15 novembro 2018

Quem anda com quem, para quê?


Os círculos de poder no entorno do presidente eleito
Estamos já há mais de duas semanas da eleição de Jair Bolsonaro a presidência da República, e como é obvio o centro do noticiário político, a energia intelectual dos analistas e especialistas nessa matéria, se concentram em acompanhar e se possível entender para onde caminhará o nosso país sob essa nova direção.

Por Ronald Freitas*, portal Vermelho

Para os seus mais fiéis seguidores, fortemente ideologizados, e que constituem a sua base principal de sustentação, com o novo governo, iniciaremos um período de saneamento do país, onde será retomado a dignidade e a pujança nacional. Para tanto, da sociedade brasileira, serão expurgados todos os elementos esquerdistas progressistas, que com sua atividade, baseada nas vilanias do marxismo cultural (???), denigrem a Deus, a Família, a Propriedade e os Costumes. Nossa economia, integrada e associada ao mercado globalizado, se livrará das peias do estado ineficiente, do populismo demagógico, e baseada no empreendedorismo, na livre concorrência entre os agentes do mercado, sem paternalismos, entrará em um círculo virtuoso prolongado. A nossa cultura voltará a ser orientada pelo ideário conservador de direita, que compreende que o avanço da humanidade se dá com base nas mudanças geracionais em torno do tripé: Deus, Pátria e Família. De onde deriva o slogan do candidato eleito: O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. E assim nos tornaremos na grande potência que merecemos ser, mas que sucessivos governos “esquerdistas” e “progressistas” impediram. 

Um outro ciclo de apoiadores, cuja motivação principal é de natureza política, consideram que a situação a que chegou o país de descontrole do crime organizado, de corrupção sistêmica, de incompetência e ineficiência administrativa, e de lassidão dos costumes, ameaçam a integridade nacional, e com isso a existência de nosso país como grande nação a que estamos vocacionados. Para esses a responsabilidade principal dessa situação a que chegou o país é dos governos do PT e de seus aliados. Assim afastar esse conjunto de forças do poder é uma necessidade impostergável, e a candidatura Bolsonaro, foi o ‘instrumento’ possível de atingir esse objetivo, no processo político critico, que viveu o país após o impeachment de Dilma. 

Por isso, embora não concordem ou pelo menos achem estranho posições do candidato sobre ditadura militar, tortura de presos para conseguir confissão de supostos crimes, criminalização dos movimentos sociais, tratamento discriminatórios para negros, gays, etc..., o apoiaram e apoiam como um mau menor ao governo do PT. Consideram que é necessário a sociedade dar-lhe um credito inicial, pois de qualquer modo estamos todos no mesmo avião, e devemos torcer para que o piloto comande com competência. Pois uma coisa são as posições e atitudes que um candidato apresenta durante a campanha, outra é quando eleito e investido do poder que emana de seu cargo, começa a governar. Por isso, mesmo com restrições, é necessário apoiar o presidente eleito, pois se configura um mal menor ‘que a volta do PT’.

Mas, ao contrário disso estamos diante de um presidente eleito, cujo governo, significará para o Brasil e seu povo um profundo retrocesso civilizacional. É um político de forte viés autoritário, que carece de preparo, competência e suficiente equilíbrio político-emocional, para conduzir um país grande e complexo como o Brasil.

Após ter sido eleito e iniciar os primeiros movimentos de montagem de governo, o agora presidente eleito, tem se mostrado um poço de contradições, de idas e vindas em seus posicionamentos. Uma hora unifica ministérios, como os da agricultura e meio ambiente, outra diz que não fará mais isso; anuncia a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, e logo nega essa posição, faz restrições as relações comerciais com a China, e logo volta à traz.

