04 maio 2019

Crônica do cotidiano


Pablo Picasso
O afeto em tempo de cólera
Luciano Siqueira

Parece um tsunami obscurantista, que envolve toda a sociedade em suas entranhas. E muda o modo de sentir, reagir e se expressar das pessoas.

A sociedade brasileira, embora dividida no pleito presidencial último, em sua maioria deu vitória ao detentor das ideias mais retrógradas, temperadas com o ódio e o preconceito.

Um subproduto do ambiente criado é a desconfiança.

Tanto quanto a intolerância diante de opiniões divergentes, entre os do mesmo lado — digamos assim — um gás venenoso parece contaminar senão a todos, a uma maioria. Desconfia-se da palavra, da atitude, do sentimento.

Uma palavra qualquer, retirada do contexto em que foi pronunciada ou escrita, logo vira motivo de discórdia.

O disse me disse tão presente em nossa cultura ganha status de informação verdadeira.

E essa onda de insensatez a desconfiança contamina as relações humanas em todas as suas dimensões.

Mas há um antídoto eficaz: a resistência à nova ordem nascida das urnas de outubro.

A luta coletiva não apaga nem reduz a individualidade, antes a eleva: cada um se encontra na reunião de muitos e se vê compelido a cultuar os valores civilizatórios mais caros.

Quem resiste movido pelo ideal maior tem olhos para enxergar e sensibilidade para perceber a sinceridade, a troca, a solidariedade. E exercer a confiança mútua.

Resistir é preciso — pelo Brasil e pelo afeto.

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