Manuela
d’Ávila* fala sobre o machismo na política
Entrevista a Nathali Macedo, DCM
A política brasileira, na atual configuração, ainda é machista?
Quais são os núcleos de resistência a esse machismo?
Sem dúvida, nossa sociedade é machista e isso se
reflete na política. Os espaços de poder ainda são vistos como espaços
masculinos, as mulheres ainda precisam enfrentar muitos desafios para se
colocar e permanecer nesses cargos de poder. É quase um símbolo de resistência.
Apesar de termos uma lei que reserve vagas nas
eleições a candidaturas de mulheres, ainda falta investimento e apoio para que
essas mulheres sejam eleitas. Vemos, cada vez mais, os movimentos sociais serem
protagonizados pelas mulheres e, também, cada vez mais a organização de
coletivos e grupos que priorizam o empoderamento das mulheres. É preciso
encorajá-las a participar da política. Para isso, é necessário um real
envolvimento dos partidos, de uma maneira geral, com a causa. Termos conseguido
acabar com o financiamento privado de campanha já auxilia nessa questão, pois
tínhamos campanhas muitos desiguais. Agora é lutar para que não haja retrocesso
nesse sentido.
A senhora
foi criticada por postar uma foto no seu facebook amamentando a sua filha, e
também por amamentá-la no plenário, e desabafou sobre o absurdo que de fato é a
sexualização da amamentação. Esse desabafo surtiu algum efeito, ou a
hostilização persiste?
Não imaginei que a foto teria tanta repercussão,
ela foi tirada por um fotógrafo da Assembleia. A imagem rodou o mundo e fiquei
surpresa, pois isso só demonstra que a amamentação ainda é vista como algo que
deve ser escondido. A repercussão da imagem gerou muita discussão, o que é
muito positivo, pois só debatendo esse tipo de assunto é que vamos avançar.
Claro que recebi críticas, mas são a partir delas que vemos o quanto ainda
temos que desconstruir e romper com o preconceito que atinge a amamentação, a
mulher e a maternidade como um todo.
Por que a
amamentação ainda é um tabu em pleno Século XXI?
Ocupar os espaços públicos enfrentando o
significado da invisibilidade do espaço privado parece ser um ponto nevrálgico
das lutas emancipacionistas. Qualquer que seja nossa bandeira, em algum
momento, nos depararemos com essa questão: da cultura que justifica a violência
sexual culpabilizando as mulheres ou que sugere resguardar a violência
doméstica ao ambiente familiar à formatação do poder político, compreender que
estamos saindo do “quadrado” destinado a nós ao sermos mulheres no espaço
público é fundamental.
Sou mãe por opção. Opção porque quis ficar grávida
e opção porque defendo o direito das mulheres de não serem mães. Não lembro de
muitas reflexões minhas sobre o real significado da maternidade como espaço de
reprodução do machismo antes de eu mesma ser mãe. Decidi, junto com meu
companheiro, manter minha filha sob nossos cuidados exclusivos durante os mil
primeiros dias. Decidi, também, seguir as recomendações da Organização Mundial
de Saúde (OMS) e amamentar exclusivamente minha filha até os seis meses,
prolongando a amamentação até o seu desmame natural. Voltei a trabalhar
exatamente no dia em que Laura fez quatro meses. Era 27 de dezembro, o
governador havia convocado uma sessão extraordinária e fazia uns 40 graus em
Porto Alegre. Bebês maiores amamentados sentem fome com muita frequência e, com
o calor, precisam ser hidratados. Foi memorável as idas e vindas de meu
companheiro Duca com Laura. Era uma da madrugada quando decidi que ele não a
tiraria mais de casa, que não era justo ela ser amamentada no carro ou no
banheiro ou na gritaria dos corredores. Foi ali também que percebi que há doze
anos eu era submetida a processos de votação noturnos, pois meus colegas,
homens, não têm majoritariamente, nenhuma responsabilidade no ambiente privado,
familiar, doméstico. A rotina no plenário dos parlamentos não acompanha a
rotina de horários de serviços, pois aos homens não cabem responsabilidades
corriqueiras como buscar os filhos na escola, por exemplo.
