Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo
Michel Temer só anda em marcha a ré,
nos recuos diários, mas outros avançam por ele. Avançam nos direitos alheios,
avançam contra princípios e leis, avançam nos truques, malandragens e golpinhos
em benefício próprio ou do seu grupo.
As notícias de que a dúvida assedia senadores pró-impeachment alarmaram parte da imprensa, que
voltou ao ataque a Dilma, e levaram à criação de novos golpinhos pelos
governistas. Encurtar o prazo do processo no Senado, como
pretendido por Michel Temer, é um casuísmo indecente. E indicativo de que o
governo prevê estar incapaz, em setembro, de se aguentar.
Na mesma linha é a atitude do relator
Antonio Anastasia, comandado de Aécio Neves (PSDB-MG), que rejeitou a inclusão, nos elementos de defesa,
das gravações e delação de Sérgio Machado. Seriam "estranhas ao objeto
deste processo", diz ele. Trata-se de processo de impeachment e as falas
gravadas tratam, em grande parte, do impeachment. Há toda a pertinência em
figurarem na acusação ou na defesa. A recusa de Antonio Anastasia é uma
arbitrariedade, pessoal e processual, e restringe o direito de defesa. Em
linguagem mais à altura anã da atitude, é um golpe baixo.
"Eu acho" é o verbo e o tempo
verbal mais apreciados pelos brasileiros. Serve para muito mais do que expor
opinião. "Eu acho que tem que ser assim" é definitivo, não opina. E
assim aparece em muitas das frases de Romero Jucá (PMDB-RR) que propõem
"um pacto" para "delimitar" a Lava Jato "até
aqui", e sustar no ponto em que está "a sangria" do meio
político.
No Senado articula-se, porém, a
limitação de "achar" ao sentido de opinião, para derrubar o pedido de Conselho de Ética para Jucá.
Ambos também do PMDB, o presidente do Conselho, João Alberto Souza (MA), e
Renan Calheiros (AL) são os patronos da nova lexicologia. Por "achar"
que Nestor Cerveró devia fugir, uma fuga que não resultaria em
"delimitação" da Lava Jato, Delcídio do Amaral foi cassado pela
unanimidade do Conselho de Ética.
A propósito de Romero Jucá, a Lava
Jato, rápida na prisão de Delcídio, não se distingue muito do Senado. Mas tem
novidades próprias, em uma de suas especialidades. Condicionar o acordo de
delação premiada de Marcelo Odebrecht à disposição do seu pai de "também
falar" é uma forma brutal de coerção. O envolvimento de familiares é um
método muito ao gosto das ditaduras, e foi prática comum na ditadura militar.
Não é necessário invocar a Alemanha nazista, portanto, para atestar a
indignidade desse método.
Por sua recusa, até há pouco, a admitir
a delação premiada, Marcelo Odebrecht é mantido preso há um ano. Pode-se
compreender que a Lava Jato queira ouvir também o ex-presidente Emílio,
responsável pelos maiores saltos de crescimento e capacitação do grupo
empresarial, hoje operando em muitos países. Mas, para ouvi-lo, pôr em suas
mãos a liberdade ou a prisão do próprio filho, é moralmente inadmissível.
A outra novidade não está no método, já
conhecido. Está em sua persistência, já com mais de dois anos. O possível
acordo de delação premiada do presidente da OAS foi suspenso porque Léo Pinheiro nega qualquer papel de Lula na reforma do apartamento e nas obras
do sítio. Estas, pedidas por Paulo Okamotto, e aquela decidida pela
empreiteira, sem que houvesse venda. Ou Léo Pinheiro diz o esperado pelos
interrogadores ou não haverá delação premiada, porque a Lava Jato não crê no
que está dito. Se, contudo, há descrença, é uma razão a mais para investigar –o
que a Lava Jato pouco faz ou nem faz– e não para coerção.
Como complemento desse ambiente que
começa no Congresso e termina na arbitrariedade ou na cadeia, o ministro da
Transparência, Torquato Jardim,diz esperar dos funcionários que não apoiem o governo de
Temer "a dignidade de pedir suas exonerações". O ministro
talvez não saiba que os servidores públicos federais são da União, não dos
governos. Alheios à versão Temer: ame-o ou deixe o emprego.
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