Seletividade:
bancos e políticos não eram investigados pela Lava Jato
Portal Vermelho
Novas mensagens divulgadas pelo The
Intercept Brasil e El País deste domingo (25),
confirmam que integrantes da Lava Jato foram convenientes e seletivos com
certos setores bancários e com alguns políticos, inclusive com integrantes do
governo Bolsonaro, ao contrário que tentavam demonstrar.
O setor bancário, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o senador do Paraná, Álvaro Dias (Podemos),
além dos atuais superministros do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, da Fazenda
(PSC) e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), foram poupados das
investigações, enquanto que o ex-presidente Lula, candidato à presidência nas
eleições de 2018, era o alvo principal da Lava Jato.
A reportagem apresenta as acusações que foram
descobertas, mas a seletividade da Lava Jato não aprofundou nas investigações.
"A implacabilidade da Lava Jato contra a corrupção era
seletiva".
Leia a seguir, reportagem do jornalista e cientista
político João Filho, publicada no The Intercept Brasil:
A LAVA JATO foi muito bem sucedida em vender a
imagem de imparcial e implacável contra a corrupção. Os procuradores e o
ex-juiz Sergio Moro se empenharam para manter a opinião pública acreditando
nisso, como ficou claro pelas publicações da Vaza Jato. Hoje, sabemos que a
operação não era nem tão imparcial, nem tão implacável contra a corrupção
assim. Alguns políticos e setores econômicos contaram com a leniência dos
procuradores.
Lula, por exemplo, era uma obsessão, um alvo a ser
eliminado da corrida eleitoral nem que para isso fosse necessário infringir a
lei. Já FHC era visto como um “apoio importante”, cujas denúncias deveriam ser
tratadas com muito cuidado. Esses são os casos mais simbólicos, mas uma
infinidade de exemplos que indicam que a força-tarefa trabalhava com dois pesos
e duas medidas.
Nos últimos três meses, a Vaza Jato deu luz a
alguns dos protegidos pela Lava Jato. Trago a seguir um compilado com algumas
das figuras que contaram com uma abordagem, digamos assim, mais carinhosa.
Bancos - Diálogos publicados pela parceria
entre Intercept e El País revelam que a Lava Jato tinha um cuidado especial com
o setor bancário. Enquanto a construção civil foi devassada pela operação,
ampliando a crise econômica e o desemprego do país, os grandes bancos foram
poupados. Mesmo sabendo que o setor bancário é o meio pelo qual o dinheiro de
corrupção circula, a Lava Jato pouco fez contra ele. Os grandes bancos
continuaram a lucrar com a roubalheira.
“O Banco, na verdade os bancos, faturaram
muuuuuuito com as movimentações bilionárias dele”, escreveu o procurador
Pozzobon em mensagem enviada aos colegas. O banco citado é o Bradesco, e as
movimentações milionárias são de Adir Assad, um lobista condenado por lavagem
de dinheiro e envolvido em diversos casos de corrupção. Os procuradores sabiam
que o Bradesco tinha ciência de que o lobista possuía uma conta no banco para
lavar dinheiro “a rodo”. Na sequência da conversa, Pozzobon responde a sua
própria pergunta: “E o que o Bradesco fez? Nada”.
Sabendo que o Bradesco lucrava calado com a
corrupção do doleiro, o que a Lava Jato fez? Nada também. O banco saiu impune.
Na proposta de delação premiada do ex-ministro
Palocci entregue à força-tarefa, o nome do Bradesco aparece 32 vezes. O do
banco Safra aparece outras 71. Mas a delação foi rejeitada pelo Ministério
Público. O procurador Carlos Fernando Lima a chamou de “fim da picada” por não
trazer provas suficientes. O fato causou estranhamento à época, porque, como se
sabe, falta de provas nunca foi um problema para a Lava Jato. Agora ficou mais
fácil entender por que a delação de Palocci não caiu nas graças dos
lavajatistas.
Dallagnol também mostrava-se preocupado em poupar
os bancos nas investigações. Diferentemente das grandes construtoras, que não
saíam das manchetes de corrupção e tinham seus executivos presos, os bancos
contaram com a morosidade da Lava Jato. Nos diálogos com procuradores,
Dallagnol deixou claro que os bancos não sofreriam uma devassa, mas receberiam
propostas de acordo: “Fazer uma ação contra um banco pedindo pra devolver o
valor envolvido na lavagem, ou, melhor ainda, fazer um acordo monetário, é algo
que repercutiria muito, mas muito, bem”. Toda aquela volúpia punitivista contra
as construtoras não era a mesma para os bancos.
