Projeto de clube-empresa
é outro gol contra o Brasil
Juca Kfouri,
Folha de S. Paulo
O jornalista Marcelo Damato, que por muitos anos abrilhantou esta
Folha, um dia me disse que eu sou péssimo ao elogiar.
Pois eis que a cada vez que deposito esperança em alguém
confirmo que ele tem razão.
Nem assim aprendo e tendo sempre a confiar nas pessoas.
Clóvis Rossi diria
que assim sou porque ainda muito jovem...
Não é que a confiança aqui depositada no presidente da Câmara
dos Deputados Rodrigo Maia virou
pó em poucas semanas?
Toda a movimentação dele no que parecia um passo na direção da modernização da
gestão do futebol brasileiro revela-se agora apenas e tão
somente uma tentativa de salvar o Botafogo, seu time de coração e apelido
tornado público pela Lava Jato quando a operação ainda gozava de credibilidade.
A nova legislação proposta
pelo deputado carioca Pedro Paulo, em nome de Maia, é apenas mais uma tentativa
de facilitar a vida dos cartolas que criaram dívidas fiscais monstruosas nos
clubes para pagá-las, reduzidas até 50%, em 20 anos, ou melhor, não pagá-las
nos tais 20 anos, e criar outra e mais outra e outra lei mais a dano do
público.
Em bom português, o que está sendo proposto espanca a ideia
original da Sociedade Anônima do Futebol (S.A.F.), como Pedro Paulo confessou
um dia ter espancado sua mulher.
"Foi um episódio triste que aconteceu na minha vida. Um dos
momentos mais difíceis. Você imagina uma separação da forma que foi. Eu errei.
Foi um momento de muita tensão, de descontrole. Tivemos discussões e agressões
mútuas", disse a esta Folha quando candidato, derrotado, à prefeitura do
Rio nas últimas eleições.
Agora Maia e ele traem o futebol nacional e agridem o cidadão
que paga seus impostos --ou o que não paga e não tem quem o defenda ou invente
casuísmos para salvá-lo.
Para tanto contam ainda em tabelar com o senador Romário Faria,
tão oportunista na vida política como foi na grande área.
As SAFs, mesmo com imperfeições aqui e ali pela Europa e
pela América, ensejaram o poderio de grandes clubes no Velho Mundo e no
continente americano, mas estão sendo rejeitadas no Patropi porque
exigem novas posturas e competências na gestão do futebol.
Tínhamos no Brasil a oportunidade de aprovar uma lei que
corrigisse as imperfeições pelo mundo afora e a chutamos não apenas
a escanteio, mas para as calendas gregas.
O cinismo é de tal ordem que permitiu ao presidente do Cruzeiro,
clube sob fogo cruzado do Ministério Público mineiro, propor a bizarrice de o
BNDES abrir uma linha de crédito com juros subsidiados para as agremiações
endividadas.
Não se pode mesmo elogiar.
O que parecia uma iniciativa iluminista de Maia não passa de
tentativa de salvar o Glorioso que deve coisa de R$ 750 milhões.
Diga-se a favor de Pedro Paulo que ele é torcedor do Flamengo,
que não está precisando de ajuda espúria.
E diga-se contra que, correligionário de Maia no DEM, está em
busca de ficar bem com o poderoso presidente da Câmara e das luzes que se
apagaram para ele depois que se tornou publica e nacionalmente conhecido por
bater em mulher.
Consta que o Ministério da Economia não quer nem ouvir falar em
tamanha artimanha neste momento de sufoco por que passa o país. E que jogará de
zagueiro para impedir o gol contra.
Que Damato me perdoe, mas quero crer que assim será.
Será?
Seja como for, os arquitetos da esperteza não merecerão perdão.
[Ilustração: Brendan
Higgins]
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