Assim é a moral
e a justiça das delações premiadas
Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo
A prática da delação premiada, que orienta a Lava Jato desde o seu
começo, adquiriu uma segunda serventia. Foi sua utilidade para o tipo de
cobertura do caso por imprensa e TV, baseado no entrosamento de máxima exposição
e politização ativa. Essa utilidade evitou o debate consequente sobre as
vantagens e problemas do método adotado na Lava Jato. Com o tempo e as
repetições, a delação premiada incorporou-se às banalidades nacionais. Mas suas
muitas faces não mudaram. E às vezes pasmam.
Como preliminar, dispense-se a supervalorização das delações
premiadas. Tudo o que é dado, até agora, como conhecimento proveniente de
delação poderia ser apurado por investigação comum, de polícia e Procuradoria
competentes.
Aí está como ponto culminante, por exemplo, a massa de delações
dos funcionários da Odebrecht, com centenas de políticos citados. Todos esses
nomes e informações correlatas, porém, já estavam na documentação apreendida,
há muito tempo, em diferentes empresas da Odebrecht e moradias de altos
funcionários.
O mesmo se deu com as coletas da Lava Jato em todas as demais
empresas e moradias. A partir da documentação –ao que consta, longe de haver
passado toda por exame– investigar, em vez de fazer coerção por delações,
levaria a constatações com probabilidade de maior amplitude e menos inverdades
e omissões. O método das delações premiadas não era indispensável. E muito
menos o eram a premiação e suas implicações jurídicas, éticas e humanas.
O marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, foram agora condenados a oito anos e quatro meses de prisão.
Receberam em conta na Suíça US$ 4,5 milhões, pagamento parcial pelo trabalho na
campanha de Dilma/Temer. O pagador, Zwi Skornicki, representante do estaleiro
Keppel Fels, deu como origem do dinheiro um desvio no contrato, com a empresa
Sete, de construção de plataformas ou sondas para a Petrobras. Participantes
também do desvio, no lado da Sete, Edson Vaz Musa e João Carlos de Medeiros
Ferraz.
Condenados os três por Sergio Moro. Skornicki a 15 anos e meio,
cumpridos assim: entrega US$ 23,8 milhões de desvios vários, não sai de casa
até o fim da semana que vem, e depois só ficará lá à noite e nos fins de semana
por um ano. Vaz Musa recebeu oito anos e dez meses de prisão, transformados em
permanência no doce lar durante os fins de semana por dois anos. E Medeiros
Ferraz, condenado a oito anos, teve-os igualados a "serviços
comunitários", só.
Quem recebeu o dinheiro, sem participar da trama, é condenado a
oito anos e quatro meses. Quem operou o desvio criminoso de um excedente ilegal
contra a Petrobras, e com esse dinheiro fez um pagamento também ilegal, esses
são premiados: vão para casa e para as ruas.
Assim é a moral e é a justiça da prática de delações premiadas.
Com ambas, dizem, o Brasil será outro. Será: quem disser que o crime não
compensa fará papel de idiota.
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