Por
Haroldo Lima*, no portal Vermelho
Quando
tudo já tinha acontecido, quando toda a beleza estética já se exibira e a
diversidade étnica e cultural fizera sua festa, na memorável “abertura” da
Olimpíada no Maracanã, quando as mensagens ecológicas já tinham se espraiado e
a estrondosa vaia contra o intruso Temer já fora escutada, eis que um grito de
guerra ecoa no grande estádio: “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito
amor”. Era o sinal de que o espetáculo tinha sido aprovado e o povo estava de
pé.
Mas,
por que a multidão, presente na arena histórica e fora dela, tanto se empolgou?
Sem dúvida o gigantismo do espetáculo, a magia das cores esfuziantes, dos
ritmos, fogos, sons, efeitos especiais, as bandeiras em desfile e o desfile de
atletas festejados, tudo realçava a capacidade nativa de realizar coisas belas
e grandiosas e enchia a todos de orgulho. Mas não foi só isso.
É que
predominou, na noite serena da solenidade festiva, o jeito brasileiro de ver as
coisas, e duas mensagens, radicalmente progressistas, foram enviadas ao mundo:
a de que é possível e bom “celebrar as semelhanças e, principalmente, as
diferenças”, como disse a apresentadora Regina Casé, e a de que é preciso
preocupar-se com a vida, com o meio ambiente e com o planeta que nos agasalha.
Sim, não foi apenas o tamanho da festa que nos empolgou, foi o que a festa
conseguiu transmitir aos povos ali representados, especialmente que a beleza e
a alegria são filhas da diversidade, e que a mistura que se respeita e busca
melhorias, sem esmagar seus componentes, tem uma força inestimável.
Esses
pensamentos eram confirmados com o espírito olímpico da cerimônia. As
diferenças culturais e étnicas apareciam com as delegações, heterogêneas no
vestir, no falar, na cor da pele, mas homogêneas, através do esporte, na
igualdade das oportunidades, dos direitos, deveres, poderes e sonhos.
A
história de nosso país foi referida em seus grandes marcos, embora não contada
no desenrolar de suas contradições. Mas lá estavam, a floresta e seu povo,
nossos índios. As caravelas chegando com os portugueses. Os negros e o trabalho
escravo. Os árabes, os japoneses e outras levas de imigrantes. Depois, a
urbanização, a formação das cidades, o labor dos que a criaram, em meio aos
riscos e infortúnios cantados na “Construção” de Chico Buarque.
A
criatividade do povo mestiço que assim surgiu foi retratada, talvez no engenho
mais expressivo inventado por um brasileiro, o “14 Bis” de Santos Dumont, que
revolucionou os tempos e que, mais de um século depois de sobrevoar Paris, saiu
voando de novo, com seu inventor e tudo, agora, de noite, sobre as paragens
resplandecentes da Cidade Maravilhosa.
Lá
estava a graça da Gisele Bündchen, a nova garota de Ipanema, sumamente esguia e
simpática, desfilando como uma garça por entre as curvas exóticas de Niemeyer.
E Paulinho da Viola, e Jorge Ben Jor, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Anitta,
Zeca Pagodinho, Elza Soares e outros, e as vozes milimetricamente cadenciadas
de Fernanda Montenegro e Judi Dench, recitando Carlos Drummond de Andrade.
O
apelo ecológico foi posto com ênfase e sementes de árvores foram distribuídas e
plantadas. Nunca aconteceu isto em abertura de Olimpíada. E o verde apareceu de
repente conformando os cinco arcos entrelaçados da conhecida marca da
Olimpíada.
Na
reta final, quando a tocha peregrina entrou no estádio repleto, ainda
apareceram Gustavo Kuerten,o Guga, sorrindo e chorando, e Hortência Marcari,
ícone do basquete mundial, e Vandarlei Cordeiro de Lima, o maratonista retirado
à força na hora da vitória na Olimpíada de Atenas em 2004, que foi quem acendeu
a pira olímpica.
