Marcelo
Mário de Melo* [foto]
O
Brasil tem uma forte tradição golpista, expressa sob a forma de ações e
pressões militares diretas ou em articulações parlamentares e
jurídico-políticas.
Com
um golpe militar tivemos a implantação da república no país. Depois da
Revolução de 30, Getúlio Vargasna presidência rasgou a constituição de 1934 e implantou
a ditadura do Estado Novo. Já decretada a anistia e marcadas as eleições, Vargas
foi deposto por um ultimato militar, articulado por forças políticas
conservadoras.
Veio
a Constituição de 1946 e foi eleito o retrógrado e repressivo Marechal Dutra,
ex-ministro da guerra de Vargas. Ocorreu pela primeira vez o registro legal do
Partido Comunista, que elegeu bancadas poderosas nos planos federal, estadual e
municipal,
multiplicou as sedes e ampliou a filiação em todo o país. No Recife,
entre 25 vereadores, 13 eram comunistas. Sendo o deputado federal mais votado
entre as forças de esquerda e o segundo no plano geral, Gregório Bezerra
despontava como o mais forte candidato à Prefeitura do Recife. Nas eleições a
governador Pelópidas Silveira, candidato pela legenda do PC, fora vitorioso na
capital, perdendo com o somatório dos votos do interior. O Fenômeno era comum a
outros estados. Uma articulação golpista no parlamento providenciou a aprovação
das “áreas de segurança nacional”, cidades litorâneas ou fronteiriças, onde não
haveria eleição para prefeito, que passaria a ser nomeado. A democracia
burguesa brasileira inaugurava os prefeitos biônicos.Somente em 1955 o Recife
recuperou a autonomia municipal, elegendo prefeito o engenheiro Pelópidas
Silveira.
Em
1947, em articulação golpista junto ao Superior Tribunal Eleitoral, o registro
do PC é cassado numa votação de 3 a 2, sendo as suas sedes invadidas e
depredadas por forças policiais. Paralelamente, Dutra proíbe,em todo o país, as
comemorações do Dia do Trabalho, a existência de uma articulação sindical de
âmbito nacionalque se formara, e suas congêneres estaduais.Determina ao
Ministério do Trabalho a cassação do registro de inúmeros sindicatos e muitasintervenções.
Desenvolve-se uma intensa repressão policial ao movimento sindical e a
manifestações de rua, com ocorrência de mortes.O passo seguinte é a cassação,
um a um, dos mandatos dos vereadores, deputados estaduais, deputados federais e
senadores comunistas, em manobra golpista no parlamento.
O
governo Dutra foi exemplar, quando ao exercício do golpismo com cobertura
legal. Só em 1958, no governo de JK e mediante julgamento de recurso que se
arrastava no Supremo Tribunal Federal, caem as prisões preventivas contra os
comunistas. Então Luiz Carlos Prestes e muitos outros comunistas brasileiros
podem sair da rigorosa clandestinidade em que se encontravam, conservando-se a
ilegalidade do PC.
Em
1950 Vargas é eleito presidente. O seu Ministro do Trabalho, João Goulart,
decreta um aumento de 100% do salário mínimo, correspondente à inflação do
período. Em articulação com empresários e políticos da União Democrática
Nacional – UDN, circula um manifesto assinado por coronéis do exercito,exigindo
a revogaçãodo decreto e a exoneração do ministro. Jango renuncia e Getúlio
mantém o decreto.
Além da criação da Petrobrás e da Eletrobrás, Vargas
havia fortalecido a siderurgia nacional com as empresas estatais de Furnas e
Volta Redonda, contrariando interesses do capital estrangeiros e seus aliados
nacionais. Também conseguiraaprovar no parlamento, por maioria apertada, a Lei
de Remessa de Lucros das companhias estrangeiras, faltando o decreto que a
regulamentasse, para que entrasse em vigor. É aí que entra em cena a campanha
contra o “mar de lama”, comandada por Carlos Lacerda, vigoroso defensor dos
interesses econômicos norte-americanos, contando com o apoio fervoroso da
grande imprensa. O atentado contra Lacerda, comandado pelo chefe da segurança
de Vargas, à sua revelia, que resultou na morte do Major Vaz, guarda-costas
lacerdista, mobiliza a pressão militar pela renúncia de Vargas, que termina se
suicidando sem assinar o decreto da Lei de Remessa de Lucros. No manobrismo
golpista se incluiu a não entrega da arma de Lacerda para a perícia no inquérito
policial. Depois, um amigo revela a sua confidência sobre a possibilidade de o
tiro que atingiu o major Vaz poder ter saído da sua arma.
Eleito presidente
Juscelino Kubitschek, com João Goulart na vice, começa a se
desenhar um golpe de
estado para impedir a sua posse, novamente sob as ordens de
Carlos Lacerda, junto ao
Almirante Pena Botto e outros militares de direita. O processo
é abortado com o
contragolpe de 11 de novembro, comandado pelo Marechal
Henrique Teixeira Lott,
que na condição de Ministro da Guerra demissionário, põe
as tropas em ação e neutraliza
os golpistas, ordenando o bombardeio do
submarino em que
fugiram Carlos Lacerda, Penna Botto e
outros.O país passou três
meses em estado de
sítio, aprovado no parlamento, para assegurar a posse de
Juscelino e Jango em
1955. Ainda no governo de JK houve dois levantes militares de
pequeno porte, nas
bases aéreas de Jacareacanga e Aragarças.
Com
a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, os três ministros militares
lançam um manifesto vetando a posse do vice-presidente, João Goulart, eleito
pelo voto direto, como era a norma na época. Desencadeia-se um clima de golpe
militar em todo o país, com prisões, invasões de entidades, censura à imprensa
e tropas na rua para reprimir a Campanha da Legalidade, que se desenvolve sob a
liderança de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, que lançou o slogan:
“Não daremos o primeiro tiro, mas o segundo e o último”. O resultado foi a
posse de Jango mediante a provação do sistema parlamentarista, com o Congresso
cercado por tropas. O plebiscito de 1963 aprovou o retorno do presidencialismo.
Na
conta-corrente da esquerda, contabilize-se na página do golpismo o levante dos
sargentos em Brasília, no governo de Jango, sob a bandeira das reformas de base,
com ocupação de órgãos públicos, troca de tiros e a morte de um oficial.
O
golpe de 1964 e a ditadura que implantou compõem uma história conhecida, que
dispensa maiores explicações.Restos de ditadura ainda persistem, infectando as
instituições republicanas no Brasil. E persiste, também, com poder de
Chicungunha eherança arraigada anterior a 1964,o espírito golpista, a tendência a se impor recorrendo a manobras e
medidas cerceadoras no âmbito do parlamento e do judiciário, em desrespeito à legitimação
dada pela vontade popular expressa no voto.
Os
mosquitos da ChicungunhaGolpista permanecem atuantes na república brasileira. Dissimulando
os interesses econômicos e em manto de moralidade, estão especialmente enfurecidos
e mobilizados no momento político atual. O que exige o uso regular de repelente
e álcool gel e uma redobrada atenção no trânsito: não dobrar à direita.
*Jornalista
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