Marcio
Pochmann*, no Vermelho
Descrito na primeira
metade do século passado como o país do futuro, o Brasil passou a ser
identificado por alguns neoliberais como o de passado incerto. Em função disso,
a perspectiva do austríaco Stefan Zweig apresentada em 1941 sobre o país do futuro
por causa do vigor de suas transformações e a diversidade do seu porvir estaria
colocada em dúvida.
Mas
Stefan Zweig não estaria errado, posto que entre os anos de 1890 e 1980, por
exemplo, o Brasil foi o segundo país que mais cresceu no mundo. Somente nas
três décadas após a Segunda Guerra Mundial, a economia brasileira registrou
desempenho comparável à China atual.
Com
todo este desempenho, a aposta no futuro brilhante para um país com dimensão
continental, riqueza natural e povo dinâmico e promissor seria certeira. Tudo
isso, ainda que indispensável, não parece ter sido suficiente, especialmente
para os neoliberais que seguem desacreditando nos brasileiros.
Destaca-se,
por exemplo, que famílias como as de Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda de
Dilma) e de Ilan Goldfajn (presidente atual do Banco Central) seguem residindo
fora do Brasil. Nada mais similar à aristocracia cafeeira do século 19 que
adorava ter residência na Europa, embora tendo riqueza que a financiava gerada
pelo trabalho escravo no Brasil.
Como
se sabe, a atual ascensão ilegítima do provisório governo Temer resultou
justamente da perspectiva de que tudo está errado no Brasil. A perspectiva do
colonizado pela descrença generalizada no poder transformador do povo local
segue alimentando parte importante da elite nacional, capaz de contaminar a
sociedade do que o bom mesmo se encontra fora do País.
Assim,
o Ministério das Relações Exteriores passa atualmente a abandonar o sentido da
soberania nacional, promovendo rapidamente a subordinação e passivação junto
aos interesses estrangeiros dominantes. O governo Temer manifesta-se também
favorável à venda das empresas públicas ao setor privado, sobretudo
internacional.
Nesta
toada, o ouro da coroa, como a Petrobras, Eletrobrás e outras, irão junto com a
água suja da corrupção. Por causa disso, indicações de expoentes do governo
Fernando Henrique Cardoso, como Gustavo Loyola e Pedro Malan, que bradavam nos
anos 1990 de que no Brasil até o passado é incerto, têm sido recuperadas por
jornalistas entreguistas e políticos neoliberais para sustentar o seu
descrédito no futuro do Brasil.
O
desfazimento do passado deve vir logo, anunciando e confirmando recorrentemente
que os governos liderados pelo PT desde 2003 foram trágicos para o país.
Ademais, a própria Constituição de 1988 não mais poderia se manter ativa e
altiva.
O
retorno ao século 19 se faria necessário, quando a sociedade dos dois terços
era a ideal, segundo a perspectiva das velhas elites da época. Como somente um
terço da sociedade cabia no orçamento público, era isso o possível para o
Brasil do passado.
O
atual erro do PT teria sido insistir na inclusão de toda a sociedade no
orçamento público, o que levou, em contrapartida, ao encurtamento do espaço
fiscal para a cobertura plena dos interesses dos ricos. No ajuste fiscal do
governo Temer, as despesas primárias, ou seja, aquelas como a saúde pública, o
Sistema Único de Saúde, a Previdência e Assistência Social e outras deverão
reduzir a sua participação relativa à evolução do Produto Interno Bruto, pois
não poderão ter crescimento acima da inflação passada.
O
mesmo não correrá em relação às despesas financeiras, aquelas que alimentam a
renda dos ricos, na forma dos juros da dívida pública. Estas seguirão livres
para crescerem acima da inflação, ocupando mais espaço fiscal no orçamento
público.
Somente
os gastos financeiros absorvem nos dias de hoje quase a metade de todo o
orçamento do governo federal. Mas para os defensores do passado incerto, do
país que não deu certo, os problemas são as despesas públicas com o povo na
educação, saúde, aposentadoria.
* Professor do Instituto de Economia e
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit),
ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
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