30 setembro 2018

Sentimentos primitivos


Eles amam sua raiva
Tatiana Dias, The Intercept_ Brasil

Eu postei no Twitter reportagem da revista Veja. Uma das primeiras reações – fora comentários de seguidores e retweets previsíveis – foi essa aqui:

É algo previsível vindo dos apoiadores de Jair Bolsonaro quando confrontados com a realidade: ironia e ameaças. Só nessa semana, uma jornalista foi perseguida e exposta no Twitter por engano, a autora da reportagem que mostrou que o mesmo candidato havia ameaçado a ex-mulher em 2011 também, e um filho do candidato postou uma foto com uma simulação de tortura – feita em protesto contra seu pai – com uma legenda irônica para meio milhão de seguidores. Todos esses conteúdos – exceto o stories de Bolsonaro, efêmero por natureza – ainda estão no ar.

Twitter, Facebook, Google estão concentrando o debate público na campanha e são categóricas em afirmar que proíbem violações de direitos humanos como racismo, homofobia, incitação à violência e ameaças. Na prática, porém, elas jogam para as vítimas a responsabilidade de denunciar os abusos e provar que estão sendo perseguidas, ameaçadas ou expostas. 

É claro que as grandes empresas de internet não têm interesse em violações de direitos humanos. Mas, na verdade, a questão é mais profunda: a radicalização nos discursos é parte inseparável de seu negócio. A roda das redes sociais é movida por ódio.

Os algoritmos sabem que tipo de conteúdo nos mantém ligados, e passam a priorizá-lo. Posts que despertam reações emocionais, que dão vontade de compartilhar, dar like, retuitar, vídeos que dão vontade de comentar: esse é o tipo de conteúdo que prende a nossa atenção, revertido em lucros com publicidade. Quanto mais tempo passamos nas redes, quanto mais clicamos, mas somos expostos a anúncios publicitários.

O Facebook se tornou um ambiente fértil para a disseminação de notícias falsas. Elas têm 70% 
mais chance de serem espalhadas. Um estudo da consultoria Pewmostrou que posts que geram indignação recebem em média três vezes mais comentários e são duas vezes mais compartilhados. É o coração de seus modelos de negócio.

A pesquisadora Zeynep Tufekci, professora na Universidade da Carolina do Norte, dá o exemplo do YouTube: vídeos sobre começar a correr levavam a vídeos sobre ultramaratonas; vídeos sobre vegetarianismo levavam ao veganismo; vídeos sobre Trump levavam a vídeos da ultra-direita.

Ao usar a internet para manipular sentimentos primitivos como o medo, o ódio e a sexualidade, conservadores conseguem combinar táticas de manipulação de massas descritas por Freud e Theodor Adorno há 70 anos com um sistema que vicia as pessoas em radicalismo. A comunicação de apoio a Jair Bolsonaro nas redes sociais reflete isso, 
relacionando questões morais – punição a criminosos, porte de armas, mulheres e sexualização da infância. Ela estimula os sentimentos primitivos e a radicalização – encontra um terreno fértil para viralizar em um sistema que privilegia esse tipo de conteúdo.

Dar voz às pessoas comuns sempre foi um apelo das redes sociais, que apareceram como uma poderosa ferramenta de democratização das comunicações. Na prática, não foi isso o que aconteceu.

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