Rendição colonial
no acordo do Judiciário com os EUA
André Araújo, Jornal GGN
Acordos e tratados internacionais são
celebrados exclusivamente por Estados, representados pelo Poder
Executivo, sob a assinatura do Presidente da República.
Judiciários e
Legislativos não têm representação soberana internacional e não podem celebrar
tratados, são poderes dentro do Estado, mas não fora dele.
Só o Governo do
País pode julgar a pertinência, a conveniência e a o interesse nacional na
celebração de um Tratado. Neste, sempre deve prevalecer o interesse nacional
acima do interesse de causas, intenções ou movimentos, isso é da essência da
organização das relações internacionais tal qual é desde a formação moderna dos
Estados ocorrida há 500 anos. Entre a Justiça e o interesse nacional, prevalece
sempre este último.
A ideia
justificadora de Acordos Judiciários visa estabelecer, para casos
específicos, um canal de cooperação entre os aparelhos judiciais dos países
contratantes, sempre sob o controle do Estado representado pelo Poder
Executivo, para tratar de alguns tipos de crimes comuns que envolvem os dois
países. Não existe, portanto, "colaboração direta" entre os
aparelhos judiciais (aí incluindo o Ministério Público) de países, os Acordos
são sempre entre Governos e a cooperação DEPENDE da iniciativa e vontade dos
Governos e não de seus Judiciários, os atos no âmbito dos Acordos são
impulsionados pelos Governos e não pelos Judiciários ou Ministérios Públicos.
Acordos
Judiciários do Brasil com países são algo normal com uma exceção: o Acordo de
Cooperação Judiciária Brasil EUA de 2001 é um acordo desigual e assimétrico,
dado o poder relativo muito maior e a capacidade de projeção de interesses
globais dos EUA .
Estava evidente,
desde sua celebração, que o Brasil se colocava em uma posição de prestar mais
serviços aos EUA do que estes prestarem ao Brasil, o que se comprovou nestes 15
anos de vigência do Acordo. Só no âmbito do Acordo foi possível aos EUA
estenderem sua jurisdição relativamente a uma série de delitos a empresas e
cidadãos brasileiros por atos praticados no Brasil, uma jurisdição que
aparentemente o Brasil aceita acriticamente sem que o Governo brasileiro
demonstre, em algum ponto, uma expressão de vontade sobre essa extrapolação de
funções no âmbito do Departamento de Justiça dos EUA.
A ideia de um
Acordo de Cooperação é a de permitir uma ação colaborativa em CASOS
excepcionais e específicos, por exemplo, um traficante que se esconde em outro
País, sequestros de crianças por pais separados, situações pontuais MAS jamais
se pensou em um Acordo desses para
um País arrecadar pesadas indenizações e
multas sobre empresas do outro país contratante. O Acordo jamais deveria ter
esse alcance, sair do campo de crimes comuns para os quais foi desenhado e
subir para atingir crimes de natureza política e que se praticam no mundo
político de outro País. Um Estado não pode emitir julgamentos sobre o sistema
político de outro País sob pena de estar interferindo nos assuntos internos
desse outro País e é exatamente isso que o Departamento de Justiça dos EUA está
fazendo no Brasil.
No Acordo existe
uma AUTORIDADE CENTRAL, aquela autoridade que representa o Estado Contratante
perante a contraparte. Essa AUTORIDADE CENTRAL é o Ministro da Justiça pelo
lado brasileiro e o Secretário da Justiça dos EUA pelo lado americano, sendo
que nesse caso o Secretário tem o título de Procurador Geral dos Estados
Unidos, lá não há ministério público independente, os procuradores federais
fazem parte do Departamento de Justiça.
No acordo existe
também uma CLÁUSULA DE PROTEÇÃO dos interesses de cada Estado, pela qual não se
aplica o Acordo quando houver INTERESSE ESSENCIAL de um dos Estados-Parte em
jogo. Nesse caso quem declara o interesse essencial é o Ministro da Justiça
daqui ou de lá (Art.3º Item I, alínea b) do Acordo).
