desarticulando os nexos nacionais entre investimento, renda e demanda. A
desregulamentação dos mercados de capitais conferiu ao estelionato o status de
engenhosidade financeira, embuçado na forma de veículos estruturados de
financiamento.
A crise de 2008 emerge desse ambiente,
forçando aos já fragilizados Estados a digerirem ativos financeiros podres,
para desintoxicar o balanço dos bancos. Uma vez metabolizados, esses ativos se
converteram em dívida pública, impondo dificuldades adicionais à gestão da
política monetária e fiscal.
Os eufemismos da linguagem econômica não são
capazes de esconder do público o verdadeiro sentido de seus ditames: menos
segurança e direitos aos trabalhadores. Que os idosos trabalhem por mais
anos e recebam menos em sua aposentadoria.
Inviabilizar
os direitos universais de acesso a serviços públicos. Enquanto recomendam
esses “sacrifícios”, os bem fornidos fogem com suas polpudas poupanças para os
paraísos fiscais. Abstenção e impostos são para os pobres imobilizados nos
territórios nacionais.
No Brasil, os programas econômicos e sociais
dos impichadores permanecem aprisionados aos fracassos do passado, que fizeram
o Patropi despencar no ranking das economias industriais e retornar para a
condição de economia primário-exportadora, como o demonstra em seu último
artigo o economista Pierre Salama.
A indústria da transformação que em 1985
detinha participação de 21% do PIB, é reduzida para 17% do PIB, em 2003, e 11%,
em 2014.
As taxas reais de juro mais elevadas do
mundo durante quase todo esse período estão associadas à inserção internacional
da economia brasileira. Em 1994 a forte valorização cambial reduziu a inflação
mensal para a casa do 1%, porém ampliou o componente que correlaciona a
formação da taxa de juros com a expectativa de desvalorização do câmbio.
Assim, as taxas reais não podem ser
reduzidas abaixo de determinados limites exigidos pelos investidores para
adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca.
Não é de hoje que investidores individuais
nacionais operam como não residentes por meio de bancos em paraísos fiscais,
nos Mossack Fonseca da vida.
Enquanto engorda os retornos dos
“investidores”, a combinação entre juros elevados e câmbio corrói a indústria,
a industriosidade. O Brasil da desindustrialização reproduz a trajetória de
Père Goriot, o personagem de Balzac que vendeu a fábrica de massas para enriquecer
com a dívida pública.
Morreu arruinado em uma pensão na companhia
de Rastignac e Vautrin, depois de ser depenado pelas filhas seduzidas pela alta
sociedade parisiense.
A indústria brasileira afundou nos juros
elevados e no câmbio valorizado. Já a dívida bruta do setor público que em 94
representava 30% do PIB e, em 2003, alcança 58%, mesmo patamar apresentado em
2014, salta em 2015 para 66% do PIB.
O desempenho de superávits primários entre
1997 e 2014 foi incapaz de alterar essa dinâmica, fortemente influenciada pelas
despesas com juros da dívida pública, que saltam de 27 bilhões de reais, em
1994, para o patamar de 500 bilhões, em 2015.
Apesar da desarticulação do sistema
industrial, com repercussões extremamente danosas à nossa economia, as políticas
sociais dos últimos anos promoveram a melhora da qualidade de vida em parte
significativa da população. A renda média do trabalhador cresceu 14%, entre
1993 e 2002, e 58% de 2002 a 2014.
O Pnad calculava 22 milhões de indivíduos
extremamente pobres no Brasil em 1995. Esse número eleva-se para 26 milhões, em
2003, e cai para 8 milhões, em 2014. Em 1995, o número de pobres no Brasil era
de 51 milhões. Subiu para 61 milhões, em 2003, e caiu a 25 milhões, em 2014.
A sociedade brasileira não é mais a mesma.
Ainda que os espaços de informação e de formação da consciência coletiva
estejam ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e
controlados pela hegemonia das banalidades do discurso do dinheiro e dos
poderes da finança, os milhões que ascenderam socialmente nos últimos anos não
aceitarão retroceder pacificamente à posição em que estavam.
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