14 maio 2019

Contingenciamento suicida


Os gênios que entraram na garrafa e toparam com a Lei do Teto
Luís Nassif, Jornal GGN
Dentre todas as loucuras, no porre homérico que se seguiu ao impeachment de Dilma Rousseff, nenhuma foi mais irresponsável do que essa Lei do Teto. Um grupo de tecnocratas de visão estreita, junto com economistas liberais propagandistas de jornal, repetiram o mesmo processo que vitimiza a economia brasileira desde o Plano Cruzado.
O sujeito entra com a convicção de que a economia nunca foi arrumada por falta de vontade política. Vale-se de algum terremoto político ou econômico, um plano econômico ou um golpe, tanto faz, que cria uma brecha no sistema político e na opinião pública, por onde tenta injetar suas fórmulas salvadoras.
Passado o porre, vem a ressaca brava, com mais uma conta pesada sendo jogada para o futuro.
Foi assim com o Plano Cruzado e o congelamento, com o Plano Real, permitindo perpetuar a política monetária e a cambial, com o Plano Primavera, de Maílson da Nóbrega, que abriu espaço para a maior jogada econômica da história: a conversão da dívida externa em investimento interno, com o Banco Central montando o balcão de negócios para autorizar as operações. Foi a raiz da hiperinflação que se seguiu.
Sabia-se que a ressaca da Lei do Teto viria em breve. Mas é inacreditável a mediocridade do debate econômico no país. O avalista máximo é a imprensa, não é a academia, think tanks gabaritados, um conselho de sábios, comissões especializadas do Congresso. E a imprensa se move por slogans, por comparações acessíveis ao leitor, como a que usa a lógica da dona de casa para as questões fiscais brasileiras, recorrendo diariamente às mesmas fontes, brandindo os mesmos argumentos salvadores, a mesma embromação que se faz hoje com a reforma da Previdência. Aliás, independentemente da sua relevância, “reformas” sempre foram o álibi para economistas sem noção de política econômica.
O mercado coloca na linha de frente seus batedores, os corneteiros incumbidos de manter a tropa na ofensiva, repetindo os mesmos toques de clarins. Pior: criou-se um ambiente tão medíocre, que os corneteiros acabam acreditando em suas próprias propagandas.
Roberto Campos colunista, se permitia a radicalização ideológica; Roberto Campos ministro, jamais. E ele soube casar pragmatismo, entender os limites sociais e políticos e, mesmo quando a ditadura lhe deu superpoderes, jamais deixou de lado a lógica econômica.
O impeachment deu o mote, uma opinião pública entorpecida, achando que, sem Dilma Roussef agora ia, e, como em todos os processos de choque político, conferindo seis meses de prazo para que todas as loucuras fossem cometidas. E, como quem não tem cão, caça com gato, os linchadores do bom senso entram em campo com os Mansuetos, os Júlios, os Samuels da vida, os tecnocratas públicos ajudando a trazer suas luzes para a economia, implementando a fórmula vital, com o senso de oportunidade dos muito espertos: vamos aproveitar o momento e eternizar por vinte anos nosso modelo.
Dessa mistura de irracionalidades nasceu a Lei do Teto.
E agora? Os gênios da economia acharam que poderiam ressuscitar o morto sem injetar oxigênio em seu pulmão. Política fiscal anticíclica é anátema. E a economia continuou caindo. A cada queda, como existe uma Lei do Teto, mais contingenciamento orçamentário, induzindo a mais queda e mais contingenciamento.
Dívida pública só pode aumentar para honrar o serviço da dívida. Universidades, remédios essenciais, bolsas científicas, políticas de meio ambiente, segurança pública, repasses para estados e municípios, nada mais poderá ser atendido, porque os gênios da lâmpada fizeram questão de tapar a rolha da garrafa em que eles próprios se confinaram.
Repito: é um país institucionalmente burro, primário, sem contrapesos para a burrice.
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