O nazismo
era de extrema direita, mas nacionalista
João Quartim de Moraes, portal Vermelho
Os facho-bolsonaristas ganharam as
eleições de 2018 aplicando nas redes sociais o conhecido preceito do chefe
nazista J. Goebbels, uma mentira mil vezes repetida se torna uma verdade.
Evidentemente, em ambientes politicamente esclarecidos, uma mentira pode ser
repetida um milhão de vezes sem enganar ninguém. Mas num ambiente de
intoxicação reacionária e de ódio furibundo, até os mais grotescos disparates
podem surtir efeito.
Houve quem esperasse que, uma vez
no governo, os extremistas iriam equilibrar um pouco sua fraseologia. A lista é
grande, porém dos dejetos mentais que eles continuam a lançar contra a
inteligência e a cultura de nosso país. Notável nessa lista é a classificação
do nazismo como um movimento “de esquerda”, por parte do atual ministro do
Exterior, sr. Ernesto Araújo, sob a alegação de que o partido de Hitler se
chamava nacional socialista. Esse argumento disparatado foi imediatamente
reprovado em todos os meios politicamente civilizados, mas os sub pensadores do
bolsonarismo, a começar do Chefe epônimo, insistiram em repeti-lo. Movia-os a
obsessão em agredir as forças do campo democrático, especialmente os
socialistas, mas também a preocupação de repelir uma identificação mais
plausível: a deles próprios com os hitlerianos. Cabe notar, entretanto, que
eles apenas expressaram de modo toscamente grotesco uma operação ideológica que
os doutrinários da direita liberal desenvolveram desde o início da Guerra Fria,
inventando um gênero, totalitarismo, do qual nazifascismo e comunismo seriam as
espécies. Sob essa fórmula mistificadora, mas intelectualmente mais palatável,
o antagonismo frontal entre comunistas e nazifascistas foi mentirosamente
ocultado.
Os guias ideológicos adotados pelo
bolsonarismo são os governos dos Estados Unidos e de Israel. Não há dúvida de
que este último, principalmente, detesta o nazismo. Mas convém lembrar a
observação de Ben Gurion, um dos fundadores do Estado judeu, em carta a seu
amigo Haim Ghori, datada de 15 de maio de 1963, a propósito de Begin, então
chefe da extrema-direita de seu país, da qual o facho sionista Netanyahu é
filhote e continuador: “[...] é um personagem talhado da cabeça à planta dos
pés à imagem do modelo hitleriano. Está disposto a eliminar todos os árabes
para completar as fronteiras do país. [...]. Considero-o um grande perigo para
Israel[...]”. Se chegar ao poder, prossegue Ben-Gurion, ele colocará
“criminosos de sua espécie à frente da polícia e do exército”. E concluiu: “Não
duvido que Begin deteste Hitler, mas este ódio não prova que ele seja diferente
de Hitler”.
O sr. E. Araújo quer fazer crer
que também não gosta do nazismo, mas o pai dele, Henrique Fonseca de Araújo,
gostava. Procurador-geral durante a ditadura militar, ele protegeu Gustav Franz
Wagner, um monstro responsável pelo extermínio de cerca de duzentos e cinquenta
mil deportados, na maioria judeus, no campo de morte de Sobibor, do qual ele
era subcomandante. Graças a uma rede de proteção aos nazistas mantida por
clérigos católicos ligados ao Vaticano, Wagner escapou dos escombros do Reich
de Mil Anos e instalou-se no Brasil com documentação falsa. Descoberto pelo
caçador de nazistas Simon Wiesenthal, ele foi preso pela polícia brasileira em
30 de maio de 1978. No ano seguinte, graças a Araújo pai, mas também ao STF, a
quem cabia última palavra, a extradição solicitada pela Alemanha, Polônia e
Israel foi negada. Bolsonaro não foi o primeiro a sustentar que os nazistas
devem ser perdoados.
Não há lição de moral a tirar
desse assunto imoral. Apenas algumas observações sobre a ideologia do governo
de extrema-direita. Ele rejeita não somente o termo “socialista”, mas também o
termo “nacional” na fórmula do movimento hitleriano. Em relação ao primeiro, a
rejeição é meramente terminológica. O “socialismo” nazista era uma vulgar
demagogia que só agredia os capitalistas judeus, mas não por serem capitalistas
e sim por serem judeus; os grandes trustes “arianos” dirigiam a economia de
guerra alemã, beneficiando-se até da mão de obra escravizada. Mas o componente
nacionalista do nazifascismo tem fundamento objetivo. “Alemanha acima de tudo”
(“uber alles”) proclamava a supremacia mundial da “raça de senhores”.
Mussolini, caricatura dos antigos césares romanos, queria partilhar com os
alemães o domínio do planeta. A ambição do bolsonarismo é mais modesta: quer
que nossa pátria seja o vassalo mais fiel do “Colosso do Norte”; proclama
“Brasil acima de tudo”, mas na prática, põe acima de tudo os Estados Unidos.
* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.
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