26 julho 2019

Beco sem saída?


Política de Guedes condena economia à estagnação

José Paulo Kupfer, no portal Vermelho


Hesitante entre suas convicções ultraliberais, as pressões do setor da construção civil e a emergência de dar um gás no consumo inerte, a equipe do ministro Paulo Guedes pode ter caído no pior dos mundos com a forma definida para liberar recursos do Fundo de Garantia (e do PIS/Pasep). Seu programa de injeção de recursos na economia corre o risco de ter impacto modesto no PIB e não assegurar completamente a estabilidade do FGTS.

Nas estimativas do governo, serão liberados R$ 30 bilhões este ano e R$ 12 bilhões em 2020. Com isso, o potencial de acréscimo ao PIB, admitindo que tudo será diretamente absorvido pelo consumo, alcançaria 0,35 ponto porcentual em 12 meses.

Mas, como uma parte do dinheiro deverá ser usada para quitar ou reduzir dívidas, e, além disso, PIBs são contabilizados em bases anuais, deve-se esperar, para o ano civil de 2019, expansão adicional entre 0,1 pp e 0,2 pp, mais para o piso da projeção. O crescimento da economia no ano, se essas projeções estiverem corretas, não chegará a 1%.

O governo Temer usou o mesmo expediente em 2017 e conseguiu agregar 0,4 pp à expansão do PIB, que naquele ano registrou crescimento de 1%, depois de dois anos de profunda recessão. Naquela ocasião, o estímulo foi mais forte, injetando na economia R$ 44 bilhões em quatro meses, com os quais 26 milhões de pessoas destinaram 40% do total à quitação de dívidas e outro tanto ao consumo ou compra de imóveis.

Ninguém discorda de que esse tipo de medida tem efeito apenas temporário, equivalendo, na falta de suportes estruturais, a alguma coisa semelhante a vender o almoço para pagar o jantar. A pequena evolução da atividade econômica em 2018 e no primeiro semestre de 2019 é suficiente para comprovar as limitações desse tipo de estímulo.

Faz sentido, portanto, a vacilação de Guedes e equipe em adotar um procedimento que, sem ajustes mais abrangentes na economia, seria incapaz de produzir algo além de um conhecido “voo de galinha”. O problema é que as disfunções abundantes na estrutura da economia brasileira não dão muita margem a soluções sustentáveis.

Começa pelo regime tributário conhecido pela reunião de tributos de péssima qualidade, que afeta negativamente a competitividade da economia, acentua as já imensas desigualdades de renda e é difícil tanto de cobrar quanto de pagar. Mas as disfuncionalidades continuam com o sistema de controle das contas públicas, estrelado pela meta anual de resultado primário e pelo teto de gastos.

Como bem lembrou a economista Laura Carvalho, em sua coluna desta quinta-feira na Folha de S.Paulo, ao mesmo tempo em que o governo anunciava a liberação envergonhada de saques nas contas ativas e inativas do FGTS, procedia também a novo contingenciamento de recursos orçamentários para tentar cumprir a meta de resultado primário de 2019. No acumulado do ano, o montante contingenciado, da ordem de R$ 32 bilhões, equivale ao volume previsto de dinheiro liberado do FGTS em 2019.

Trata-se de um caso de tira-e-põe em que o resultado só pode se traduzir em ineficiências. Injetar dinheiro na economia e ao mesmo tempo retirar parece não fazer sentido? Não faz mesmo. Como em outros casos, a situação bizarra deriva de um conjunto de metas e políticas restritivas destinadas a garantir o equilíbrio das contas públicas que, além de não assegurarem o cumprimento dos objetivos pretendidos, na verdade impedem que eles sejam alcançados.

Ao adotar metas de resultados fiscais primários, por exemplo, o governo opera na direção oposta ao da facilitação do ajuste fiscal e, de quebra, cria uma camisa de força para superar crises e retomar o crescimento. Esse problema não ocorreria se a meta se limitasse a controlar os gastos públicos primários, mas, ao envolver as receitas públicas na equação, o garrote é praticamente inevitável.

A arrecadação pública é variável diretamente dependente do crescimento da economia, fora do controle governamental. Nas crises, a tendência é de redução das receitas e, por isso, as metas de resultados exigem maiores esforços de contenção do lado das despesas. Exatamente quando se faz mais necessário estimular a economia.

Repetindo e resumindo, nas fases de crescimento mais acelerado, o governo dispõe de folgas orçamentárias que poderiam ser aplicadas em mais crescimento. Nas crises, quando a arrecadação cai e, com ela, cai o resultado, seria o caso de impulsionar a atividade com ampliação de despesas, mas o governo, para cumprir a meta, se vê obrigado a comprimi-las. A regra, numa palavra, é pró-cíclica.

Por aí já se pode ver que, no Brasil, tirar a economia de uma etapa de sufoco é tarefa mais complicada. Porém, como sempre é possível piorar as coisas, inventamos um teto de gastos que impede aumentos de gastos em termos reais, mesmo com a economia em crescimento.

De acordo com a regra do teto de gastos, quanto mais a economia crescer e mais baixa for a inflação, menor será a margem para usar o dinheiro público em favor do impulso econômico, sobretudo no caso dos investimentos. Não importa quanto a economia cresça, a arrecadação avance e o resultado primário apresente folgas. O teto de gastos só permite corrigir os montantes de despesas públicas pela inflação do ano anterior.

Nenhuma outra economia além da brasileira estabelece um teto de gastos por tempo tão prolongado —20 anos, com possível revisão no décimo ano—, nem com correção tão rígida —apenas pela inflação do ano anterior. Lá fora, os tetos se limitam, no prazo, ao ciclo político e, na forma de correção de valores, levam em conta os ciclos econômicos.

Em outras economias, também no caso das metas de resultados fiscais, quedas na arrecadação com origem em crises econômicas são desconsideradas na determinação da meta ou do teto. Além disso, os investimentos públicos, fator essencial de impulso econômico, costumam ficar fora dos tetos de gastos.

É evidente que a alternativa às regras e metas de contenção fiscal não é o bombeamento ilimitado dos gastos, levando a dívida pública à explosão e daí a surtos inflacionários e crises recorrentes. Mas o caráter pró-cíclico do sistema brasileiro de controle fiscal é elemento importante na condenação da economia ao baixo crescimento.

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