14 novembro 2017

Lá e cá

Variável regional das eleições gerais
Luciano Siqueira, no Blog da Folha

Na grande mídia multiplicam-se comentários de “analistas“ surpreendentemente perplexos com o que chamam de um “fator novo” a complicar as relações entre Michel Temer e a sua base de apoio na Câmara e no Senado.

Inclusive agravaria as dificuldades já existentes quanto à tramitação da reforma previdenciária.

A “novidade”, entretanto, é muito antiga: alianças regionais discrepantes das composições nacionais, agora e em futuro próximo, relativas ao posicionamento de cada corrente política diante do governo central e o jogo de forças em plano local, mirando governos estaduais.

Nenhum motivo para surpresa nem perplexidade. Eleições gerais nunca foram verticalizadas no Brasil, coalizões em torno de candidaturas à presidência da República diferem das celebradas nos estados.

Até em eleição “solteira“, como em 1989. Por exemplo, o maior partido de oposição de então, o PMDB, não marchou unido em torno da candidatura de Ulysses Guimarães. Pelo Brasil afora se dispersou em torno de outras postulações, sobretudo do candidato vitorioso Fernando Collor.
Assim, noticia-se que em alguns estados importantes há conversações entre o PT e o PMDB, que admitem alianças no pleito vindouro.

A leitura simplista desse fato sugere algo formalmente impossível, porém perfeitamente viável na prática. Tanto que Lula, em seu jeito fácil de comunicar, declarou recentemente que perdoaria golpistas e com eles poderia marchar olhando para o futuro do Brasil.

(Aliás, uma postura tática correta, livre de sectarismo e de armadilhas mecanicistas).
Tudo a ver com a complexidade da sociedade brasileira, especialmente a enorme diversidade regional do ponto de vista econômico cultural social e político.

Também reflexo da própria legislação eleitoral, que absorve essa realidade.

Tivéssemos partidos programáticos e regras que induzissem o eleitor a identificar partidos e programas ao invés de simplesmente escolher indivíduos — como o voto em listas preordenadas para cargos legislativos, por exemplo —, teríamos uma mínima harmonia entre alianças nacionais e locais.

Ao largo dessa percepção da realidade, cabe tudo — inclusive manifestações de estreiteza e intolerância, pondo a segundo plano as razões de conteúdo.

Que Temer tenha suas dificuldades políticas agravadas em si é algo positivo, no sentido de dificultar o incremento de sua agenda antinacional e regressiva de direitos.

Mas estranhar o jogo de forças furta-cor que antecede o próximo pleito não passa de ingenuidade ou de mero desconhecimento da vida política brasileira.


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