Clã Bolsonaro, alvo do Estadão
O
jornal O Estado de São Paulo (‘Estadão’) perfila-se entre os que propugnam a
saída ultraliberal para os impasses da sociedade brasileira. Posiciona-se
claramente à direita. entretanto, em editorial, faz severa crítica ao
presidente eleito tal como uma declaração de guerra. Transcrevo o texto aqui
para assinalar a contradição explicita no campo ultraconservador. Leia:
A façanha de errar de véspera
Explicações de Jair Bolsonaro &
família, em vez de esclarecer, geram mais suspeitas
O Estado de S.Paulo, 11 de dezembro de 2018
O governo de Jair Bolsonaro &
família ainda não começou, mas tem conseguido a façanha de errar antes da
estreia, com explicações que, em vez de explicarem e esclarecerem, geram mais
suspeitas. É lamentável o modo como Jair Bolsonaro e sua equipe vêm tratando o
caso relativo ao ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio
Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente eleito.
O Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf) detectou movimentação atípica, entre janeiro de 2016 e
janeiro de 2017, no valor de R$ 1,2 milhão, feita por Fabrício Queiroz,
policial militar que, até 15 de outubro, estava lotado no gabinete de Flávio
Bolsonaro. Segundo o Coaf, as movimentações são “incompatíveis com o
patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade
financeira” do ex-assessor parlamentar.
O documento do Coaf foi anexado pelo
Ministério Público Federal (MPF) à investigação que deu origem à Operação
“Furna da Onça”, deflagrada no mês passado e que levou à prisão dez deputados
da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Entre as transações listadas,
consta a compensação de um cheque de R$ 24 mil em favor da mulher do presidente
eleito, Michelle Bolsonaro.
Em relação a esse cheque, Jair
Bolsonaro disse que era o pagamento de uma dívida de Queiroz, e que não a
declarara ao Imposto de Renda porque os repasses foram crescendo. “O empréstimo
foi se avolumando e eu não posso, de um ano para o outro, (colocar) mais R$ 10
mil, mais R$ 15 mil. (...)
Foi na (conta) da minha esposa, pode considerar na
minha. Só não foi na minha por uma questão de mobilidade”, disse Jair Bolsonaro.
Como se esclarecesse definitivamente o assunto, o presidente eleito ainda
afirmou que “ninguém recebe ou dá dinheiro sujo com cheque nominal” e que sobre
“a conta do Queiroz não tenho nada a falar”. Questionado pelo Estado sobre a
movimentação financeira considerada atípica, Queiroz respondeu que não sabe
“nada sobre o assunto”.
Não bastasse a falta de clareza em tema
tão sensível, o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tratou o
caso como se fosse perseguição da imprensa contra Jair Bolsonaro. “Quero pedir
para a imprensa que nos acompanha, por favor, uma trégua, em nome do Brasil”,
disse Onyx Lorenzoni na sexta-feira passada.
“Algumas áreas da imprensa brasileira
abriram francamente um terceiro turno. Temos nossas limitações, nossas
dificuldades. Vamos fazer um grande pacto. Não ganhamos carta em branco.
Sabemos que temos oposição. Temos tido todo respeito do ponto de vista do
futuro do nosso país. A partir do dia 1.° de janeiro, quando o governo assumir
e tiver diretriz, aí sim, se estiver errado, critica”, afirmou Lorenzoni.
É preocupante a confusão feita por ele.
A governabilidade exige clareza de informações e não comporta explicações pela
metade, muito menos por parte de quem se elegeu proclamando a alvorada da
honestidade na política. Não há nenhuma tentativa de terceiro turno. O
presidente eleito para assumir o Palácio do Planalto no dia 1.º de janeiro de
2019 é Jair Bolsonaro e, justamente por isso, deve à população explicações
consistentes, bem fundamentadas, sobre assunto que afeta sua família, que teve
e tem grande influência sobre a política nacional. Eleito com a bandeira de uma
nova moralidade pública – repetimos –, Jair Bolsonaro não pode deixar dúvidas
sobre a lisura de seus familiares no trato de dinheiro.
Pedir trégua à imprensa, atribuindo o
caso a uma injusta perseguição, beira a irresponsabilidade. Além de revelar
completo desconhecimento do papel da imprensa num Estado Democrático de
Direito, a declaração de Onyx Lorenzoni traz dúvidas sobre a capacidade do futuro
governo de lidar com situações adversas.
A equipe de Bolsonaro parece não se dar
conta de que, em menos de um mês, terá a responsabilidade de governar o País.
Enfrentará problemas muito mais sérios do que este. Precisará, por isso,
demonstrar maturidade, seja para esclarecer as questões que virão à tona, seja
para não criar novos problemas.
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