Bolsonaro fez 57,7 milhões de votos mas sua preocupação mesmo é
agradar aos seus seguidores no Twitter. Ele tem 2,4 milhões de followers na
rede social. Considerando robôs, perfis duplicados e abandonados, gente que
segue o homem por dever de ofício ou pra passar raiva, há menos eleitores e
fãs de fato do que o número sugere.
Antes de virar o presidente do Brasil, Bolsonaro virou o presidente do
Twitter. O que é a indicação desse novo ministro das Relações Exteriores se
não uma lacração para as massas de arrobas embriagadas de capitão? Ernesto
Henrique Fraga Araújo “quer ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da
ideologia globalista”, definiu-se o próprio em um blog que, à primeira,
segunda e terceira leitura, tive dificuldades para entender se aquilo tudo
era escrito a sério ou se nosso novo ministro é uma versão do Tiririca que
cursou faculdade.
Ele escreve em seu blog, por exemplo, que o aquecimento global é
predominantemente uma “ideologia da mudança climática, o climatismo”. E garante:
“O climatismo diz: ‘Você aí, você vai destruir o planeta. Sua única opção é
me entregar tudo, me entregar a condução de sua vida e do seu pensamento,
sua liberdade e seus direitos individuais. Eu direi se você pode andar de
carro, se você pode acender a luz, se você pode ter filhos, em quem você
pode votar, o que pode ser ensinado nas escolas. Somente assim salvaremos o
planeta. Se você vier com questionamentos, com dados diferentes dos dados
oficiais que eu controlo, eu te chamarei de climate denier e te jogarei na
masmorra intelectual. Valeu?”
Então você só estava caminhando com papel de bala no bolso pra jogar na
lata de lixo adequada, tentando ser um bom cidadão, e nem sabia que o
climatismo queria sua alma. Jogue uma latinha de Coca Cola no chão e
liberte-se.
O governo tuiteiro lacrador de Bolsonaro vem sendo construído há muitos
anos. Suas sementes estão espalhadas pela rede e podemos buscar cada uma
delas diante de cada fato novo gerado pela máquina de memes que é seu
gabinete de transição. A última delas foi o caso dos médicos cubanos.
Em 2013, ele tuitou que tinha acionado a justiça contra a importação dos médicos da
ilha. Voltou ao assunto de modo crítico em 2014, 2016, 2017 e 2018. Aplaudido e inebriado pela endorfina dos RTs e
likes, disse em agosto desse ano que expulsaria os médicos se
ganhasse as eleições. Reafirmou que faria isso “com uma canetada”. Depois de eleito, foi ainda mais
longe, e ameaçou cortar relações diplomáticas com Cuba. A ilha se
antecipou e, antes de ser expulsa, resolveu repatriar seus doutores.
Visivelmente abalado com a decisão cubana, Bolsonaro foi ao Twitter (claro)
e tuitou: “Atualmente, Cuba fica com a maior parte do
salário dos médicos cubanos e restringe a liberdade desses profissionais e
de seus familiares. Eles estão se retirando do Mais Médicos por não
aceitarem rever esta situação absurda que viola direitos humanos.
Lamentável!”
O uso da expressão abominada pelo bolsonarismo raíz me causou espanto. Abri
o TweetDeck e fiz uma busca no perfil oficial
@jairbolsonaro: digitei “direitos humanos” entre aspas.
Bolsonaro usou as duas palavras combinadas exatas 53 vezes desde janeiro de
2013, quando falou pela primeira vez sobre o assunto no Twitter. Teve 55 retuítes e dois likes. As palavras associadas a
“direitos humanos” em todas as suas manifestações desde então vão de
“CANALHADA dos direitos humanos” a “ESTERCO DA VAGABUNDAGEM”, assim mesmo
em letras maiúsculas.
Sabem quantas vezes ele usou as palavras em tom positivo? Só uma,
justamente quando resolveu madreteresamente defender os direitos humanos
dos médicos cubanos. Teve 16 mil retuítes e 89 mil likes. Lacrou para os
seus 2 milhões de seguidores, enquanto mais de 20 milhões de pessoas na vida real temem ficar sem médico já
em janeiro. Mas tudo bem se vai tudo bem no Twitter da
bolsosfera.
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