O Estado
brasileiro tem interesse em transferir recursos da economia brasileira para
pagar multas ao Departamento de Justiça? O dinheiro para pagar multas em
Washington sai da economia brasileira, é produzido aqui por nossos
trabalhadores e empresas.
O Estado
brasileiro tem interesse em ver cidadãos e empresas brasileiras serem
processadas por infringência a leis americanas no Brasil?
O Estado
brasileiro tem interesse em aceitar JURISDIÇÃO AMERICANA sobre cidadãos e
empresas brasileiras que tem sede ou residência no Brasil?
Esses são
interesses essenciais do Estado brasileiro? Claro que são.
Então por que o
Ministério da Justiça não deu proteção a cidadãos e empresas brasileiras
processadas pelo Departamento de Justiça por infringência da Lei FCPA de 1973
que visa a punir EMPREAS AMERICANAS que praticam corrupção no exterior? Essa
Lei é obviamente inaplicável a cidadãos e empresas brasileiras por atos de
corrupção praticados no Brasil.
Elas não são
enquadráveis na Lei FCPA, mas o Departamento de Justiça resolveu enquadrar
empresas e cidadãos brasileiros nessa lei americana, exigindo multas de milhões
de dólares.
Pergunta-se: o que
fez o Ministério da Justiça do Brasil contra essas tentativas de aplicação
extraterritorial da Lei americana sobre seus cidadãos e empresas? A que eu
saiba, nada.
Quando comento
este assunto com advogados americanos eles acham normal que o Governo dos EUA
processe empresas brasileiras por atos praticados no Brasil. Inventam
absurdidades como se você usa a internet então está sob a lei americana, se
você usa um banco americano então cai na lei
americana e chegam ao absurdo de
dizer que se você usa o dólar está sob a lei americana. Essa são questões de
opinião, não de direito e muito menos de Direito Internacional, cada um pode
achar o que quiser, o que não quer dizer que seja legal.
Eles pensam assim,
não veem nada demais e são advogados americanos que são contratados para
defender empresas brasileiras em Washington, eles aceitam como válida essa
jurisdição e seus parceiros no Brasil continuam a achar válida a jurisdição
americana.
É uma visão
fantástica que cabe a GOVERNOS contestarem. O Governo brasileiro precisa
repudiar essa noção absurda à luz do direito internacional, mesmo porque não se
vê ação semelhante do Departamento de Justiça em relação a empresas russas,
chinesas, indianas ou angolanas ou israelenses, cujo padrão não segue os
ditames moralistas americanos nas suas práticas internacionais para ganharem
grandes contratos de obras e fornecimentos.
O caso de Angola é
emblemático. A SONANGOL é empresa de governança discutível, sumiram de seu
balanço US$32 bilhões, Angola tem bilionários ligados ao Governo apesar de ser
um País pobre. A Presidente do Conselho da SONANGOL, Isabel dos Santos, é filha
do Presidente de Angola José Eduardo dos Santos e está no ranking de
bilionários globais da revista FORBES como a mulher mais rica da África. Quer
dizer, há claras evidencias de corrupção no entorno dessa companhia, no entanto
neste ano de 2016 a SONANGOL fez um mega contrato para exploração do pré-sal
angolano com o EXXON MOBIL americana.
O Departamento de
Justiça não viu nada demais? Onde está o compliance ? A SONANGOL tem ficha
limpa, visto bom, está tudo normal? Ou será que Angola e seu grupo dirigente
tem ampla simpatia em Washington porque todo o petróleo de Angola, que exporta
1.600.000 milhões de barris dia, bem mais que a Venezuela, vai para os Estados
Unidos?