Mas estamos falando dos grandes. Os pequenos bancos
não contavam com a mesma benevolência.
Em maio deste ano, quando três
executivos do Banco Paulista foram presos, Pozzobon deixou claro que a
estratégia era pegar leve com os grandes. Enquanto os pequenos tinham seus
executivos indo para cadeia, aos grandes seriam oferecidos acordos: “Chutaremos
a porta de um banco menor, com fraudes escancaradas, enquanto estamos com
rodada de negociações em curso com bancos maiores. A mensagem será passada!”
Nessa mesma época, Dallagnol enchia o seu pé de
meia dando palestras para CEOs dos grandes bancos do país. Em apenas uma
palestra vendida para a Febraban, o procurador recebeu quase o mesmo valor de
um mês de salário. Essa palestra foi feita um dia depois de Pozzobon afirmar no
Telegram que o Bradesco sabia que a conta de Assad servia para lavagem de
dinheiro. O tema da palestra? Prevenção e combate à…lavagem de dinheiro.
Se houvesse uma Lava Jato da Lava Jato, as
palestras de Dallagnol para os bancos seriam tranquilamente configuradas como
propinas em troca de proteção nas investigações. Nós conhecemos bem os métodos
lavajatistas. Dallagnol já teria sofrido até mesmo uma condução coercitiva.
FHC - Fernando Henrique Cardoso também
não conheceu o lado implacável da Lava Jato. Os procuradores não investigaram
mais profundamente os casos de corrupção envolvendo o ex-presidente e seu
governo. E não foram poucas as vezes que o nome do ex-presidente apareceu nas
investigações.
A ordem veio de Sergio Moro, que recomendou a
Dallagnol que não prosseguisse com as investigações contra FHC para não
“melindrar alguém cujo apoio é importante”. Como os desejos de Moro soavam como
ordens para Dallagnol, as investigações foram engavetadas.
Uma operação de caráter essencialmente político
precisava articular alianças políticas e usava o seu poder para protegê-las.
Não foi à toa que recentemente FHC chamou as publicações da Vaza Jato de
“tempestade em copo d`água”. A aliança segue firme.
Álvaro Dias - Durante as investigações, o nome
de Álvaro Dias, do Podemos, surgiu em dois episódios como beneficiário de
propinas. Em um deles, o ex-candidato a presidente foi acusado de receber
propina para ajudar a melar a CPI da Petrobrás. O ex-senador chegou a prestar
depoimento para Moro em 2017 sobre o caso, mas o ex-juiz e o então procurador
Diogo Castor pegaram tão leve que nem chegaram a perguntar se ele havia
recebido a propina.
Em outro episódio, e-mails do advogado da Odebrecht
Rodrigo Tacla Durán indicavam que Álvaro Dias teria recebido R$ 5 milhões em
propina para pegar leve nas perguntas aos investigados na CPMI de Carlos
Cachoeira, o empresário do jogo do bicho. O caso não mereceu uma investigação
mais profunda, e Dias jamais virou um investigado.
Em 2014, um doleiro condenado pela Lava Jato estava
prestes a apontar Álvaro Dias como o padrinho político de Alberto Youssef,
outro doleiro também condenado pela operação. Em depoimento, o doleiro passou a
descrever quem seria o seu padrinho, mas foi interrompido pelo juiz Sergio
Moro: “A gente não está entrando nessas identificações, doutor”. O doleiro quis
continuar, disse que não estava “citando nomes”, mas o juiz interrompeu
novamente: “Se a gente for descrever e falar as características, daí não
precisa falar o nome, né?” O UOL entrou em contato com o advogado de Meirelles,
que confirmou que o padrinho político de Youssef era mesmo Álvaro Dias.
Depois de ser poupado pela operação em várias
oportunidades, o ex-senador passou a última campanha presidencial inteira tendo
como principal bandeira a defesa da Lava Jato. Prometeu até o cargo de ministro
da Justiça para Sergio Moro.
