O
negacionismo científico: ignorância ou infâmia
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Depois de quase cinco décadas do primeiro alerta nacional, aliás
posto nesta Folha, reaquece o debate na
sociedade brasileira sobre o aquecimento
global. Apesar da simplicidade e da certeza científica, nossas
autoridades continuam a ignorar as inexoráveis calamidades a que o aquecimento
global nos condena.
Aqui venho, pois, novamente tentar explicar por que não há
escapatória para a humanidade senão a redução drástica
de emissões de gases de efeito estufa.
Comecemos do começo. Chama-se radiação do corpo negro o fenômeno
básico envolvido no efeito estufa. Todo corpo que não esteja à temperatura zero
absoluto, aquela em que não há movimento de seus átomos e/ou moléculas
constituintes (aproximadamente 273 °C abaixo de zero), emite radiação
eletromagnética. Quanto maior a temperatura do corpo, maior a intensidade e a
frequência da radiação.
Como a superfície do Sol está a aproximadamente 5.000 °C, devido
a reações nucleares em seu interior, a intensidade emitida é tão intensa e as
frequências tão altas (da luz visível). Mas a Terra também emite radiação
eletromagnética, pois está a temperaturas superiores ao zero absoluto. Essas emissões
são, todavia, menos intensas e de frequência mais baixa. Chamamos esse
intervalo de frequências de infravermelho.
Então, Terra e Sol emitem energia continuamente. Se a Terra não tivesse
atmosfera, essa condição levaria a um equilíbrio. E cálculos mostram que a
Terra, se não houvesse atmosfera, estaria a cerca de 80°C abaixo de zero,
quando a energia emitida pela Terra igualasse aquela recebida do Sol.
Consideremos agora uma molécula de dióxido de carbono (CO2) no
caminho entre o Sol e a Terra. Medidas físicas mostram que essa molécula
interage fortemente com os raios infravermelhos emitidos pela Terra,
absorvendo-os e reemitindo-os em todas as direções, inclusive de volta para a
Terra. A molécula de CO2 também interage com a luz solar, mas muito fracamente.
Uma atmosfera composta de moléculas de CO2, e outras com o mesmo
comportamento, permitirá passar a energia proveniente do Sol e devolver para a
Terra —e vai necessariamente aquecê-la. É por isso que a temperatura média da
Terra está acima dos 80 °C negativos. Viva o dióxido de carbono. Esse fenômeno
é o que chamamos de efeito estufa. Ao aumentar a quantidade dessas moléculas,
aumenta a retenção de energia da radiação infravermelha e, consequentemente, a
temperatura da Terra.
Por outro lado, a queima de qualquer material orgânico, tais
como carvão, petróleo e madeira, libera moléculas de dióxido de carbono e
outras de efeito estufa, aumentando a retenção de calor. De fato, a atmosfera também
se aquece, provocando desigualdades de densidade e consequentes
movimentações, ou seja, ventos, tempestades etc. Mas o efeito estufa continua,
pois o CO2 e outros gases não estão sendo removidos. E se está frio em
Roma é por causa de vento e nuvens que não mudam a temperatura
média da Terra. Será que há razões extrarracionais que abusam da ignorância e
da burrice dos pobres de espírito?
A verdade é que esse negacionismo está matando gente e vai matar
muito mais. Cada árvore que se
queima na Amazônia contribui para a morte de um inocente. E a
omissão do governo brasileiro é, portanto, um crime, principalmente se não for
senão para agradar a bancada ruralista.
[Ilustração: Oswaldo Guayasamin]
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