Adalberto Monteiro*, no Blog do
Renato
Em
2 de dezembro de 2015, o PT anunciou o voto de seus parlamentares contra
Eduardo Cunha no Conselho de Ética. Nesse dia, mesmo a grande mídia estampou
manchetes, segundo as quais, “por vingança”, Cunha havia aceitado o pedido de impeachment contra a presidenta Dilma. Em seguida,
no dia 16, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao
Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação cautelar requerendo que o presidente da
Câmara fosse afastado da presidência da Câmara e também do mandato.
De lá para cá, o STF ficou deitado em berço
confortável e esplêndido, embora as ruas esgoelassem, embora juristas e
advogados bradassem, embora a consciência democrática da Nação até implorasse,
para que o Supremo, em socorro à Constituição, detivesse o arrogante “delinquente”,
conforme o termo usado pela própria Procuradoria-Geral da República.
O delinquente fez uma barganha com o traidor
Michel Temer e o golpista Aécio Neves. Cunha desencadearia o impeachment,
se vingaria do PT e, para além disso, teria em troca a proteção de Temer e
Aécio contra as garras da Lei e do Conselho de Ética. Michel Temer se tornaria
presidente sem um único voto. E Aécio, o PSDB teria um quinhão no futuro
governo.
Passou-se um mês. Passaram-se dois, passaram-se
três, quatro, quase 5 meses, e o STF nada fez.
O povo, os trabalhadores, as forças da democracia,
os partidários do Estado Democrático de Direito fizeram e fazem sua parte. O
STF optou pelo silêncio. Lavou as mãos.
Tendo o Supremo cruzado os braços, Cunha, em
nítido crime de desvio de poder, usou seu cargo para se proteger e comandou com
arrogância o processo de um impeachment fraudulento contra a presidenta Dilma
Rousseff. Processo vitorioso na infame sessão do dia 17 de abril.
Ontem, 5 de maio, por unanimidade, o STF suspendeu
Cunha do posto e do mandato.
A opinião pública indaga: Se Cunha é tudo isso que
vossas excelências afirmam – e de fato ele é, e muito mais –, por que demoraram
tanto? Por que não fizeram aquilo que a Constituição lhes ordena?
“O tempo da Justiça não é o tempo da
política e nem o tempo da mídia. Tem ritos, procedimentos e prazos que
temos que observar”, ponderou o honrado presidente do STF, ministro
Lewandovski.
O ministro da Justiça Eugênio Aragão, que é membro
do Ministério Público Federal, também lastimou a decisão tardia do STF. Mas
justificou a demora de mil séculos do ministro Teori Zavaski. Aragão argumentou
que o ministro Teori só poderia levar a matéria a voto quando tivesse certeza
de que seria apoiado pela maioria de seus pares. Por esse raciocínio se
pedisse o afastamento e perdesse, fortaleceria Cunha em vez de ceifar a erva
daninha.
Desse modo, se conclui que o tempo da Justiça,
desafortunadamente, pode se prestar a favorecer a injustiça. A primeira mulher
presidenta do Brasil, honrada, proba, que não cometeu nenhum crime de
responsabilidade, juntamente com a democracia, estão sendo golpeados, 54
milhões de votos estão sendo incinerados, e a Justiça por conta do relógio que
a rege não pode fazer nada.
Só se formou maioria no Supremo, no caso
unanimidade, quando o golpe está a dois passos de ser consumado: votação da
admissibilidade pelo Plenário do Senado e o julgamento. A maioria somente se
somou quando se tornou conveniente para o êxito da trama golpista.
Só se gestou a maioria quando os veículos de
comunicação informam que Michel Temer – que até ontem jantava com Cunha para
recompensá-lo com ministério e cargos pelos serviços prestados – agora estaria
aliviado, pois Cunha como o primeiro da linha sucessória seria um inconveniente
dos diabos.
A decisão é tardia, mas como disse a presidenta
Dilma Rousseff, antes “tarde do que nunca”.
Mesmo tardia, a decisão é reveladora e com sérias
implicações.
É reveladora, é pedagógica para a opinião pública.
Um “delinquente” – repitimos, expressão da Procuradoria-Geral da República –
conduziu o processo de impeachment.
Vem as implicações. Ora, isto não comprova que o
processo de impeachment é várias vezes ilegítimo? Ilegítimo porque nasceu por
um ato de vingança de um “delinquente” enlaçado com uma barganha com os
golpistas Michel Temer e Aécio Neves. Ilegítimo porque todo processo na Câmara
foi conduzido por ele; ilegítimo, porque não há crime de responsabilidade
contra a presidenta Dilma.
Embora tardia, a suspensão de Cunha provoca
contradições no âmbito dos golpistas. Conseguirá Michel Temer oferecer ao “rei”
destronado alguma compensação, impedir a cassação dele, por exemplo?
O que acontecerá com a base parlamentar do governo
ilegítimo de Temer sem as rédeas curtas de Cunha?
Um fantasma ronda o Jaburu e, na semana próxima,
rondará o Palácio do Planalto. Esse fantasma é a especulada delação premiada de
Cunha. Temer terá paz diante da sombra desse ser das trevas?
E o STF como reagirá caso a defesa da presidenta Dilma
requeira a nulidade dos atos de Cunha?
Ou fazendo a pergunta de outro modo: Quando os
ponteiros do relógio do Supremo irão se sincronizar com a necessidade
imperativa de se fazer valer a Constituição?
Os dias irão nos responder.
*Adalberto
Monteiro é jornalista, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e
editor da revista Princípios.
Leia mais sobre temas
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