A simbiose entre Álvaro Dias e Lava Jato é mesmo
fascinante. Até a nova assessora de imprensa contratada por Sergio Moro, por
exemplo, trabalhou durante muitos anos com Álvaro Dias no Senado.
Paulo Guedes - A força-tarefa descobriu que uma
empresa do ministro fez pagamento a um escritório de fachada, suspeito de lavar
dinheiro para esquema de distribuição de propinas a agentes públicos no governo
do Paraná. Segundo os investigadores, essa empresa de fachada emitia notas
fiscais frias para justificar o recebimento de dinheiro e gerava recursos em
espécie para o pagamento de propinas. Uma denúncia sobre o caso chegou a ser
apresentada, mas nem o ministro nem ninguém da sua empresa foi denunciado.
Curiosamente, os responsáveis por outras duas empresas que participaram do
esquema foram presos, denunciados e viraram réus.
Carlos Felisberto Nasser, o operador do esquema,
era o responsável pela empresa de fachada que recebeu grana de Paulo Guedes.
Durante buscas da Polícia Federal na sua casa, Nasser confessou que a sua
empresa não existia e que os recursos colocados nela foram usados em campanhas
políticas. Mas, em junho de 2018, poucos meses do início da campanha
presidencial, Sergio Moro anulou esse depoimento. O juiz declarou que o
interrogatório foi ilegal, porque o acusado não foi informado pelo MPF que
tinha o direito de ficar calado. Detalhe: Nasser é advogado. É o tipo de prudência
que não se espera de um juiz conhecido por infringir a lei reiteradamente.
À época da descoberta, Guedes já era o grande nome
da campanha do Bolsonaro, apresentado como o fiador da política liberal do
candidato. Era o homem que tornou a extrema direita palatável para o mercado.
Uma denúncia contra Guedes seria avassaladora para Bolsonaro, que passou a
campanha explorando o fato de estar distante dos acusados na Lava Jato. Ou
seja, se por um lado a operação se esforçava em tirar Lula do páreo, por outro
poupava a candidatura que levaria Sergio Moro ao ministério da Justiça.
Registre-se que foi Guedes quem convidou Sergio Moro pessoalmente para integrar
o governo.
Onyx Lorenzoni - Você já conhece esse episódio. É
talvez o mais representativo da frouxidão moral de Sergio Moro e da
seletividade da Lava Jato.
Ainda juiz, Moro disse que “caixa 2 é pior que
corrupção”. Depois que virou político e seu colega de governo Onyx Lorenzoni,
do Democratas,, confessou ter cometido crime de caixa 2, Moro passou a dizer
que “caixa dois não é tão grave quanto corrupção”.
A Vaza Jato revelou que Onyx, que ocupa o
ministério mais importante do governo Bolsonaro, também contou com a tolerância
dos procuradores da operação. Em diálogo com um militante de um movimento
anticorrupção, Dallagnol confessou que sabia que Onyx aparecia na lista de
beneficiários de caixa 2 da Odebrecht: “Já sabia, mas tinha que fingir que não
sabia, o que foi na verdade bom… rs”.
Dallagnol não apresentou nenhuma denúncia contra
Lorenzoni. Varrer essa corrupção para debaixo do tapete seria estratégico, já
que o deputado era considerado o principal aliado político da campanha pelas
“Dez medidas contra a corrupção” — uma obsessão de Dallagnol. Se o Brasil tem
hoje um chefe da Casa Civil reincidente em caixa 2, é graças à passada de pano
da Lava Jato.
A implacabilidade da Lava Jato contra a corrupção
era seletiva. Para alguns setores econômicos e políticos ela atuava como um
“tigrão”, mas para outros estava mais para “tchuchuco”. A operação selecionava
os casos de corrupção que iria combater a partir dos seus próprios critérios
políticos. O brasileiro que achou que a Lava Jato estava passando o Brasil a
limpo foi enganado.
Dallagnol e Sergio Moro se viam numa jornada
messiânica para salvar o Brasil. Tentaram derrubar ministro do STF, fizeram
lobby para emplacar PGR, influenciaram a campanha presidencial, enfim,
brincaram de Deus. Mas não é o Deus cristão. É um mais parecido com aquele do
Bolsonaro. Um Deus que deseja criar um monumento para si. Um Deus acima de tudo,
com viés ideológico. (Fonte:
The Intercept)
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