Torcidas de futebol, ontem e hoje
Luciano Siqueira
Sempre repito que sou um ex-torcedor ou, no mínimo, um torcedor atípico. Tanto porque me desencanto com o time de minha preferência quando joga retrancado e, no íntimo, passo a desejar a sua derrota; como pela minha ausência dos estádios.
E, como diz a sabedoria popular, quem não tem competência, não se estabelece. Ou seja, não sou exatamente a pessoa indicada para opinar sobre as coisas do nosso futebol.
Mas, como de médico, técnico de futebol e louco todos temos um pouco, volto ao tema. Agora atento a um detalhe: o comportamento das torcidas.
Estarei enganado ou é fato que nas últimas décadas verifica-se uma transformação radical no modo como esses grandes e instigados agrupamentos humanos traduzem sua paixão pelo time do coração?
Quando eu ia aos estádios, todas as energias se concentravam no gol tão ansiado e, em menor grau, mas com quase igual emoção, num drible perfeito ou numa jogada de efeito digna dos grandes artistas da bola.
Hoje, pelo que se acompanha no noticiário, torcedores se organizam em maltas, alimentam mais do que a rivalidade, o ódio aos adversários; e combinam entre si e com as torcidas rivais verdadeiras batalhas campais na entrada ou na saída dos grandes jogos.
O que acontece dentro das quatro linhas passa a ter uma importância secundária. Ganhando ou perdendo, vale mesmo é a guerra do lado de fora dos estádios.
Diz-se que o fenômeno é subproduto do aguçamento das contradições sociais num país em que o crescimento capitalista não se acompanha da inclusão social satisfatória. O indivíduo se vê subtraído das suas mais caras esperanças, não vê perspectiva e descarrega sua revolta inconsequente nesse tipo de violência grupal.
Acrescenta-se uma espécie de simbiose entre torcidas organizadas e quadrilhas de traficantes e afins, que dominam várias delas.
Nada a contestar nas análises de quem conhece o problema e se dedica ao seu estudo. A violência nos estádios a rigor não passa da tradução da violência mais geral, que envenena a sociedade brasileira.
Sendo essa a dimensão do problema, a solução extrapola em muito os limites do chamado esporte bretão. Carece de um projeto de nação que combine o desenvolvimento econômico soberano e sustentável com a inclusão das pessoas ao processo produtivo, pedra de toque da melhoria dos serviços públicos e, em particular, da elevação do nível de escolaridade.
Entretanto, há que se perguntar se uma reconfiguração do futebol que ora praticamos, seja do ponto de vista tático — superando o culto exagerado à aptidão física e abrindo espaço à criatividade que sempre foi a nossa marca —, seja no que se refere à organização das competições e a adoção de calendários menos desumanos, não amainaria o clima de violência ora predominante.
Em outras palavras, seria o futebol-arte capaz de vencer o ódio, a intolerância e a burrice que inspiram a guerra das torcidas?
Luciano Siqueira
Sempre repito que sou um ex-torcedor ou, no mínimo, um torcedor atípico. Tanto porque me desencanto com o time de minha preferência quando joga retrancado e, no íntimo, passo a desejar a sua derrota; como pela minha ausência dos estádios.
E, como diz a sabedoria popular, quem não tem competência, não se estabelece. Ou seja, não sou exatamente a pessoa indicada para opinar sobre as coisas do nosso futebol.
Mas, como de médico, técnico de futebol e louco todos temos um pouco, volto ao tema. Agora atento a um detalhe: o comportamento das torcidas.
Estarei enganado ou é fato que nas últimas décadas verifica-se uma transformação radical no modo como esses grandes e instigados agrupamentos humanos traduzem sua paixão pelo time do coração?
Quando eu ia aos estádios, todas as energias se concentravam no gol tão ansiado e, em menor grau, mas com quase igual emoção, num drible perfeito ou numa jogada de efeito digna dos grandes artistas da bola.
Hoje, pelo que se acompanha no noticiário, torcedores se organizam em maltas, alimentam mais do que a rivalidade, o ódio aos adversários; e combinam entre si e com as torcidas rivais verdadeiras batalhas campais na entrada ou na saída dos grandes jogos.
O que acontece dentro das quatro linhas passa a ter uma importância secundária. Ganhando ou perdendo, vale mesmo é a guerra do lado de fora dos estádios.
Diz-se que o fenômeno é subproduto do aguçamento das contradições sociais num país em que o crescimento capitalista não se acompanha da inclusão social satisfatória. O indivíduo se vê subtraído das suas mais caras esperanças, não vê perspectiva e descarrega sua revolta inconsequente nesse tipo de violência grupal.
Acrescenta-se uma espécie de simbiose entre torcidas organizadas e quadrilhas de traficantes e afins, que dominam várias delas.
Nada a contestar nas análises de quem conhece o problema e se dedica ao seu estudo. A violência nos estádios a rigor não passa da tradução da violência mais geral, que envenena a sociedade brasileira.
Sendo essa a dimensão do problema, a solução extrapola em muito os limites do chamado esporte bretão. Carece de um projeto de nação que combine o desenvolvimento econômico soberano e sustentável com a inclusão das pessoas ao processo produtivo, pedra de toque da melhoria dos serviços públicos e, em particular, da elevação do nível de escolaridade.
Entretanto, há que se perguntar se uma reconfiguração do futebol que ora praticamos, seja do ponto de vista tático — superando o culto exagerado à aptidão física e abrindo espaço à criatividade que sempre foi a nossa marca —, seja no que se refere à organização das competições e a adoção de calendários menos desumanos, não amainaria o clima de violência ora predominante.
Em outras palavras, seria o futebol-arte capaz de vencer o ódio, a intolerância e a burrice que inspiram a guerra das torcidas?
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