Uma grande mentira
Janio de
Freitas, Folha de S Paulo
A aquietação silenciosa em que a trupe mergulhou, por toda a
semana, obedeceu à reação, demorada mas enérgica, dos ministros militares à
tolerância explícita de Jair
Bolsonaro aos insultos
de Olavo de Carvalho ao general Villas Bôas.
O "basta", calado diante de ataques a outros generais,
como Santos Cruz, e mesmo aos militares em geral, representa a primeira
dissensão verdadeira, apesar das várias noticiadas, entre os generais
reformados do governo e Bolsonaro.
O ataque ao ex-comandante do Exército foi agravado por
dirigir-se também ao estado físico do general, condicionado à cadeira de rodas
e ao auxílio respiratório. Pior do que indiferente, a atitude de Bolsonaro
desconsiderou a contribuição de Villas Bôas à sua eleição, como patrocinador da
candidatura nas Forças Armadas e entre os conservadores civis.
Não podendo ser um dos limitados à comunicação privada,
Bolsonaro refluiu as suas provocações e a falta de senso, também como efeito
das cobranças e conversas afinal mais responsáveis no Planalto.
Passou a semana buscando eventos em que se mostrasse simpático,
quis entrevistas, culminando com o espetáculo do enlace a que atraiu dois
incautos. Dias Toffoli e
Rodrigo Maia capitularam a papéis deploráveis.
O primeiro não tem como comprometer por sua conta, em pactos ou
no que seja, os demais magistrados do Supremo Tribunal Federal. Até os
desvalorizou no tal pacto político
com Bolsonaro em
nome do tribunal. O outro, sonhando sempre com a Presidência, pensou subjugar
às pretensões do Executivo a independência do Legislativo ditada pela
Constituição. Ambos demonstraram mais presunção pessoal do que noção dos
limites de suas funções.
O silêncio da trupe e a contenção de Bolsonaro falsificaram a
índole do governo. Só Abraham
Weintraub, da Educação (sic), com seu desempenho tanto pior que o de
Ricardo Vélez quanto, por isso, melhor para o saldo de democracia ainda
existente.
A construção ou, no nosso caso, a salvação do regime medianamente
democrático precisa de quem o defenda. À falta de oposição organizada e
incisiva, estudantes coadjuvados por professores entregam-se com altivez a esse
papel. Weintraub é quem os incita.
Flagrante significativo: os meios de comunicação clamam sem
cessar por melhor sistema de ensino, sua única ou maior bandeira de benefício
com amplitude absoluta —e recorrem a métodos conhecidos para depreciar as
manifestações contra o corte de 30% dos recursos do ensino superior público. É
o famoso tiro no pé. Há informações sobre esforços de organização para
manifestações várias, já em junho, de outros segmentos prejudicados.
É o esperável de um país que degringola. Ao se completar apenas
o quinto mês de governo, os 3% de crescimento neste ano, previstos antes da posse
pelo novo ministro da Economia, já estão reduzidos à faixa do zero vírgula.
Afinal divulgados, os resultados
econômicos do primeiro trimestre foram desastrosos. Os do atual não
prometem coisa melhor.
A figuração das mudanças na Previdência como chave para uma
grande virada é engodo. E seus propagadores sabem que aí não há milagre algum.
Estamos vivendo dentro de uma grande mentira. Não há sinal de
que os militares do governo se inquietem além das bagunças da trupe bolsonara.
Mas os bolsonaristas do poder econômico (sim, é redundância)
começam a assustar-se, ainda mais com as perspectivas do que com a má
atualidade. Por ora, pacificam-se na sua catedral, a Bolsa. Não falta muito,
porém, para que se sintam premidos a liberar as palavras ainda retidas em
ambientes restritos, como fizeram em ocasiões passadas. Sem que isso permita,
necessariamente, vislumbrar uma saída saudável de dentro da grande mentira.
Acesse
o canal ‘Luciano Siqueira opina’, no
YouTube https://bit.ly/2QHuOWq
Leia mais sobre temas da atualidade: https://bit.ly/2Jl5xwF
Nenhum comentário:
Postar um comentário