Vivendo e aprendendo
Luciano Siqueira
Qualquer tempo é tempo para novas experiências. E novas descobertas — sempre ouvi dizer, mas nunca dei a essa assertiva (expressão de gente antiga, reconheço) a devida importância.
Por isso ouvia dizer certas coisas e sequer prestava atenção ao sentido real do que se dizia.
— “A vida é uma eterna peça de teatro”, escutei certa vez meu avô Quincas falar, e nem me toquei porque sequer estava ligado em teatro, tinha não mais do que talvez nove anos de idade.
— “Cada um desempenha o seu papel na cena da vida”, li num artigo de jornal sem maior importância sobre a violência policial, de que anotei apenas essa frase.
Ditos que tinham uma conexão óbvia. Mas guardei apenas na memória.
No último fim de ano, como sempre fazemos há décadas, reunimos parte da família em alguma praia do litoral pernambucano ou vizinho, para alguns dias de congraçamento (outra palavra de gente antiga) e, precisamente à meia-noite do dia 31 de dezembro, à beira-mar, fazermos o nosso festivo réveillon. Com direito a espetáculo pirotécnico e oferendas a Iemanjá, todos vestindo branco, inclusive as crianças.
Foi aí que me detive na cena familiar. A maioria num terraço, entre drinques, piadas e contação de fatos da vida; e eu na sala de jantar fazendo a faxina anual no meu lap top, livrando-me do que não vale a pena guardar e revisitando textos e fotos que devem ser preservados.
Então, praticando o que meu tio psicólogo Paulo Rosas chamava de "atenção difusa", pude me manter literalmente com um olho nos meus arquivos e os ouvidos nas vozes que me vinham do terraço.
— É verdade, a vida é um grande teatro!, pude então confirmar, validando a sentença do meu avô e a frase do artigo de jornal.
Por três ou quatro dias desfilaram ali alguns personagens — quase sempre muito parecidos com o que seus "intérpretes" são na vida real, mas com evidentes lampejos de encenação.
Como que cada um desempenhasse o seu papel, inconscientemente, na busca de atenção dos demais, sem contudo romper com a própria personalidade.
Assim, houve quem de vida afetiva pálida se mostrasse alvo de paixão desenfreada, pobres, pobres de Marré se dissessem falsos perdulários, além de pecadores contumazes e convictos se afirmasse exemplares cumpridores dos Dez Mandamentos...
Mas havia também quem se pautasse pela discrição, quase só ouvindo e pouco se expondo e evitando contar vantagens.
Na prática, cada um representava a si mesmo e encarnava o personagem que, conscientemente ou não, traz em si.
Na verdade, creio mesmo que o tempo do verbo aí está errado. Vale dizer: cada um segue cumprindo esse duplo papel — onde ser quem de fato é e o de representar o personagem que gostaria de ser.
O virtual e o real se confundem. Tal como no cotidiano nossas relações com gente, máquina e ideias nesse novo tempo da chamada revolução industrial 4.0.
Ou não?
Luciano Siqueira
Qualquer tempo é tempo para novas experiências. E novas descobertas — sempre ouvi dizer, mas nunca dei a essa assertiva (expressão de gente antiga, reconheço) a devida importância.
Por isso ouvia dizer certas coisas e sequer prestava atenção ao sentido real do que se dizia.
— “A vida é uma eterna peça de teatro”, escutei certa vez meu avô Quincas falar, e nem me toquei porque sequer estava ligado em teatro, tinha não mais do que talvez nove anos de idade.
— “Cada um desempenha o seu papel na cena da vida”, li num artigo de jornal sem maior importância sobre a violência policial, de que anotei apenas essa frase.
Ditos que tinham uma conexão óbvia. Mas guardei apenas na memória.
No último fim de ano, como sempre fazemos há décadas, reunimos parte da família em alguma praia do litoral pernambucano ou vizinho, para alguns dias de congraçamento (outra palavra de gente antiga) e, precisamente à meia-noite do dia 31 de dezembro, à beira-mar, fazermos o nosso festivo réveillon. Com direito a espetáculo pirotécnico e oferendas a Iemanjá, todos vestindo branco, inclusive as crianças.
Foi aí que me detive na cena familiar. A maioria num terraço, entre drinques, piadas e contação de fatos da vida; e eu na sala de jantar fazendo a faxina anual no meu lap top, livrando-me do que não vale a pena guardar e revisitando textos e fotos que devem ser preservados.
Então, praticando o que meu tio psicólogo Paulo Rosas chamava de "atenção difusa", pude me manter literalmente com um olho nos meus arquivos e os ouvidos nas vozes que me vinham do terraço.
— É verdade, a vida é um grande teatro!, pude então confirmar, validando a sentença do meu avô e a frase do artigo de jornal.
Por três ou quatro dias desfilaram ali alguns personagens — quase sempre muito parecidos com o que seus "intérpretes" são na vida real, mas com evidentes lampejos de encenação.
Como que cada um desempenhasse o seu papel, inconscientemente, na busca de atenção dos demais, sem contudo romper com a própria personalidade.
Assim, houve quem de vida afetiva pálida se mostrasse alvo de paixão desenfreada, pobres, pobres de Marré se dissessem falsos perdulários, além de pecadores contumazes e convictos se afirmasse exemplares cumpridores dos Dez Mandamentos...
Mas havia também quem se pautasse pela discrição, quase só ouvindo e pouco se expondo e evitando contar vantagens.
Na prática, cada um representava a si mesmo e encarnava o personagem que, conscientemente ou não, traz em si.
Na verdade, creio mesmo que o tempo do verbo aí está errado. Vale dizer: cada um segue cumprindo esse duplo papel — onde ser quem de fato é e o de representar o personagem que gostaria de ser.
O virtual e o real se confundem. Tal como no cotidiano nossas relações com gente, máquina e ideias nesse novo tempo da chamada revolução industrial 4.0.
Ou não?
[Ilustração: Giulio Turcato]
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