Paulo Moreira Leite, em seu blog
As pesquisas dos últimos dias mostram que mesmo
incluindo o esforço para levar o filho de 8 anos na escola, o baú de truques
banais para tentar elevar a popularidade de Michel Temer a qualquer preço está
chegando ao fim. Com números arrasadores, o Ipsos e o Paraná Pesquisas mostram
uma verdade inegável. Quanto mais a população conhece o governo Temer, mais o
rejeita.
Temer
sempre foi um político ruim de votos e é claro que isso quer dizer muita coisa
numa democracia. Coisas ruins, em geral. Fez a carreira política beneficiado
pela presença em aparelhos que lhe garantiam a eleição em pleitos
parlamentares, invisível e opaco num máquina de cabos eleitorais profissionais,
prefeitos, governadores e empresários amigos que garantiam votos anônimos,
inexpressivos e difíceis que são assegurados hoje para serem esquecidos amanhã.
Tudo aquilo que a maioria da população rejeita e condena.
Cresceu
na fase sem glória e sem moral do velho PMDB que foi a legenda honrada de
Ulysses Guimarães e da luta contra a ditadura. Ganhou importância quando
gerenciava – o termo é este – uma força sem importância para o povo, apenas
para os interesses de uma maioria arrasadora de amebas profissionais.
Protegido
pela opacidade de quem nunca sentiu necessidade de revelar uma ideia, um
projeto, Michel Temer se desfaz dia após dias, há dois meses, desde que, sob os
holofotes da presidência, precisa dizer a que veio e enfrentar a hora da
verdade. Nessa circunstância inevitável, exibe um programa de anti-Brasil. A
essência do seu problema é política.
Ele
chegou ao Planalto a bordo de um golpe parlamentar, uma suspensão temporária do
Estado Democrático de Direito, destinada a permitir a aplicação de medidas de
exceção de caráter cirúrgico, que devem ser limitadas no tempo e na
profundidade, pois não há condições políticas para ir além disso.
Desde
o primeiro dia, contudo, o governo Temer busca mudanças de outro caráter, que
mesmo governadores eleitos, em disputas legítimas e inquestionáveis, teriam
dificuldade de realizar. Em países com o perfil sócio-econômico semelhante ao
nosso, é mais frequente em ditaduras escancaradas – e não nas envergonhadas.
Ainda
que tenham sido inspirados em Margaret Thatcher e Ronald Reagan, as versões
sul-americanas mais conhecidas de criação de um Estado mínimo exibidas pelo
governo Temer só conseguiram avançar em suas pretensões através da ditadura, da
tortura e da violência, da supressão das garantias democráticas. Você sabe de
quem estamos falando: Augusto Pinochet, que destruiu no Chile o mais avançado
estado de bem-estar social do continente; e Alberto Fujimori, que arrancou a
raiz das primeiras iniciativas que vinham sendo construídas nessa
direção.
Pinochet
chegou a La Moneda pelo sangue de um golpe que se tornou uma vergonha mundial
desde o primeiro dia - como tantos exilados brasileiros conheceram na própria
carne. Fujimori foi eleito e, após uma série de movimentos demagógicos, cavou
terreno para um golpe institucional, origem de uma ditadura corrupta e violenta
que seria derrubada com auxílio da Casa Branca, com receio de que o caráter
temerário de seu governo levasse a uma situação fora de controle, ameaçando a
estabilidade conveniente aos investimentos no país. Nos momentos de megalomania,
seus aliados falavam que a "fujimorização" poderia ser uma entendia
na América Latina.
Pinochet
foi ditador por 17 anos. Fujimori, tudo somado, ficou dez.
Antes
disso, porém, ambos tiveram direito a pequenos minutos de glória, permitida a
partir de princípios mais flexíveis do que se imagina por parte de quem tinha o
dever de negar apoio e consideração. Pinochet foi tratado por Tatcher com
honras de aliado preferencial, protegido inclusive no momento em que, deposto,
teve de encarar um mandato de prisão por tortura e morte assassinado pelo
procurador espanhol Baltazar Garzón.
Ainda
em seu posto, Fujimori estufou o peito, em Lima, na cerimônia em que Fernando
Henrique Cardoso lhe entregou a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta
condecoração do Estado brasileiro.
A
impopularidade de Temer é recorde pelo prazo mas sua origem é o conteúdo.
Trata-se de um programa que jamais teria votos da maioria dos brasileiros para
chegar ao Planalto. De caráter socialmente excludente, colonial em sua
essência, a rejeição era só uma questão de tempo.
Por
mais que a mídia grande tenha feito o possível para esconder a natureza
perversa do processo em curso, numa manipulação de informações coerente com um
processo que o Prêmio Nobel da Paz Perez Esquivel chamou de golpe branco, a
população já compreendeu o sentido do espetáculo. Diariamente, descaradamente,
seus benefícios são reduzidos. Conquistas de tempos recentes recentes são
ameaçadas – quando não foram suspensas de imediato. Não há nenhuma boa notícia
para quem é pobre, dá duro no fim do mês para pagar contas e educar os filhos.
A lista é tão longa que o risco de esquecer alguma coisa é real.
O
projeto que limita o endividamento do governo é um programa de recessão
permanente. A reforma na Previdência é uma ofensa. A mudança no Minha Casa
Minha Vida é um escárnio. A base para cortes no Bolsa Família é uma mentira. O
ataque a Petrobras é um crime. O retrocesso na educação é um recuo histórico. O
programa de destruição da CLT envergonha qualquer cidadão com orgulho do 13 de
maio de 1888.
Nos
terroristas de Alexandre Moraes, na suspensão do Whatsapp, no projeto de
suspensão de garantias democráticas do Ministério Público, medidas autoritárias
ameaçam chegar a vida real. O nome adequado para o financiamento politicamente
dirigido a portais da internet é aparelhamento.
Nefasto
por sua própria natureza, o golpe de abril-maio é um desses desafios imensos
que o povo de um país está condenado a vencer, de uma forma ou de outra. Se a
história conta uma lição é ensinar que cedo ou tarde a maioria consegue impor
seus direitos, por mais obstáculos que encontre no caminho.
No
Brasil de 2016, a opção mais civilizada e menos traumática também é a mais
curta, obviamente. Reside na votação do Senado, que pode transformar o pesadelo
dos últimos dois meses num episódio grave mas passageiro. Bastam os votos
necessários para derrotar o golpe, abrindo caminho para um plebiscito que
poderá realizar aquilo que a quase totalidade da população deseja - a
realização de novas eleições presidenciais. Para além de tramas menores de
balcão, disponíveis em qualquer lado, a base dessa decisão será a convicção,
por parte de um número razoável de senadores, de que é impossível ignorar que
mesmo direitos e prerrogativas de representantes do voto popular estão em jogo
num processo que abre caminho a medidas de exceção que ninguém sabe aonde vão
terminar.
A
hipótese de uma derrota da democracia no Senado é lamentável, deve-se admitir.
Seu efeito seria transformar a resistência num processo mais duro e doloroso,
ainda que inevitável. Mas, ao contrário do que dizia a filosofia amiga de
Pinochet e Fujimori, não há fim da história. Ela sempre pertence ao povo que,
nas pesquisas sem truque, já disse com clareza o que pensa de Michel Temer e
seu governo.
*Paulo Moreira Leite é jornalista e editor do
Brasil 247
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