24 setembro 2019

Destilando ódio


Bolsonaro na ONU: ditadura petista, Amazônia intocada e índios querem se desenvolver

Jornal GGN
O discurso de Jair Bolsonaro na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas foi marcado por ataques contra países e a imprensa internacional, tom bíblico e de campanha eleitoral, negando que a Amazônia estava sendo destruída, acusando o clima seco e ações criminosas “inclusive de indígenas” de terem provocado as queimadas, fazendo ironias à ONU, enobrecendo o ex-juiz Sérgio Moro e afirmando que seu governo estava salvando o Brasil do socialismo, colocando fim ao “acordo entre a ditadura petista e a ditadura cubana”.
Logo na abertura de sua fala, Bolsonaro agradeceu à Deus, em tom religioso, e disse que estava ali para “restabelecer a verdade, porque é bom para todos nós”. “Apresento aos senhores um novo Brasil que ressurge, após estar a beira de um socialismo”, introduziu. Os primeiros minutos do discurso foram de ataques direto aos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, no qual além de descrever como “ditadura petista” ou “socialismo” em tom de ofensa, também caracterizou como “absolutismo”.
Em seguida, usou como exemplo a Venezuela, afirmando em ironia que essa “ditadura deu certo”, mencionando que há fome, desemprego e violência no país vizinho. Disse que “o Brasil também sente os impactos da ditadura venezuelana”, ao receber os imigrantes da fronteira.
Após discursar contra as “ditaduras socialistas”, Bolsonaro começou criticar as notícias divulgadas pelo mundo sobre as queimadas na Amazônia, e contrariando todos os dados do Instituto de Pesquisas Ambientais (INPE) e de fiscalizações ambientais, disse que “a Amazônia permanece praticamente intocada”. Sobre as queimadas, tratou como consequências do clima quente e seco, “espontâneas”, mas também “criminosas”: “existem queimadas ocasionadas por indígenas”, exemplificou. Ainda, confrontou “os ambientalistas”, dizendo que eles mentem sobre a Amazônia ser o pulmão do mundo.
E foi neste tema que Jair Bolsonaro encontrou o eixo para levantar a bandeira nacionalista: “Os ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional despertaram nosso sentimento patriótico. É uma falácia dizer que Amazônia é patrimônio da humanidade, e é mentira o que tratam ambientalistas que a Amazônia é o pulmão do mundo. O Brasil embarcou nas mentiras do mundo”, disse, confrontando a próprio ciência.
Juntamente com a bandeira patriótica e quase em versão estadista, o mandatário sugeriu desenvolver e explorar a Amazônia, afirmando que “nossos nativos [os indígenas] são serem humanos, eles querem e merecem usufruir dos mesmos meios que nós”. “Muitas comunidades estão sedentas para que boa parte dessa parte do Brasil se desenvolva.”
Desqualificou a visibilidade internacional do cacique Raoni, respeitando por indigenistas, diversas tribos indígenas e entidades de direitos humanos no Brasil e no mundo, sendo sugerido ao prêmio Nobel da Paz pela luta e atuação em defesa da Amazônia. “A visão de um líder indígena não representa a de todos os brasileiros, muitos vezes alguns deles são usados como uma peça de manobra por governos estrangeiros, para avançar contra a Amazônia”, defendeu.
E como se atuasse em defesa dos indígenas brasileiros, Bolsonaro afirmou: “Tratam nossos índios como homem das cavernas, o Brasil se preocupa com aqueles que estavam antes de nós. Mas o índio não quer ser pobre em terra rica”, sugerindo o desenvolvimento das reservas ambientais.
“As reservas indígenas têm grande abundância de ouro, diamante, urânio e minérios raros, entre outros. A reserva Yanomami, por exemplo, conta com 95 mil km2, o equivalente a Portugal ou Hungria, embora apenas 15 mil índios vivam na área”, continuou, na lógica de que explorar o local é positivo. “Os que nos atacam não estão preocupados com os índios, mas com as riquezas minerais existentes nessas áreas”.
E para tentar desqualificar o cacique Raoni e demais lideranças indígenas de todo o Brasil, omitindo as manifestações do Acampamento Terra Livre, a maior mobilização nacional indígena do país, com a presença de milhares de indígenas, em abril deste ano contra o governo Bolsonaro, o presidente disse que há comunidades indígenas que querem o desenvolvimento de seu governo. Para isso, leu uma carta da indígena Ysani Kalapalo, do Parque do Xingu, no Mato Grosso, que esteve na comitiva do Bolsonaro. Kalapalo é repudiada por 16 povos de sua própria comunidade do Xingu.
Voltando a falar sobre o desenvolvimento na Amazônia, Bolsonaro citou a França e a Alemanha, que “usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura”, comparando que “o Brasil somente 8%”, e criticando que “61% do nosso território é preservado”, mostrando que isso irá acabar.
No discurso corrosivo, propôs um “novo ambientalismo” contra o “velho ambientalismo e indigenista ultrapassado”, associando a preservação ambiental ao que ele acredita ser o colonialismo: “Acabou o monopólio do senhor Raoni. A ONU teve papel fundamental na superação do colonialismo e não pode aceitar que essa mentalidade regresse a esta sala e corredores sobre qualquer pretexto”, afirmou.
Também fez menção a passagens da Bíblia, como “a verdade vos libertará” e “a ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus”. E sem ter manifestado nenhum posicionamento para se solidarizar pela menina Ágatha, morta no Morro do Alemão, falou da perversão de “nossas crianças”, e exaltou “valores da família”, afirmando que a “ideologia” de governos anteriores tentou “corromper a família”, com uma “ideologia” que se “instalou na Cultura, na educação, comprando a imprensa”.
Ao tratar do tema da criminalidade, uma de suas bandeiras de governo, Bolsonaro disse que o compromisso do Brasil “caminha junto com o combate à corrupção e a criminalidade, demandas urgentes” e que trabalha “dentro e fora das Nações Unidas” para que “não haja impunidade para criminosos e corruptos”. Citou as extradições feitas, como a de Cesare Battisti à Itália: “Terroristas disfarçados de exilados políticos”.
Quando falou de criminalidade e corrupção, mostrou que a crise interna de seu governo com o ex-juiz da Lava Jato e atual ministro da Justiça foi solucionada e elogiou Sérgio Moro: “O combate à corrupção com patriotismo, perseverança, graças a um juiz, o doutor Sergio Moro”.
Ao falar de “violência”, ignorou a periferia e os pobres, além da própria letalidade policial, e disse que as principais vítimas são os policiais militares como “alvo da prioridade do crime”, que hoje em seu governo estão mais protegidos. Ao falar de “perseguição religiosa”, ignorou as religiões espíritas e afrodescendentes, mas defendeu a proteção a “igrejas, sinagogas e mesquitas”. “Recordaremos anualmente aqueles que sofrem a perseguição religiosa”, disse.
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