Partido de Bolsonaro
revela desprezo por evolução e diversidade
Bruno Boghossian, Folha de S. Paulo
Parece apropriado que o novo partido de Jair Bolsonaro tenha
retrocedido cinco séculos para formular suas bandeiras. O programa da Aliança pelo
Brasil faz uma distorção grosseira dos valores conservadores
para revelar seu desprezo pela evolução, pela diversidade e pelas
transformações da sociedade.
O panfleto ultraconservador lido no lançamento da
sigla, nesta quinta (21), não apresentou um projeto para o
Brasil real. Sua visão sobre políticas públicas ficou reduzida a quatro pilares
genéricos: respeito a Deus, resgate de tradições culturais, proteção da vida e
defesa da ordem.
Os autores do texto viajaram a 1500 para anunciar que o partido
seguirá os “valores
fundantes do Evangelho”. Motivos: o primeiro ato oficial celebrado
no Brasil foi uma missa e o primeiro nome atribuído ao território foi Terra de
Santa Cruz (na verdade, foi Ilha de Vera Cruz).
A influência religiosa é mesmo significativa na cultura
nacional, e seus valores integram a atuação política de milhões de brasileiros.
A sigla do presidente, porém, explora um tradicionalismo rasteiro para
justificar seus princípios, como se uma sociedade majoritariamente cristã
devesse viver de acordo com seus dogmas e ignorar avanços civilizatórios.
Num país com alto desemprego e desigualdade crônica, a
“restauração dos valores tradicionais do Brasil” é uma prioridade da nova
legenda. O princípio pode parecer razoável, mas esconde uma visão de país
preconceituosa e exclusivista.
O texto menciona o “reconhecimento a
tudo de bom que herdamos de outras nações”. Cita apenas princípios
lusitanos, hispânicos, do direito romano, da filosofia grega e da moral
judaico-cristã. Nenhuma menção às culturas africana, indígena ou de milhões de
imigrantes.
A agenda econômica ficou reduzida aos parágrafos finais, que
apontam a defesa do livre mercado e da livre iniciativa, além de críticas a
interferências estatais. Ficou claro, de vez, que a única razão de existir do
partido é servir como máquina para mobilizar as bases bolsonaristas.
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