Mas o
respeito às diferenças não significava passividade no enfrentamento dos
agravos, insultos e tramóias. Tanto sim que, quando a multidão conseguiu
vislumbrar quem sorrateiramente usava da palavra sem se identificar, de imediato
prorrompeu em sonora vaia contra o intruso, que era o chefe do golpe de estado
em andamento no país, o atual presidente ilegítimo dos brasileiros, Michel
Temer.
Aquela
abertura da Olimpíada, naquela noite de 05 de agosto passado, no Maracanã, pelo
jeito como foi feita, serviu para “lavar a alma” dos brasileiros, como diz
nosso povo. Porque vivemos momentos ruins.
Nos
últimos tempos, uma maré montante de atraso e obscurantismo cresceu, e seus
partícipes assentaram-se no Congresso, invadiram tribunais, aboletaram-se no
comando da grande mídia. Claro que não conseguiram tudo, sobraram as exceções.
Mas o predomínio foi do atraso, da farsa, da hipocrisia, da mentira.
Um
surto corrupto foi desmascarado e logo usado como pretexto para justificar a
política do atraso, proteger corruptos amigos, supostamente para atacar
corruptos adversários. A mentira, acobertada por maiorias circunstanciais de
comissões e plenários, foi esculpida e apresentada como resultado de discussões
sérias, e contudo era embuste, ardilosamente preparado para golpear as
instituições, tirar proveito político, proteger corruptos amigos e afastar uma
presidenta eleita.
No
desenvolvimento de tanta impostura, foi-se levando trabalhadores e pessoas
honestas a caírem na defensiva, intimidados.Empresas como a Petrobras foram
postas em suspeição. A engenharia nacional foi quase toda desfeita, abrindo
caminho para as grandes empresas estrangeiras.
A
atividade política, por onde o povo exercita a democracia, foi sendo
criminalizada e os políticos sérios ameaçados de terem que sair da política,
posto que a mídia divulga incessantemente que a política é antro de criminosos.
E, contudo, são os criminosos que estão mandando e tomando de assalto o Poder
da República.
O
ambiente é cinzento. Depois de derrotar uma ditadura militar, às vezes de armas
nas mãos, o povo sente agora a ameaça de uma ditadura togada e se lembra de um
dos construtores da República, o grande baiano Rui Barbosa: “A pior ditadura é
a ditadura do Poder Judiciário”, disse Rui. E se essa é a pior ditadura, seus
agentes se locupletam: procuradores assumem um poder descomunal, assentados em
salários extraordinários, com as exceções de praxe. O Supremo manobra e ante um
país financeiramente quebrado consegue, sem discussão prévia, um aumento
salarial incomparavelmente superior ao de um trabalhador comum.
Para
deixar mais desguarnecido o povo e mais abertos os caminhos da manipulação e do
despotismo, a frente reacionária, com a mídia no posto avançado, faz tudo para
desmoralizar a nacionalidade, divulgando que aqui nada dá certo, disseminando o
pessimismo, o negativismo, e o denuncismo. E bota lá em baixo a auto-estima do
brasileiro.
É
nesse quadro que ocorre a abertura da Olimpíada, à margem da orientação do
Governo ilegítimo.
Algumas
ausências foram sentidas. Lá não estava Lula, responsável principal pela vinda
da Olimpíada para o Rio. Lá não estava Dilma, a presidenta eleita, sitiada em
Brasília, em cujo governo a Olimpíada foi praticamente construída. Lá não
estavam, porque o ambiente não permitia.
Mas a
presença do representante máximo do golpe que está truncando a democracia
brasileira não pode ser anunciada, foi ocultada, e quando ele, ousadamente,
resolveu dizer duas frases, não as concluiu, foi vaiado estrepitosamente e teve
que se esconder.
E foi
aí que o povo em uníssono bradou: “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito
amor”.
*Haroldo Lima é do Comitê Central
do PCdoB.
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