Os sinos dobram por
ti, Fidel
Haroldo Lima*
Sua morte, que coroa 90 anos de
uma vida esplendorosa, era esperada e inexorável. Mas deixa entre nós uma
lacuna enorme. Afinal, como disse Mao Zedong, o grande líder do povo chinês,
"todo homem tem de morrer um dia, mas nem todas as mortes têm o mesmo
significado...a de uns tem mais peso que o monte Tai, a de outros pesa menos
que uma pena”.
Fidel Castro Ruiz, o homem que liderou a primeira
Revolução Socialista da América, que esteve à frente da epopéia humana de
transformar uma ilha plantada na frente dos Estados Unidos em baluarte da
independência dos povos, que sobreviveu galhardamente a centenas de atentados à
sua vida, que nunca arriou a bandeira da esperança, que em janeiro de 1998
recebeu o Papa João Paulo II dizendo-lhe "aqui, em Cuba, não encontrarás
crianças pedindo esmolas, dormindo na rua, descalças ou desnutridas", esta
figura emblemática, orgulho dos combatentes veteranos da causa democrática,
libertária e socialista, e inspiração de vida para as gerações vindouras, este
homem acaba de nos deixar.
Sua morte, que coroa 90 anos de uma vida esplendorosa,
era esperada e inexorável. Mas deixa entre nós uma lacuna enorme. Afinal, como
disse Mao Zedong, o grande líder do povo chinês, "todo homem tem de morrer
um dia, mas nem todas as mortes têm o mesmo significado...a de uns tem mais
peso que o monte Tai, a de outros pesa menos que uma pena”. A morte de Fidel
tem mais peso que os Andes, mas preferimos senti-la com o peso sublime da
Sierra Maestra, a cordilheira que Fidel Castro, Che Guevara, Raul Castro e
tantos outros desceram arregimentando guerrilheiros até expulsar o ditador
Fulgêncio Batista do Poder e transformar Cuba em "território livre das
Américas".
Era dramática a situação da ilha quando Fidel chegou ao
Poder. Em 1901 tinha sido aprovada uma Constituição, de cujo texto constava a
Emenda Platt, pela qual os Estados Unidos tinham o direito de intervir em Cuba
sempre que achasse necessário. Era um absurdo, mas era assim que o Império
tratava seus vassalos.
A República cubana, proclamada em 1902, nascia, portanto,
sem soberania e sem independência, ajoelhada ante o "gigante da maldade",
que a manteve assim por 58 anos, até 1959. Quando, então, os revolucionários
com Fidel à frente chegaram ao Poder, com o povo armado, puseram para correr o
títere que lá estava, Fulgêncio Batista, e despedaçaram a Constituição servil.
Os nostálgicos dessa época, que moram nos Estados Unidos,
falam que Cuba tinha, naquele período, elevada "atividade econômica",
"liberdade" e respeito aos "direitos humanos". Na verdade,
com suas praias magníficas e seu clima tropical, Cuba tinha virado uma
"ilha dos prazeres" para os milionários americanos, que para lá iam
se divertir em "cassinos" fenomenais, onde jogavam fortunas, no
embalo das bebidas, drogas e prostituição. No meio dessa jogatina, de fato
circulava dinheiro, havia "liberdade" para o consumo de gêneros de
luxo e de drogas, prevaleciam "direitos humanos" para os ricaços se
divertirem e descansarem. As elites locais que administravam essa bacanal
também dela participavam. O resto da população, o povo que mourejava na
monocultura da cana, apenas via de longe essa festança dionisíaca, e vivia às
voltas com o desemprego, o analfabetismo, a ausência total de qualquer apoio
social. Quando Fidel assume o Poder, tudo foi mudando.
E é claro que mudanças profundas, feitas por um poder
revolucionário, ante um ocupante terrivelmente arrogante, não poderiam ser
feitas como se fosse um convescote amável em uma noite de luar. Quando a farra
monumental foi extinta, os cassinos fechados, as drogas proibidas, a
prostituição condenada, a reação dos miliardários e da elite local foi brutal
imediata. E tudo se exacerbou quando o governo anunciou sua direção socialista.
