A euforia alemã (e da Globo!) ante o resultado das eleições na França
José Carlos de Assis, no Jornal GGN
Em sua autobiografia parcial
“Times of Upheavel”, o então Assessor de Segurança Nacional dos EUA Henry
Kissinger, que acompanhava o presidente Richard Nixon numa visita à França no
início dos anos 70, perguntou candidamente a De Gaulle como seria possível
evitar o domínio da Europa pela Alemanha num eventual integração europeia. De
Gaulle, sem se dignar olhar para Kissinger e fixando Nixon, disse secamente:
“Par la guerre!”
Não será tão simples. A
Alemanha praticamente escravizou a Europa com a imposição de suas
políticas neoliberais contracionistas através do Banco Central Europeu e da
Comissão Europeia, que domina. O continente está mergulhado desde 2008 numa
crise de recessão ou contração, impedido por Berlim de qualquer reação eficaz.
O fracasso de Hollande foi justamente de não cumprir promessas de investimentos
em campanha por bloqueio alemão.
A ambiguidade das eleições na
França é que os maiores entusiastas com o resultado foram os alemães.
Justifica-se. A Alemanha é a grande beneficiária do euro. A definição da nova
moeda implicou uma desvalorização do velho marco, acentuando o caráter
exportador e superavitário da economia alemã. Com a entrada na economia interna
dos superávits comerciais, o aumento da liquidez favorece a atividade econômica
e o crescimento.
Em países que, antes do euro,
as antigas moedas eram mais fracas que o marco alemão, a moeda única resultou
em efetiva valorização do padrão monetário reduzindo a competitividade externa
e a capacidade exportadora. Com isso, a esmagadora maioria dos países do euro
e, por reflexo, da União Europeia se tornaram importadores líquidos,
dependentes de empréstimos (alemães) para fechar seus balanços de pagamento.
O mais grave, porém, não tem
sido isso. Afogados por dívidas, os países só poderiam retomar investimentos
caso pudessem ampliar ainda mais, temporariamente, a dívida pública a fim de
financiá-los. Contudo, o BCE e a Comissão Europeia não deixam, cumprindo os
ditames da banca privada que se opõe a aumento de gastos reais do Estado.
Normalmente, um país recorre a déficit anticíclico para financiar o
investimento na expectativa de fomentar o crescimento econômico e, em
último caso, reduzir a dívida com maior receita tributária.
Para isso funcionar, é preciso
que os países se beneficiem de juros razoáveis no mercado para financiar o
déficit temporário a fim de evitar a explosão da dívida. É isso que o BCE não
permite. Com sua política rigorosa de estreitamento da liquidez, os juros de
mercado tendem a subir exageradamente, impossibilitando, na prática, a tomada
de novos créditos pelos governos que ficam impossibilitados de realizar
investimentos.
De fato, em lugar de facilitar
o financiamento de investimentos públicos novos o BCE, a Comissão Europeia e o
FMI (troika) impõem aos países endividados programas rigorosos de austeridade
para reduzir a relação dívida/PIB. Um estudo recente publicado pela VoxEu
mostra de forma inequívoca o fracasso dessas políticas. O investimento cai,
sim, e com ele a receita tributária. Em consequência aumenta a relação
dívida/PIB.
As eleições francesas mostraram
a decepção do povo com as políticas neoliberais comandadas pela Alemanha. O
fato de ter ganhado um europeísta não significa grande coisa quando se contam,
além dos votos de Le Pen, os brancos, nulos e abstenções. Aparentemente a
França repudia a extrema direita, mas despreza igualmente o centro e está
claramente inclinada a romper com o neoliberalismo. A isso os alemães e a
direita a serviço da banca chamam de renascimento do nacionalismo e do
populismo.
Por outro lado, a ausência da
esquerda no segundo turno indica a pobreza propositiva de políticos que na
verdade não estão conseguindo entender nada do que está acontecendo no bloco,
desde a Grécia ultra-vampirizada pelos alemães até a Itália e mesmo França em
recessão permanentes por causa das políticas de austeridade impostas pela
troika. Se a integração europeia obedeceu aos alto ideais de evitar novas
guerras no continente, seria importante revisitar De Gaulle diante da pressão
alemã sobre o que resta das economias nacionais europeias.
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