Esses avanços e recuos do presidente eleito, são fruto de uma estratégia de despistamentos, de lançar opiniões, sentir a reação de setores da sociedade e de sua base, e aí com ‘habilidade e sensatez’, como afirmam alguns, fazer ajustes, recuar e apresentar uma imagem de “ponderado e democrata”. Ou são fruto de seu reacionarismo, despreparo e imaturidade. 

Existem um conjunto de evidencias que indicam que esse comportamento é fruto do seu atávico reacionarismo, do seu despreparo e da sua imaturidade. Segundo a coluna de Rosangela Bittar, (Valor Econômico, em 7/11/18), durante uma reunião do núcleo de infraestrutura da sua campanha, um pouco antes do segundo turno, o General Heleno, que participava da mesma, recebeu um telefonema de Bolsonaro, e como não se ausentou da sala nem pediu que os outros participantes se ausentassem, foram ouvidas as seguintes observações do general ao candidato. “Heleno aconselhava Bolsonaro a ter calma, ficar tranquilo, ter cuidado com os temas das relações externas. Explicou que transferência da sede da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém era coisa muito séria, que a saída (do Acordo) de Paris ou qualquer outro acordo internacional não é algo que se faz sem longo debate, e que declarações sobre a China deviam esperar definições de política e ministro das Relações Exteriores.” Essa informação bate com outras com o mesmo teor, obtida de outras fontes. Isso mostra um presidente eleito, inseguro, profundamente despreparado para o posto que foi escolhido e um reacionário.

O futuro governo Bolsonaro, enfrentará serias disputas internas, que já estão em curso entre as várias forças que lhe deram sustentação e o levaram a vitória nas recentes eleições, e essas disputas terão grande possibilidade de moldarem o rumo do seu governo. 

O presidente eleito tem em seu entorno pelo menos dois círculos de apoiadores, que se unificam em torno de um ultraliberalismo na economia e um ultraconservadorismo nos costumes, o que por se só já é um poço de contradições, mas que tem posturas políticas diferenciadas de como atingir esses objetivos.

Um primeiro círculo, composto de pessoas, culturalmente toscas, política e ideologicamente primárias, é formado pelos filhos, que são políticos ativos; por um sectário e aguerrido grupo de militantes, compostos de militares remanescentes e saudosos dos ‘porões da ditadura’ e segmentos pequenos burgueses marginais, e mesmo com características de lupem. Comporiam uma direita violenta e proto-fascista. Disposta a estabelecer um governo explicitamente autoritário, adeptos do ‘prende e arrebenta’ dos tempos ditatoriais. 

Um segundo círculo, composto por altos oficias da reserva e mesmo da ativa; por círculos empresariais, com destaque para o setor financeiro; por segmentos religiosos cristãos, com destaque para os neopentecostais; e por setores da mídia monopolista. Esses seriam o que poderia ser considerado como uma direita civilizada. Que almeja realizar um governo conservador nos costumes e ultraliberal na economia, onde a implementação dessas posições sejam conseguidas por meio da negociação política, inclusive com o estabelecimento de ‘pontes’ entre eles, que se consideram de ‘centro-direita’ com o que eles consideram ‘centro-esquerda’.

O sistema de contradições que uma tal disposição de forças engendra, é imenso, e o potencial de crises de governabilidade são significativos. Os setores de ‘direita civilizada’, acima citados, embora não apoiem e não se sintam confortáveis, com o que consideram os ‘impulsos verbais’ do presidente eleito, deixam entrever que, será possível controlar o futuro presidente. Mas para conseguirem esse feito, terão que enfrentar de forma firme e decidida o primeiro círculo citado.

Bolsonaro poderá ser contido, mas não controlado. Ele é um reacionário convicto de suas ideias. Culturalmente primário, emocionalmente desequilibrado. A realidade nos impõe a necessidade de resistir a essa situação, de forma ampla, inteligente, sem bravatas. 

No front político, iniciamos uma resistência, que tudo indica será de longa duração.

*Ronald Freitas é jornalista, advogado e membro da Comissão Política Nacional do PCdoB.

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