Depois disso, passei a ouvir os conselhos para que
não amamentasse na Assembleia, para que a deixasse numa creche. Nem vou
escrever sobre a quantidade de opiniões que nós, mães, ouvimos sobre como
devemos criar nossas filhas e sobre a culpa sem fim que imputam a nós: se
deixamos na creche, somos ruins; se deixamos em casa, não estaremos permitindo
que convivam com crianças; se amamentamos, é errado; se damos leite em pó
também é. Vou me deter à percepção que toda a política é feita para a
inexistência de mulheres e, principalmente, mulheres com filhos.
Toda ida com Laura a uma agenda, a uma sessão, a um compromisso virou, sem que eu percebesse, um gesto de resistência. Um gesto de ousadia. Percebi que, mesmo que eu explicasse que ela era amamentada, que ela estava feliz, agarrada comigo no sling, as pessoas se incomodavam com a presença dela. Na verdade, elas se incomodavam comigo. Comigo sendo mulher e mãe. Pois eu podia estar ali enquanto não dizia que o horário de almoço não era o correto para uma reunião, que depois das 21 horas preferia estar em casa para vê-la, que a agenda de três dias deveria ter pausas para que ela respirasse. À maternidade, tão “endeusada” pela sociedade, é reservado o espaço privado. A casa, a sala de amamentação. Percebi que o espaço público, sobretudo os espaços de poder, não tem espaço para nós. Por isso mesmo decidimos ficar. Para mostrar que lugar de mulher é em todo lugar. E qualquer lugar pode ser de qualquer mulher. Inclusive, das que decidem ser mães.
Toda ida com Laura a uma agenda, a uma sessão, a um compromisso virou, sem que eu percebesse, um gesto de resistência. Um gesto de ousadia. Percebi que, mesmo que eu explicasse que ela era amamentada, que ela estava feliz, agarrada comigo no sling, as pessoas se incomodavam com a presença dela. Na verdade, elas se incomodavam comigo. Comigo sendo mulher e mãe. Pois eu podia estar ali enquanto não dizia que o horário de almoço não era o correto para uma reunião, que depois das 21 horas preferia estar em casa para vê-la, que a agenda de três dias deveria ter pausas para que ela respirasse. À maternidade, tão “endeusada” pela sociedade, é reservado o espaço privado. A casa, a sala de amamentação. Percebi que o espaço público, sobretudo os espaços de poder, não tem espaço para nós. Por isso mesmo decidimos ficar. Para mostrar que lugar de mulher é em todo lugar. E qualquer lugar pode ser de qualquer mulher. Inclusive, das que decidem ser mães.
Quais são
as principais dificuldades que uma mulher atuante como a senhora encontra
dentro da Assembleia Legislativa?
Nós, mulheres, temos que comprovar a todo momento
nossa capacidade de trabalho. Nossos atributos quase sempre são vinculados a
nossa aparência e modo de vida. Somos julgadas se nos separamos, se casamos, se
engordamos. Na política, isso também acontece.
A nossa sociedade, nosso sistema, não é preparado
e nem pensado para as mulheres e mães. Por exemplo, quando voltei de licença,
quando tive a Laura, tivemos na Assembleia uma votação que foi até às 3h. Esse
horário é feito para homens. Para pessoas que não precisam buscar filho no
colégio ou serem responsáveis diretos pela criação dos seus filhos. Naquela
ocasião, a Laura foi mamar três vezes antes da meia-noite. Quando deu 1h, eu
decidi que não ia mais tirá-la de casa. Acabei levando falta.
Há
machismo na esquerda? Quais são as diferenças pontuais entre o machista de
direita e o machista de esquerda?
O machismo permeia todos os setores e classes
sociais. Na esquerda, não é diferente. Ocorre que, por vezes, é um machismo
mascarado. Mas, por termos mulheres feministas atuantes e muitos homens
pró-feministas, conseguimos avançar e desconstruir, o que dificilmente ocorre
no campo da direita.
*Deputada
estadual pelo PCdoB-RS
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