Aí a CIA organizou uma invasão à ilha, afinal derrotada. E os Estados Unidos
fizeram um bloqueio econômico cruel, que já dura 56 anos, apesar de condenado inúmeras
vezes pela ONU.
A despeito de tudo isso, arrostando dificuldades de todo
tipo, Cuba foi se levantando e seu povo foi aparecendo à luz do dia. E hoje,
embora ainda seja um país pobre emergente, exibe indicadores que surpreendem.
Seu PIB já cresceu até a 12%, cresceu em 2012 a 3,1%,
enquanto a produção industrial elevou-se em 6,6%.
Seu índice de pobreza, em 2004, ficou em 6º lugar, no
meio de 102 países em desenvolvimento.
Dos 83 países considerados de alto Índice de
Desenvolvimento Humano no mundo, está em 44º lugar.
Analfabetismo é inexistente, desemprego e mortalidade
infantil ínfimos. Expectativa de vida de 78,9 anos.
Tem dos melhores indicadores de saúde do planeta, o
melhor da América Latina, com um médico para cada 148 habitantes (no Brasil
este índice é de um para cada 555 habitantes, irregularmente distribuídos, com
o Rio de Janeiro com 1/292 e o Pará com 1/1204).
O legado de Fidel Castro tem um aspecto central a ser
destacado. É o do homem em quem se pode confiar, da pessoa íntegra, que não se
dobra, não se corrompe, nem frente às ameaças da força bruta, nem aos acenos da
permissividade moral. Sua posição é a de princípios, a das convicções
inegociáveis. Mas entre essas posturas resolutas está também a de acompanhar
atentamente a evolução dos acontecimentos, a de mudar com a mudança da vida, e
não a de ficar estupidamente aferrado a teses que vão sendo ultrapassadas pelos
fatos ou que se revelaram equívocas. Foi assim quando ruiu a experiência
socialista soviética.
Muita gente achou que tinha acabado o socialismo, e foi
mudando de convicções, de nomes, de cor, de símbolo. Fidel Castro não. Pelo
contrário, reafirmou que o socialismo vive.
Em seguida, em vez de apegar-se tolamente às formas que a
vida ultrapassou ou que mostrou que não deram certo, foi responsavelmente
procurando as formas novas de botar os velhos ideais pra frente. E longe de
condenar o socialismo em Cuba a um impasse pelo conservadorismo ou dogmatismo,
foi experimentando caminhos inovadores. É nesse contexto que se realiza o VI
Congresso do Partido Comunista de Cuba, em abril de 2011.
Nesse congresso é abordado a questão central da
atualização do Modelo Econômico e Social: “o incremento do setor não estatal da
economia”. E Raúl Castro, em seu informe, explica que “o incremento do setor
não estatal, longe de significar uma suposta privatização da propriedade
social....está chamado a converter-se em um fator de fortalecimento da
construção do socialismo em Cuba”. Os principais meios de produção continuam
nas mãos do Estado socialista, mas os investimentos privados serão chamados
para ajudar a dinamizar a economia. E assim as coisas vão, apesar de tudo,
adiante.
A um de seus biógrafos , Ignácio Ramonet, Fidel revelou
sua grande admiração pelo escritor Ernest Hemingway e por sua obra prima
"Por quem os sinos dobram", que ele já lera quatro vezes. Para
escrever este livro, Hemingway inspirou-se na Guerra Civil Espanhola, que
presenciara como correspondente de jornal. Morando depois em Cuba, Hemingway
chegou a receber o Prêmio Nobel de Literatura. Os Estados Unidos desconfiavam
dele, consideravam-no simpatizante do "comunismo".
Na abertura de "Por quem os sinos dobram", Ernest Hemingway estampou essa passagem do poeta inglês John Dolle:
Na abertura de "Por quem os sinos dobram", Ernest Hemingway estampou essa passagem do poeta inglês John Dolle:
" Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma
partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o
mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a
casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me,
porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos
dobram; eles dobram por ti."
Contudo, hoje, os sinos dobram por ti, Fidel.
Haroldo Lima é membro da
Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário