17 outubro 2016

Ciência brasileira

Gigante brasileiro

Pesquisadores anunciam a descoberta do maior dinossauro brasileiro, com 25 metros de comprimento. Em sua coluna, Alexander Kellner relata detalhes do estudo, do qual participou.

Alexander Kellner*, Ciência Hoje

Vinte e cinco metros. Essa era a extensão do titanossauro Austroposeidon magnificus, encontrado nas cercanias da cidade de Presidente Prudente, no estado de São Paulo, em 1953, mas cuja descrição vem a público apenas hoje (5/10), mais de 60 anos depois – coloque em perspectiva: o que são seis décadas para um animal com idade estimada em 70 milhões de anos? O trabalho, liderado pela paleontóloga Kamila Bandeira, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e que contou com a participação do colunista que vos escreve, foi publicado na PLoS One. Um delírio para os apaixonados pelos gigantes da pré-história!
Os dinossauros dominaram a terra firme durante a maior parte da Era Mesozoica: seus registros mais antigos são provenientes de rochas formadas há aproximadamente 230 milhões de anos e o último dinossauro não-aviano foi descoberto em camadas depositadas há cerca de 66 milhões de anos. Nesse período, eles se adaptaram para os mais distintos ambientes, tendo vivido em todos os continentes, incluindo a Antártica.
Ao longo do tempo, esses répteis se diversificaram de forma surpreendente. Por exemplo, aprenderam a voar – como no caso dos microraptores (grupo extinto que usava braços e pernas como asas) e das próprias aves, que são consideradas dinossauros modificados e sobreviveram até os dias atuais. Porém, no imaginário popular, o que faz sucesso mesmo é o grande porte de alguns grupos de dinossauros. Os titanossauros são um exemplo. Alguns deles são considerados os maiores animais que jamais caminharam sobre nosso planeta! Esses répteis gigantes simbolizam o que a maioria das pessoas pensa quando o assunto é dinossauro: corpo volumoso, pescoço e cauda bem compridos e a cabeça comparativamente pequena.
Os titanossauros dominaram todo o supercontinente Gondwana, que, no passado geológico, reunia as massas continentais que hoje formam América do Sul, África, Índia, Antártica e Austrália. A. magnificus tinha parentes, por exemplo, na vizinha Argentina, como oFutalognkosaurus e o Mendozasaurus, que também eram gigantes.
No Brasil, já foram descritas cerca de uma dezena de espécies de titanossauros, mas nenhuma delas poderia se enquadrar na categoria dos gigantes. Antes de A. magnificus, o maior titanossauro brasileiro conhecido era Maxakalisaurus topai,  apelidado de dinoprata: com os seus 13 metros, foi o primeiro dinossauro de grande porte a ser montado no Brasil, em 2006 (completando uma década!), e está exposto até hoje no Museu Nacional.
História e descoberta - Se, por um lado, as dimensões do “novo” dinossauro podem fazer o queixo de muita gente cair – vale olhar a ilustração que compara o A. magnificus a outros dinossauros e também ao homem –, o mesmo se pode dizer da história de sua descoberta, mas por outros motivos. Ao contrário do que diz a imaginação de muita gente, o trabalho dos cientistas não envolveu, neste caso, nenhuma viagem a um país longínquo, nem condições difíceis de pesquisa de campo com risco de vida para os paleontólogos. Mas tem lá seus detalhes admiráveis.
A descoberta foi feita por um morador local. Na época – seria o destino? –, viajava por ali o paleontólogo gaúcho Llewellyn Ivor Price (1905-1980), um dos pioneiros nessa área de pesquisa no Brasil. Avisado do achado, ele coletou grande parte do material e levou-o ao Museu de Ciências da Terra, atualmente administrado pelo Serviço Geológico do Brasil.
Os fósseis tiveram um destino pouco emocionante, mas muito comum: a gaveta. Somente muitos anos mais tarde um grupo de pesquisadores obteve recursos da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro para preparar e estudar o exemplar. Tardaram, mas não falharam. Além de descrever a espécie, até então desconhecida para a ciência, o grupo trouxe ao conhecimento do público um novo recordista peso-pesado da pré-história brasileira.
Como é comum quando se fala em dinossauros gigantes, o material no qual se baseia a nova espécie é relativamente escasso. São vértebras do pescoço e do dorso do animal, algumas bem fragmentadas, mas outras dotadas de importantes detalhes anatômicos que permitiram diferenciar o A. magnificus de outros titanossauros. Do tamanho das vértebras veio também a estimativa do comprimento total do animal, 25 metros – mais comprido do que aqueles ônibus duplos e articulados do sistema de transportes carioca BRT!
Os fósseis foram estudados com a técnica da tomografia computadorizada, que permite "cortar" digitalmente os ossos em diferentes planos e, com isso, acessar detalhes do seu interior. Neste estudo, foi possível observar a presença de anéis de crescimento intercalados com um tecido ósseo mais denso, uma configuração inédita para os titanossauros e que ainda precisa ser melhor investigada. Pelo visto, o maior dinossauro do Brasil ainda tem muita história para contar...
* Do Museu Nacional/UFRJ, Academia Brasileira de Ciências

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