03 janeiro 2019

Uma crônica (minha) para descontrair


Terão os anfíbios o direito de ir e vir?
Luciano Siqueira

Aconteceu em março do já finado ano de 2018 – e bem que o fato pode ser incluído em toda “retrospectiva” digna desse título, tão em voga nas redes de TV nessa época do ano.

Uma espécie de perereca, absolutamente desconhecida na região, visitou de surpresa um condomínio de luxo no Guarujá, litoral de São Paulo.

A perereca, se vocês não sabem fiquem sabendo: é um anfíbio, conhecida dos pesquisadores com o sonoro nome Scinax perereca, da família Hylidae.

Em condições normais de tempo e temperatura jamais seria encontrada ali, sob pena de apreensão pela Vigilância Sanitária e multa ao Detran. E, de quebra, suspeita de “terrorismo de esquerda” pela turma do capitão.

Mas apareceu.

Um biólogo especializado nesse tipo de animal, imediatamente convocado para atender a ocorrência, de pronto a acusou de invasora.

A partir daí, como é próprio de todo bom cientista, o “fenômeno” (assim classificado) deu azo a muitas especulações e estudos, quem sabe até futuras teses de doutorado.

Fez-se o levantamento de anfíbios invasores dos biomas brasileiros e, a partir daí, formularam-se hipóteses sobre o futuro dessa espécie e congêneres.

E assim ficamos sabendo através do biólogo Lucas Rodriguez Forti, pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que no verão de 2013 algo mais grave já havia acontecido: uma verdadeira infestação de pererecas-das-bromélias (Phyllodytes luteolus) nos jardins de um condomínio na Estrada Parque da Serra do Guararu.

Por que mais grave?

Simplesmente porque habitat natural dessa espécie são as porções de Mata Atlântica que se estendem desde o norte do Rio de Janeiro até a Paraíba. Nada a ver com o litoral paulista.

Então, as leis da Natureza, já faz algum tempo, vêm sendo desobedecidas pelas pererecas de variadas espécies?

Meu espírito militante logo se aguçou. Leis existem para ser questionadas e, quando consideradas iníquas, desobedecidas.

A questão é: terão os anfíbios o direito de ir vir consagrado na Declaração Universal que concede esse mesmo direito aos humanos?

Pode ser que sim, ou não.

A dúvida reside no fato de que essas pererecas rebeldes ameaçam a sobrevivência de semelhantes animais nativos que vivem na Baixada Santista.

E o rolo é grande.

Os machos da espécie invasora emitem um som para atrair a fêmea, tal como ocorre em seu habitat de origem.

Até aí, tudo bem.

Porém esse sinal se dá na mesma faixa de frequência dos machos da espécie nativa, o que causa problemas diversos – da infidelidade conjugal até a supressão gradativa dos ditos cujos. Daí a necessidade de se evitar a promiscuidade, em nome da sobrevivência da espécie.

Donde se conclui, mais uma vez, que a Natureza é sábia - porém vulnerável à subversão.

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