Tem gente que
acredita nas boas intenções moralistas do Governo americano e corre lá para
colaborar com o templo da pureza mas a moralidade americana historicamente é
relativa.
Tampouco se
conhecem processos contra empresas como SAUDI ARAMCO, maior petrolífera do
mundo, toda ela abastecida por empresas americanas, sendo de conhecimento
universal que na Arábia Saudita não se vende um cacho de uva sem pagar
comissão. Tampouco existem processos no DofJ contra empresas chinesas que estão
avançando nos contratos de construção na África, nem contra empreiteiras
turcas, indianas, indonésias, coreanas, malaias, no entanto há processos contra
as maiores empreiteiras brasileiras e seus executivos, selecionadas a dedo para
serem processadas e multadas nos EUA como se fossem as únicas empresas
corruptoras do planeta.
Aqui nada se
refere à legislação de mercado de capitais operada pela Securities and Exchange
Commission para empresas brasileiras com ações listadas em bolsas americanas.
Nesse caso as
empresas ACEITARAM voluntariamente por contratos à legislação americana sobre
títulos e mercado de capitais, foi a contrapartida para listar suas ações em
Nova York.
Não se trata,
portanto, aqui dos processos da SEC e nem dos acionistas minoritários,
processos específicos onde a jurisdição americana é CONTRATUALMENTE aceita como
foro de eleição, escolhidos pelas partes.
É incompreensível
o Estado brasileiro aceitar passivamente essa situação absurda e vexatória.
O Departamento de
Justiça não tem nada a ver com nossas empresas mas o processamento vai
render ao Tesouro americano, na mais benéfica das hipóteses, 3 bilhões de
dólares de dinheiro extraído do Brasil, produzido no Brasil e transferido para
Washington.
E tem gente que
acha tudo isso muito bom, os advogados americanos que defendem a Petrobras
cobram por hora, a conta será astronômica, coisa de 100 milhões de dólares.
A Petrobras está
sendo investigada por dentro por dois escritórios americanos indicados pelo
Departamento de Justiça (Gibson Dunn e Baker Mackenzie) , esta outra conta já
passa de duzentos milhões de Reais para investigar todos os contratos da
Petrobras.
Feito o acordo com
o DofJ, que pode chegar a US$2,6 bilhões, a Petrobras será monitorada por dez
anos por outro escritório, aprovado pelo Departamento de Justiça, quer dizer, o
Governo americano estará dentro da Petrobras por dez anos, tudo isso já foi
aceito pelas autoridades brasileiras, sem em momento algum contestar a
jurisdição americana indevida.
O processo contra
a Petrobras é o mais aberrante de todos intentados pelo DofJ. Não há base legal
alguma para processar uma empresa estatal controlada pela República do Brasil e
que não só não praticou atos de corrupção como, ao contrário, é vítima desses
atos. Mas, acima de tudo, esses atos não foram praticados por americanos nos
EUA ou no exterior, foram praticados por brasileiros no Brasil, portanto
absolutamente fora da jurisdição americana.
Se assim é, como
foi possível o Governo brasileiro, maior acionista e controlador da Petrobras,
aceitar passivamente a jurisdição americana em processos contra a Petrobras?
As punições contra
a Petrobras recaem diretamente no Tesouro nacional, maior acionista da empresa.
Diminuem seus lucros e, portanto, reduzem os dividendos pagos ao Tesouro,
encolhem a base tributável e o imposto de renda que a Petrobras paga ao Tesouro
e ao fim e, principalmente, uma punição à Petrobras reduz o valor de mercado
das ações pertencentes ao Tesouro. Por todas essas razões o processo no
DofJ é de interesse direto do Governo brasileiro e sujeita a
acompanhamento da Advocacia Geral da União como defensora dos interesses da
União, além e lateralmente ao trabalho dos advogados da Petrobras.
Quanto a esse
malfadado Acordo é hora mais que urgente sua revisão ou denúncia pelo Governo
do Brasil, eis que está servindo apenas como capa para extrair indenizações e
multas de cidadãos e empresas brasileiras.
