Ataque ao BNDES é
perturbador e surpreendente
Joseph E.
Stiglitz*, Portal Vermelho
Em todo o mundo, houve grande mudança de perspectiva sobre o valor e a importância dos bancos de desenvolvimento. E por bons motivos: eles desempenharam papel central em promover o crescimento e o investimento e em ajudar a estabilizar a economia.
Ajudam a sociedade a resolver grandes questões sociais usualmente desconsideradas pelo setor privado, como a desigualdade e o aquecimento global. Servem como intermediário crucial entre o investidor de longo prazo e as necessidades de investimento em longo prazo, de uma forma que os mercados financeiros privados, tipicamente concentrados no curto prazo, não fazem.
É por
isso que a Europa vem expandindo seu banco de desenvolvimento, o Banco de
Investimento Europeu, o maior do planeta. É por isso que alguns estados dos EUA
criaram novos bancos de desenvolvimento. É por isso que o mais importante grupo
de países de mercado emergente, o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul), criou o Novo Banco de Desenvolvimento, que vem florescendo e fazendo
uma contribuição importante ao desenvolvimento.
Pesquisas
recentes corroboram esses insights.
Os
empréstimos de bancos de desenvolvimento se traduzem em investimento mais
produtivo —diferentemente de muitos dos empréstimos do setor privado,
destinados ao consumo e à habitação.
Ajudam
a elevar a produtividade das empresas que recebem os fundos, especialmente as
PMEs (pequenas e médias empresas), que muitas vezes encontram restrições no
crédito que são capazes de obter do setor privado.
É por
isso que é tão surpreendente, e tão perturbador, ver o recente ataque a, e os
esforços para restringir, um dos maiores bancos de desenvolvimento do planeta,
o BNDES.
Isso é
especialmente perturbador porque o Brasil talvez seja o emergente para o qual
um banco de desenvolvimento nacional seja mais importante. Seu setor financeiro
privado —que historicamente cobra juros entre os mais altos do planeta— faz um
dos piores trabalhos em termos de cumprir o papel social de oferecer
financiamento a empresas, especialmente PMEs.
Sejamos
claros: nenhum banco é perfeito.
É
sempre fácil ver em retrospecto se um projeto era bom. O que os economistas
definem como “questões de agência” —casos em que os empregados de uma
organização, ao seguir seus próprios interesses, às vezes fracassam em defender
os melhores interesses daqueles a quem deveriam servir— e o que as pessoas
chamam de “corrupção” acontece tanto em instituições públicas quanto privadas.
O nível
de “corrupção” nas instituições financeiras privadas e com fins lucrativos dos
EUA excede por diversas ordens de magnitude a corrupção vista em cooperativas
ou em instituições financeiras públicas; e os EUA e o mundo pagaram um preço
elevado por seus delitos.
Quando
falhas em instituições se tornam aparentes, a tarefa é reformar a instituição,
não aboli-la.
O Fed
(Federal Reserve), o banco central dos EUA, fracassou em seu papel regulatório
nos anos que antecederam a Grande Recessão; foi excessivamente influenciado por
banqueiros privados que pediam confiança e defendiam a autorregulamentação.
A
resposta não estava em abolir o Fed. A resposta estava em tornar mais claras
suas responsabilidades regulatórias, reconhecendo os problemas inerentes
causados pelos bancos privados.
O
crescimento do Brasil vem sendo volátil. O país teve mais de uma década de
expansão forte antes que os preços das commodities caíssem e a economia
entrasse em recessão.
O BNDES
merece parte do crédito pelo crescimento notável do período e por ajudar a
reduzir a dependência do país da exportação de recursos naturais. Mas não pode,
e não deveria, ser culpado pela recessão.
Se o
objetivo é restaurar o crescimento sustentável e de longo prazo, e
especialmente se essa expansão deve ser equitativa, o BNDES e outros bancos
estatais de desenvolvimento precisam ser encorajados e expandidos, não
reprimidos.
O
grande insight sobre o desenvolvimento nos últimos 35 anos, durante os quais
alguns poucos países conseguiram registrar crescimento notável, é que as
instituições importam, e entre elas as mais importantes são os bancos de
desenvolvimento.
O
Brasil deveria respeitar essa lição.
Joseph E. Stiglitz é
economista e Prêmio Nobel de Economia em 2001
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