Por essas ironias,
os Estados Unidos têm um verdadeiro horror a serem afetados por jurisdição
estrangeira. Em todas as situações onde um americano no exterior seja passível
de ser julgado por juiz não americano, o braço do Governo americano se agita
para protegê-lo.
Nos Tratados que
dão cobertura à instalação de bases militares americanas no exterior, já foram
2.000, hoje são 616, há cláusulas expressas de IMUNIDADE a militares americanos
em qualquer crime comum, inclusive de homicídio. Em 2013 houve clamor nacional
no Japão quando um militar americano na base de Okinawa cometeu crime de estupro
contra uma menor japonesa e foi imediatamente protegido pela lei americana para
não ser julgado no Japão.
No Brasil ocorreu
um julgamento de dois pilotos que causaram a queda de um avião da GOL com a
morte de 163 brasileiros, foram condenados, fugiram para os EUA e lá estão sem
que o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal de 2001 servisse para
obter a cooperação das autoridades americanas para fazer cumprir o julgamento.
Pelo mesmo
princípio, os EUA não são parte do Tribunal Penal Internacional de Haia, para
evitar a jurisdição desse Tribunal sobre seus soldados.
Mas quando se
trata do contrário, juízes americanos julgarem estrangeiros, os EUA não
têm nenhuma restrição, aliás tem o maior interesse em praticar jurisdição
extraterritorial, especialmente quando rende multas e indenizações a serem
pagas nos EUA. Como tudo nos EUA, vira um "business" lucrativo"
que rende multas ao Tesouro e honorários fabulosos para advogados, peritos,
consultores em compliance, todos americanos etc. e se comprazem especialmente
quando encontram um País aliado e amigo que, ao contrário de todos os demais
países importantes do planeta, aceita passivamente a jurisdição americana sobre
seus cidadãos e empresas, não cumprindo seu Governo (aqui falo no ente Governo
e não no governo de ocasião) o papel obrigatório de defender seus cidadãos e
empresas contra jurisdição estrangeira em qualquer caso, pois é uma questão de
princípio.
Todo País,
especialmente os grandes, tem um peso diplomático valioso que existe para dele
ser feito uso. O Brasil aparentemente TEM VERGONHA de usar seu peso diplomático
em situações conflitivas, se esconde, mas é obrigação de qualquer governo
defender suas situações e empresas. Provavelmente é por isso que os EUA
respeitam empresas russas e chinesas, porque sabem que seus governos as
defendem.
O ativismo
"politicamente correto" do Departamento de Justiça é típico do
Governo Obama mas creio que será desativado no Governo Trump que é
anti-globalista e não reza no altar do moralismo como divindade. Mas o Governo
Trump não deve desprezar o gordo legado das "multas e indenizações"
que estão sendo cobrados pelo Departamento de Justiça e que vão cair
agradavelmente no caixa do Tesouro americano. A Embraer já pagou US$206 milhões
por atos de corrupção praticados fora dos EUA (a questão que fica, o que os EUA
tem com isso?), este ano está pagando multas a Odebrecht e os americanos estão
mesmo de olho na multa a ser paga pelo Petrobras.
Todavia, o Governo
Trump deve fazer uma limpeza no grupo dos procuradores federais
"politicamente corretos". Normalmente, na troca de partidos na
Administração são substituídos os 79 Procuradores Federais, a nomeação é livre
e política, é cargo de confiança do Presidente. Os Republicanos não costumam
engolir os Procuradores democratas, a linha deles é oposta, menos moralista e
mais pro-business. Loretta Lynch deve estar arrumando a gaveta assim como a
chefe da Divisão Criminal Leslie Caldwell. Trump tem cassinos, ficha
empresarial complicada e essa "aura" não combina com catedrais do
"politicamente correto".
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